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O juiz federal Marcelo Bretas foi afastado do cargo pelo CNJ
O juiz federal Marcelo Bretas foi afastado do cargo pelo CNJ| Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

A decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que afastou do cargo o juiz federal Marcelo Bretas abre caminho para uma demolição da Lava Jato do Rio de Janeiro semelhante à que ocorreu com operação no Paraná, a partir de 2021, após a declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em processos contra Luiz Inácio Lula da Silva. Sob alegação de terem sido vítimas de uma atuação parcial, vários réus devem agora pedir aos tribunais superiores de Brasília a anulação de condenações e investigações a cargo de Bretas.

Essa é a projeção de juízes, procuradores e advogados consultados pela reportagem para entender os efeitos da instauração de três processos disciplinares contra Bretas na última terça (28). O primeiro sinal veio da defesa do ex-governador Sergio Cabral um dos principais alvos das investigações da Lava Jato no Rio, já condenado a penas que somam mais de 400 anos de prisão por esquemas de corrupção em vários órgãos estaduais.

Daniel Bialski, um dos advogados do político já anunciou que, com base na decisão do CNJ, vai recorrer de sentenças proferidas por Bretas para anular algumas condenações.

“Em todos os processos, eu já reclamava que a 7ª Vara não era competente, que tinha de preservar o princípio do juiz natural e que algumas decisões não eram imparciais. A partir do momento que o CNJ aponta que existem irregularidades, que são graves, a ponto de determinar o afastamento do dr. Bretas, como já se reclamava, sinaliza que todos os reclamos, de todas as defesas, ou da maioria delas, não eram em vão. Cansei de falar que a competência não era dele. Obviamente, ele negou. Mas agora isso vai ter que ser revisitado”, disse o advogado à Gazeta do Povo.

O CNJ abriu processos disciplinares contra Bretas por suposta parcialidade na condução dos processos da Lava Jato. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora de um dos pedidos, o acusou de “negociar penas, orientar advogados e combinar estratégias com o Ministério Público, em descumprimento aos deveres de imparcialidade, tratamento urbano com as partes, desrespeito às prerrogativas dos advogados”. Além da entidade, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também representou contra o juiz. Outro processo foi aberto por iniciativa do ministro Luís Felipe Salomão, corregedor-nacional de Justiça.

As acusações estão em autos sigilosos, mas partem de denúncias feitas em delações premiadas por advogados, que apontam direcionamento das investigações, em suposta combinação com o Ministério Público, ou atuação política do juiz. Bretas nega e a Associação dos Juízes Federais diz que elas são fruto de um movimento orquestrado para persegui-lo por causa de sua atuação.

Além de Cabral, Bialski defende um empresário do setor de portos e outros três doleiros investigados por evasão de divisas, alvos da “Câmbio, Desligo”, fase deflagrada em 2018 que desarticulou uma rede de lavagem de dinheiro que teria movimentado US$ 1,6 bilhão. O advogado diz que pretende usar a decisão do CNJ em favor de todos eles.

Para isso, cada defesa deverá apontar se e como Bretas teria agido com parcialidade ou sem competência no caso em específico. Ou seja, decisões serão tomadas caso a caso, por outros magistrados, seja na primeira instância (assume o lugar de Bretas a juíza substituta Caroline Vieira Figueiredo), no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

Anulação de atos de Bretas

Um magistrado que conhece os processos da operação no Rio disse, sob reserva, que a tendência é de que recursos obtenham sucesso no STJ e, principalmente, no STF, que, há algum tempo, já tem proferido decisões adversas, anulando atos de Bretas.

A mais recente ocorreu em 24 de fevereiro, quando Gilmar Mendes, relator da Lava Jato do Rio no STF, encerrou um inquérito contra o ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando de Souza, o Pezão, do MDB, ex-vice de Cabral. Ele era suspeito de receber R$ 4 milhões de uma empresa de terraplenagem via caixa 2, em 2014, quando foi eleito. A suspeita fazia parte da delação premiada de Sergio Cabral, invalidada pelo STF em 2021.

Outra ocorreu em novembro do ano passado, quando a Segunda Turma da Corte anulou a denúncia oferecida contra 26 advogados de elite acusados de tráfico de influência junto aos tribunais superiores de Brasília, recebendo recursos que teriam sido desviados da Fecomércio do Rio – R$ 151 milhões, segundo o Ministério Público Federal.

Em 2021, seguindo o ministro Gilmar Mendes, a maioria do colegiado já havia declarado Bretas incompetente para autorizar busca e apreensão contra os advogados, em 2020, na fase batizada de “E$quema S”. Argumentaram que não cabe à Justiça Federal, mas sim à Justiça estadual investigar recursos do Sistema S. Com base nisso, também anularam a denúncia do MPF, dizendo que as acusações deveriam partir do MP estadual.

A equipe do MPF também virou alvo da nata do mundo jurídico em Brasília recentemente. No ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão congênere ao CNJ, mas que fiscaliza a atuação de promotores e procuradores, suspendeu por 30 dias o coordenador da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage.

Tudo porque, em 2016, a Procuradoria do Rio divulgou uma notícia, em seu site oficial, detalhando uma denúncia contra os ex-senadores do MDB Romero Jucá e Edison Lobão, por suposto recebimento de R$ 10,6 milhões em propina nas obras de retomada da construção da usina de Angra 3, pela Eletronuclear. O CNMP considerou que, como a investigação tramitava sob segredo de Justiça, a Procuradoria não poderia divulgar o teor das acusações.

A ofensiva contra os procuradores também foi facilitada pela gestão de Augusto Aras como procurador-geral da República e chefe do Ministério Público. Em 2020, em meio aos planos de acabar com as forças-tarefa da Lava Jato no Paraná, São Paulo e Rio, ele obteve do STF autorização para acessar todos os documentos das investigações nos três estados.

Isso revoltou os procuradores. A equipe do Rio contestou a medida no STF. Em manifestação, afirmaram, na época, que o procurador-geral “não tem poder hierárquico algum para requisitar informações ou ditar regras aos procuradores. “O que se pretende é uma verdadeira devassa, com todo o respeito”, protestaram, em vão.

Em junho de 2021, quando foi divulgado o último balanço oficial da Lava Jato no Rio, a operação já havia condenado 183 pessoas na primeira e segunda instância da Justiça. Aproximadamente R$ 20 bilhões foram requeridos em ações de improbidade, acordos de delação ou leniência e denúncias criminais. Foram apresentadas 104 denúncias e abertas 104 ações penais.

As investigações desvendaram esquemas de corrupção nas gestões de Sergio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Wilson Witzel, na Eletronuclear, na Assembleia Legislativa do Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro, e no setor de transporte público fluminense.

Ainda não se sabe ao certo se Bretas voltará a conduzir esses casos. Ele ficará afastado do cargo até o final do processo disciplinar, que não tem prazo definido para terminar. A OAB, de onde vem a maior parte das acusações contra o juiz, não propôs uma punição específica para o magistrado. Ela pode variar de censura a aposentadoria compulsória.

Se ele tiver de sair definitivamente dos casos, haverá uma seleção interna para que outro juiz assuma seu posto na 7ª Vara Criminal Federal.

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