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Foto do salão onde ocorreu o atentado terrorista perpetrado pelo Estado Islâmico.
Foto do salão onde ocorreu o atentado terrorista perpetrado pelo Estado Islâmico.| Foto: Wakil Kohsar/AFP

O Estado Islâmico assumiu a responsabilidade por um atentado suicida que matou 63 e feriu quase 200 pessoas em um casamento em Cabul, capital do Afeganistão, no fim de semana passado, sinalizando o alcance duradouro do grupo e ressaltando um dos desafios de uma negociação de paz entre os Estados Unidos e o Talibã.

O grupo militante perdeu seu califado autoproclamado no Iraque e na Síria no início deste ano. Mas o atentado de sábado mostrou que o Estado Islâmico continua sendo uma força potente além das fronteiras que uma vez havia reivindicado, lançando um olhar sobre um de seus afiliados menos conhecidos, mas em crescimento: o Estado Islâmico em Khorasan, como é conhecido o ramo do Afeganistão.

O atentado ocorreu no momento em que os EUA e o Talibã trabalham para finalizar um acordo de paz que terminaria a guerra de 18 anos no Afeganistão. Na sexta-feira anterior ao ataque, o principal negociador do governo americano tinha apresentado o projeto de um acordo ao presidente Donald Trump, o qual esboça um plano para retirar milhares de tropas americanas do país - uma medida que alguns temem permitir ao Estado Islâmico, também conhecido como EI, ganhar mais terreno.

Aqui está o que se sabe atualmente sobre o Estado Islâmico no Afeganistão:

1. O Estado Islâmico tem uma posição crescente no Afeganistão

O Estado Islâmico em Khorasan começou a operar oficialmente no Afeganistão em 2015, de acordo com um relatório do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS). Seu nome invoca a província de Khorasan, uma região medieval que abrange partes do Afeganistão, Irã e Ásia Central.

Iniciado pelo paquistanês Hafiz Zaeed Khan, que prometeu lealdade ao chefe do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi em 2014, o grupo começou com poucos militantes, principalmente paquistaneses que operam na província de Nangahar, no leste do Afeganistão. Alguns recrutas vieram do Talibã, embora membros de outros grupos extremistas da região também tenham desertado para o grupo Khorasan, segundo o relatório do CSIS.

Assim como seu grupo pai - o Estado Islâmico no Iraque e na Síria - o ramo afegão tem ambições de manter território e é conhecido por realizar ataques brutais a civis, incluindo mulheres e crianças. Os xiitas são alvos particularmente frequentes.

O número de combatentes afiliados ao Estado Islâmico no Afeganistão aumentou para um número que está entre 2.500 e 4.000, de acordo com uma estimativa recente da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles ainda estão concentrados principalmente em Nangahar - mas o bombardeio no casamento em Cabul destacou o crescente alcance do grupo, de acordo com Michael Kugelman, especialista do Sul Asiático no Wilson Center.

O Estado Islâmico em Khorasan nunca conquistou territórios com sucesso no Afeganistão e permanece muito mais fraco que os grupos militantes rivais na região, como o Talibã e a al-Qaeda. Ainda assim, disse Kugelman, o grupo permanece "resiliente".

2. Sua estratégia se concentra em atacar 'alvos fáceis'

O ataque ao casamento foi significativamente maior e mais destrutivo do que outros ataques recentes. Fawaz Gerges, autor de um livro recente sobre a ascensão do Estado Islâmico, observou, porém, que o grupo frequentemente ataca mesquitas, escolas e casamentos.

"O meio mais eficaz de permanecer ativo é realizar ataques devastadores contra alvos fáceis e mostrar que é mais puro que o Talibã e a al-Qaeda", disse Gerges, que também é professor da London School of Economics.

A carnificina gerada por esses tipos de ataques chama a atenção que mantém o grupo relevante, tanto no Afeganistão quanto em todo o mundo.

Desde de sua dispersão do Iraque e da Síria, o Estado Islâmico voltou sua atenção para outras partes do mundo, atraindo recrutas da Ásia e da África e exportando sua ideologia e tática, na tentativa de fazer a transição entre governar um califado para travar uma insurgência global.

"Ataques suicidas contra casamentos são multiplicadores de força para o EI, porque o grupo está desesperado para mostrar sua potência, sua capacidade de atacar de perto e de longe, especialmente depois das agressões sofridas no Iraque e na Síria", disse Gerges.

