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Cartaz em defesa do fim do foro privilegiado
Cartaz em defesa do fim do foro privilegiado: extinção do benefício é alvo de pedidos nas redes sociais após a deputada Flordelis ter sido acusada de ser a mandante do assassinato de seu marido.| Foto: Agência Câmara

O fato de a deputada federal Flordelis (PSD-RJ) não ter sido presa após a polícia a apontar como a mandante do assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, reabriu o debate sobre a imunidade parlamentar e o foro privilegiado concedido a autoridades no Brasil. Parlamentares e usuários das redes sociais passaram a cobrar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para colocar em votação um projeto que restringe a cinco o número de cargos contemplados com o foro privilegiado – e que exclui praticamente todos os parlamentares desse benefício. Mas, na avaliação de deputados, nem mesmo a acusação de que Flordelis está envolvida em um homicídio vai fazer com que o projeto saia da "gaveta" que se encontra desde o fim de 2018.

O projeto que modifica os casos de foro privilegiado é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que foi apresentada pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR) em 2013. Quatro anos depois, o Senado concluiu sua análise sobre o assunto, e o enviou à Câmara. No fim de 2018, o projeto teve sua tramitação por comissões finalizada e passou a estar apto para votação no plenário da Casa – o que não aconteceu até o momento.

A votação da PEC foi prometida por Maia em mais de uma ocasião. Em outubro do ano passado, ele anunciou que faria a votação na primeira quinzena de novembro. Em dezembro, disse que ocorreria naquele mesmo mês ou no início de 2020. Em entrevistas recentes, afirmou que a apreciação poderia ocorrer em breve. Mas não estipulou data. Procurado pela Gazeta do Povo, não apresentou um motivo para os adiamentos.

Na manhã desta quarta-feira (26), um grupo de 26 senadores informou que vai encaminhar a Maia uma carta pedindo que ele inclua a PEC na lista de projetos a serem votados o mais rápido possível. Até agora, não houve resposta do presidente da Câmara.

Qual a relação do caso Flordelis com o foro privilegiado

Flordelis não foi presa por ter imunidade parlamentar – a detenção só poderia ocorrer se tivesse ocorrido um flagrante do crime do qual ela é acusada, o que não houve. Mesmo que tivesse ocorrido, seria necessária uma autorização do Legislativo, num prazo de 24 horas após a detenção, para que ela continuasse presa.

Fora dessa circunstância, a deputada só pode ser presa com condenação judicial definitiva, conforme decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou com a possibilidade de prisão após sentença de segunda instância.

Como o caso de Flordelis teoricamente não envolve a sua atividade parlamentar, pelas regras atuais ela pode ser julgada pela primeira instância judicial (em 2018, o STF entendeu que parlamentares só têm direito ao foro privilegiado durante o exercício de seu mandato e em crimes relacionados a ele).

O caso da deputada inclusive chegou a ser analisado pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso em 2019. Ele reafirmou a competência da primeira instância.

Mas o recurso de Flordelis encaminhado ao Supremo mostra que, apesar das novas normas, políticos vêm tentando garantir o foro privilegiado para levar seus casos para instâncias superiores – o que costuma atrasar a investigação e o julgamento.

E, em algumas situações, eles têm obtido sucesso nessa demanda – mesmo que o crime do qual são acusados não tenha relação com o atual mandato nem tenha sido supostamente cometido nesse período. Isso aconteceu, por exemplo, no caso envolvendo o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no esquema das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O fim do foro privilegiado para parlamentares derrubaria de vez essa possibilidade de requisitar foro privilegiado e impediria esse tipo de questionamento, que atrasa investigações e julgamentos.

O que dizem os deputados sobre a votação da PEC do foro privilegiado

"O caso [Flordelis] pode levantar o tema. Mas não o suficiente para garantir a aprovação da PEC", afirma o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). O deputado foi o relator da PEC na comissão especial que analisou a proposta no fim de 2018. Segundo Efraim, a "casuística de episódios isolados" não pode motivar a votação de uma proposta com esse teor. "O tema das relações entre instituições, das relações entre os poderes precisa falar mais alto."

A preocupação em relacionar a apreciação da proposta a um fato pontual foi também levantada pelo deputado Fábio Trad (PSD-MS): "Não se pode votar uma PEC por causa de um fato em especial".

Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Ética Contra a Corrupção, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) endossa a análise. "Nenhuma lei deve ser alterada por causa de um indivíduo, mas por causa de um princípio", diz.

"Não é esse tipo de solavanco que vai desatolar a proposta", afirma o deputado José Medeiros (Podemos-MT), um dos vice-líderes do governo na Câmara, em referência ao caso Flordelis.

