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Editorial

Saída de Lupi não ameniza escândalo no INSS

Lula e Lupi
Permanência do ministro se tornou insustentável após a revelação de que ele soube da fraude em 2023 e não tomou providências. (Foto: José Cruz/Agência Brasil / arquivo)

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Demorou, mas Carlos Lupi acabou deixando o Ministério da Previdência – oficialmente, ele teria pedido demissão logo após uma reunião com Lula nesta sexta-feira (02). Em seu lugar, entra outro pedetista: o ex-deputado federal Wolney Queiroz, secretário-executivo da Previdência e número dois da pasta. A saída de Lupi era mais do que esperada, dada a repercussão do escândalo das fraudes no INSS, mas não resolve o problema do governo – e tampouco pode servir como cortina de fumaça para arrefecer as investigações sobre o esquema bilionário, cujos detalhes e extensão ainda estão sendo apurados. Há muita coisa a ser investigada ainda.

Carlos Lupi, indicado por Lula ao Ministério da Previdência em troca do apoio do PDT, é um velho conhecido dos governos lulopetistas. Em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff, ele deixou o Ministério do Trabalho e Emprego também em meio a denúncias de irregularidades. Lupi foi nomeado ministro do Trabalho em 2007, durante o segundo mandato do presidente Lula. À época, Lupi ocupava o cargo de presidente nacional do PDT, partido da base aliada do governo, e tinha na carreira política um mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro.

A responsabilidade do governo federal não pode ser minimizada: ao ignorar por tanto tempo os indícios de fraude no INSS, permitiu que bilhões de reais fossem desviados das aposentadorias de brasileiros que dependem desses recursos para sobreviver

Ele foi mantido no cargo por Dilma, que sucedeu Lula na Presidência, e continuou ministro até dezembro de 2011. Sua saída foi motivada por uma série de denúncias, entre elas a de convênios irregulares com ONGs e a de ter viajado em um jatinho de propriedade de uma organização que mantinha convênio com o ministério. Lupi negou as acusações, mas sua saída do governo foi recomendada pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Foi com esse currículo que Lupi foi nomeado ministro da Previdência por Lula em 2023.

Mesmo não tendo sido citado nas investigações da Polícia Federal – em nota oficial anunciando sua saída, Lupi enfatizou isso –, sua atuação diante do escândalo dos descontos indevidos nas aposentadorias do INSS foi desconcertante. Lupi admitiu ter conhecimento sobre as suspeitas de fraude pelo menos desde 2023, mas o ministro nada fez durante dois longos anos, permitindo que a fraude ganhasse proporções astronômicas.

De acordo com investigação da Polícia Federal, os descontos irregulares, sem a autorização de aposentados e pensionistas, feitos por associações e sindicatos, teriam alcançado quase R$ 8 bilhões entre 2016 e 2024 – a maior parte nos anos de 2023 e 2024. Apenas em 2024, o valor descontado chegou a R$ 2,848 bilhões. A suspeita é de que a maioria dos aposentados não havia autorizado a cobrança das mensalidades ou acreditava que seu pagamento era obrigatório, e por isso nem suspeitava que era vítima de fraude.

Ainda que o governo tenha tentado reverter a história e ganhar pontos com o escândalo – com Lula se vangloriando de ter “desmontado” o esquema de fraudes no INSS –, o fato é que o governo demorou a agir, e o motivo dessa omissão é uma pergunta que as investigações em curso terão de responder. As ligações entre as associações investigadas por participação no esquema e o governo lulopetista também precisam ser esclarecidas.

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Lideranças da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), uma das associações investigadas no esquema de fraude, por exemplo, frequentemente aparecem ao lado de figuras do governo. A entidade esteve presente em 13 das 15 reuniões mapeadas pelos órgãos de governo – foram 8 encontros em 2023, 5 em 2024 e 2 em 2025.

Outra das 11 associações investigadas é o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que tem como vice-presidente o irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico – que, segundo a Polícia Federal, não é suspeito nem investigado. De 2019 a 2024, o sindicato recebeu R$ 457 milhões, sendo 2024 o ano com mais repasses: R$ 154 milhões, segundo o Portal da Transparência. Uma auditoria do TCU apontou que o Sindnapi tinha 237 mil associados em 2021, e que esse número havia saltado para 366 mil em 2023, no primeiro ano do governo Lula.

Outra questão que o governo ainda não respondeu é como os aposentados vítimas da fraude serão ressarcidos. Por enquanto, só há certeza da devolução, em maio, dos valores descontados irregularmente em abril. Como as contas públicas estão um caos – projeções indicam que o governo federal não terá dinheiro nem para se manter funcionando a partir de 2027 –, não se sabe de onde sairá o dinheiro para cobrir o rombo, nem qual será o prazo para os ressarcimentos.

Diante da dimensão do escândalo e das evidências de omissão por parte de Lupi e do governo, é imprescindível que o caso seja investigado com total transparência e rigor. A responsabilidade do governo federal não pode ser minimizada: ao ignorar por tanto tempo os indícios de fraude no INSS, permitiu que bilhões de reais fossem desviados das aposentadorias de brasileiros que dependem desses recursos para sobreviver. A substituição de um ministro não encerra o problema – ao contrário, deve ser apenas o primeiro passo de uma apuração profunda e independente, que identifique os responsáveis, recupere os valores desviados e assegure que abusos dessa natureza jamais voltem a ocorrer. A confiança da população na Previdência e nas instituições do Estado depende disso.

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