3. Especialistas estão divididos sobre a ameaça que o EI representa no Afeganistão

Alguns analistas especularam que o Afeganistão poderia fornecer um terreno fértil para a organização central do Estado Islâmico se reagrupar. Mas especialistas e funcionários do governo discordam sobre o tamanho da ameaça que o grupo representa no Afeganistão.

Alguns acreditam que é um perigo urgente: o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou recentemente que, apesar de perder seu território no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico tem acesso a centenas de milhões de dólares para financiar o terrorismo e que o Afeganistão é uma zona de conflito fértil para recrutar combatentes.

Oficiais militares americanos concordam. Eles vêem o Estado Islâmico no Afeganistão como um problema crescente e temem que o grupo local possa orquestrar ataques contra o Ocidente, segundo informou o New York Times. E generais afegãos dizem ter achado cada vez mais difícil combater o grupo.

Mas as autoridades de inteligência dos EUA acham que o Estado Islâmico em Khorasan não possui o know-how do grupo central e não representa uma ameaça para os países ocidentais.

Ainda assim, Gerges descreveu o grupo como "um afiliado muito teimoso".

"Eles têm o potencial de se tornar um grupo muito mais perigoso", disse ele.

4. Os EUA combateram o grupo no Afeganistão com sucesso misto

Os ataques aéreos dos EUA derrubaram os principais líderes do Estado Islâmico em Khorasan, incluindo seu fundador, desde o início. E em 2017, os militares dos EUA jogaram a "mãe de todas as bombas" em uma caverna onde os combatentes estavam escondidos na província de Nangahar. Foi a primeira vez que os Estados Unidos usaram a bomba mais poderosa do seu arsenal em combate.

Ainda assim, o grupo afiliado conseguiu se sustentar e aumentar sua participação.

"Você teve uma campanha implacável de ataques aéreos do Afeganistão e dos EUA nos últimos anos... Apesar de tudo isso, o grupo permaneceu lá. Não foi desalojado; continuou a realizar ataques", disse Kugelman.

Isso influenciou as negociações de paz em andamento entre o governo Trump e o Talibã, principalmente porque as duas partes discutem se os Estados Unidos devem manter uma força antiterrorismo no país após a retirada de outras tropas.

O último esboço do acordo de paz, conforme descrito pelas autoridades americanas, inclui uma retirada inicial de cerca de 5.000 dos 14.000 militares dos EUA no Afeganistão em troca do Talibã renunciar à al-Qaeda e trabalhar para encerrar suas operações em áreas sob controle do Talibã.

Mas a questão da presença de tropas antiterrorismo a longo prazo provou ser um ponto de discórdia. O Talibã quer todas as forças dos EUA fora do país.

Até agora, o que fazer com o Estado Islâmico no Afeganistão não foi definido no esboço de acordo. Washington já havia dito que quer que o Talibã renuncie ao Estado Islâmico, mas o projeto menciona apenas o rival do grupo, a al-Qaeda.

5. Um acordo de paz poderia levar membros do Talibã ao Estado Islâmico

O Talibã e o Estado Islâmico são rivais e o Talibã luta contra eles no Afeganistão há anos. A ideologia e as táticas do Estado Islâmico são significativamente mais extremas do que as do Talibã.

O Estado Islâmico tentou avançar um projeto global por meios brutais. No Afeganistão, o objetivo é fomentar a violência sectária visando os xiitas.

O Talibã também realizou ataques a alvos civis, como escolas e locais de votação. Mas, ao contrário do Estado Islâmico, o grupo nega ter como alvo deliberadamente civis. O Talibã vê o Estado Islâmico como "uma ameaça existencial", disse Gerges, e cada vez mais procura se definir em contraste com o Estado Islâmico - como mais razoável, menos sangrento e disposto a operar como ator político convencional.

No domingo, um porta-voz do Talibã condenou o ataque ao casamento como um "ato brutal".

Apesar da rivalidade, combatentes desiludidos do Talibã desertaram para as afiliadas do Estado Islâmico. Muitos dos recrutas iniciais do grupo pertenciam anteriormente aos talibãs.

Um acordo de paz com os Estados Unidos poderia alimentar outro êxodo. O Talibã não é um grupo monolítico, segundo especialistas, e membros mais extremos podem ver o trato com os Estados Unidos como uma traição à causa.

"Se houver um acordo de paz do Talibã, você terá um grande volume de combatentes linhas-duras do Talibã que mudaria para o campo do EI", disse Kugelman.

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