Por que a PEC não é votada?

Tanto o deputado Fábio Trad quanto a parlamentar Adriana Ventura avaliam que a proposta já está madura para votação em plenário. "O ideal seria colocá-la em votação com toda urgência, o quanto antes", afirma a deputada. Trad recorda que a iniciativa atende a demandas da sociedade e diz que "não vê sentido" para os adiamentos.

O projeto não conta com rejeição declarada na Câmara. Quando tramitou no Senado, seu principal adversário não foi a oposição, e sim o tempo – a votação no plenário, em dois turnos, não recebeu um voto contrário sequer.

Se a tramitação ocorre desde 2018 e existe apoio em torno da iniciativa, por que a votação não é efetivada?

O deputado José Medeiros avalia que existe, por parte de alguns integrantes da Câmara, a vontade de fazer com que o projeto fique em segundo plano.

Já para Fábio Trad o quadro tem também conexão com movimentações recentes da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido). "Depois que o governo se aproximou do Centrão e o Moro caiu [ex-ministro da Justiça, Sergio Moro], todas as pautas de combate à corrupção foram esfriadas", diz ele.

Na avaliação de Efraim Filho, o projeto ainda não teve sua votação efetuada por causa de uma "fila" de propostas que se acumulou ao longo dos últimos meses. O deputado lembra que, ao longo de 2019, os debates sobre corrupção e segurança pública na Câmara ficaram vinculados ao pacote anticrime proposto por Moro. Há ainda a discussão em torno da prisão dos condenados após julgamento em segunda instância, que também atraiu as atenções. "Mas estou esperançoso. Acho que podemos ter a aprovação, dentro da expectativa deste mandato", diz.

Senado cobra pressa, mas também segurou proposta

O Senado cobra da Câmara a conclusão da apreciação da PEC que reduz o foro privilegiado, mas a tramitação da proposta entre os senadores foi mais demorada do que o intervalo atual imposto pelos deputados.

Foram quatro anos entre a apresentação da PEC por Alvaro Dias e a finalização do processo pelos senadores. Entre 2013 a 2016, a iniciativa pouco andou. Passou a ter mais rapidez quando Randolfe Rodrigues (Rede-AP) assumiu a relatoria. Tramitou em comissões e teve a sua conclusão em maio de 2017.

Na ocasião, a aprovação foi festejada pelo então presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), e por senadores de diferentes partidos – inclusive dos adversários entre si.

Mas dois dos senadores que mais cobram a Câmara atualmente quanto à votação da PEC – Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Major Olímpio (PSL-SP) – ainda não estavam na Casa na ocasião.

Quem também não integrava o Senado em 2017 era Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que na ocasião era deputado estadual. Ele e os outros integrantes políticos da família Bolsonaro têm uma relação de "idas e vindas" quanto ao foro privilegiado. No mesmo ano de 2017, o hoje presidente da República chamou o foro de "porcaria". Flávio também disse ser contra.

O senador, entretanto, recorreu ao foro privilegiado durante as investigações do caso Queiroz, em que é investigado por causa de um suposto esquema de "rachadinhas" no seu antigo gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A defesa de Flávio requisitou à Justiça que seu caso fosse analisado pelas cortes superiores, ainda que a investigação não seja sobre um incidente relacionado ao seu mandato de senador – condição que faria com que, pelas regras atuais, seu caso ficasse com a primeira instância judicial.

O filho do presidente disse em entrevista ao SBT, pouco após a divulgação inicial do Caso Queiroz, que se mantinha contra o foro privilegiado, mas que não podia abrir mão do benefício, já que não se tratava de uma escolha dele, e sim de uma prerrogativa do cargo de senador.

O que prevê a PEC do foro privilegiado

A PEC que espera votação na Câmara restringe o foro privilegiado – ou foro por prerrogativa de função – apenas aos ocupantes de cinco cargos: os presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado, do Supremo Tribunal Federal (STF) e também o vice-presidente da República.

Atualmente, são cerca de 55 mil pessoas as contempladas com foro privilegiado. Além dos chefes de poderes federais, entram na lista, entre outros, todos os ministros, governadores, prefeitos, senadores, deputados federais, juízes, membros do Ministério Público e outros.

O foro privilegiado é uma indicação de que o acusado terá seu julgamento conduzido não por um juiz de primeira instância, e sim por cortes mais altas. A ideia é evitar que decisões individuais de juízes inviabilizem a atividade de agentes públicos. Mas, segundo críticos do foro, acabou por contribuir para a impunidade.

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