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“Nós temos que subir o sarrafo das proposições de ADIs”, disse Arthur Lira, em novembro
“Nós temos que subir o sarrafo das proposições de ADIs”, disse Arthur Lira, em novembro| Foto: Carlos Alves Moura/STF

Passou a tramitar oficialmente na Câmara dos Deputados a ideia de limitar a poucos partidos o poder de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar leis. Defendida nos bastidores pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a proposta também conta com o apoio velado de alguns ministros da Corte. Se aprovada, ela deixaria apenas 11 legendas, de maior peso no Congresso, aptas a protocolar as “ações de controle concentrado de constitucionalidade”, que buscam invalidar, confirmar ou interpretar as leis de acordo com a Constituição. Atualmente, qualquer partido com representação no Congresso pode apresentar essas ações.

Pela proposta em tramitação na Câmara, 12 partidos, menores, ficariam impedidos acionar o STF, incluindo alguns que se notabilizaram nos últimos anos por esse tipo de iniciativa, como Rede, PSOL, PCdoB, PV, Solidariedade e Cidadania, de esquerda. Ainda seriam barrados Avante, Patriota, PROS, PSC, PTB e Novo, de centro e de direita. Nenhum desses atende à chamada “cláusula de barreira” (ou de “desempenho”), mecanismo instituído em 2017 com a finalidade de reduzir o número de partidos no Congresso, por meio do corte no financiamento público via fundo partidário.

Pelo projeto em andamento no Congresso, somente os partidos que cumprissem essa linha de corte – com a eleição de pelo menos 15 deputados federais, distribuídos em ao menos 9 estados – teriam o direito de protocolar no STF ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), os tipos mais usados para derrubar leis, decretos e atos normativos editados pelo Poder Legislativo ou pelo Executivo.

A limitação foi proposta pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP) dentro de um projeto de lei composto por um grupo de juristas capitaneado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e que regulamenta a apresentação de ações desse tipo na Corte. Como mostrou a Gazeta do Povo, esse mesmo projeto de lei (PL 3640/2023) prevê a manutenção do atual poder dos ministros de suspender leis de forma individual, em decisões monocráticas – na contramão da PEC aprovada no Senado que acaba com esse tipo de expediente, que passaria a ser feito apenas pelo plenário da Corte.

“O Substitutivo [texto alternativo proposto por Manente] propõe a inclusão de um § 2° no art. 9º, relativo ao rol de legitimados, a fim de dispor que apenas as agremiações que atinjam a cláusula de barreira possam deflagrar a jurisdição abstrata e concentrada de constitucionalidade perante a Suprema Corte, em consonância com suas decisões sobre o conceito de ‘caráter nacional’ presentes no art. 17 do texto constitucional”, escreveu o deputado em seu parecer.

Nas últimas semanas, propostas semelhantes, mas com critérios diferentes, foram ventiladas no Legislativo. Arthur Lira chegou a propor que apenas partidos que, individualmente ou em conjunto, reunissem ao menos 20% dos parlamentares no Congresso – 103 deputados e 17 senadores – poderiam entrar com uma ação de inconstitucionalidade no STF. “Nós temos que subir o sarrafo das proposições de ADIs”, disse Lira em novembro, em evento do banco BTG.

Em outubro, Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, maior partido da Câmara, defendeu que apenas partidos com mais de 20 deputados federais possam apresentar ADIs.

“O camarada tem 3 deputados na Câmara, o PSOL [por exemplo]. Você vota uma lei na Câmara, eles entram no Supremo. Então, você limitar. Limitar como? Vamos fazer uma lei que você precisa ter no mínimo 20 deputados para você entrar no Supremo. Porque toda a lei que aprovamos, eles [partidos pequenos] entram no Supremo. Para não pode deixar esse pessoal ficar se divertindo com isso. Cria problema com o Supremo, que tem que avaliar, e cria problema para todos nós. São matérias constitucionais, eles inventam e entram lá para se promover, isso tem que acabar”, disse Costa Neto, em entrevista ao Poder360. “Isso aí é até uma ideia do ministro Gilmar Mendes”, afirmou ainda.

Deputada do Novo diz que proposta visa “calar a boca” de quem incomoda

No cenário atual, um dos partidos mais afetados pela proposta seria o Novo, que tem se empenhado no STF para derrubar algumas políticas do governo Lula que considera deletérias.

O partido já apresentou ações, por exemplo, para derrubar no STF o decreto que pretendia frear a privatização prevista no marco do saneamento. Também questionou na Corte o aumento do fundo eleitoral e a "PEC Kamikaze", que turbinou benefícios sociais em 2022, ano eleitoral, fora do teto de gastos.

No mês passado, a legenda protocolou uma ação para suspender o pagamento de emendas parlamentares vinculadas à Comissão de Turismo e Desenvolvimento Regional do Senado. Para o Novo, trata-se de uma nova versão do “orçamento secreto”, com verbas federais no valor de R$ 6,48 bilhões, hoje controladas pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que foi relator da lei orçamentária de 2023. O partido diz que deputados e senadores têm obtido uma grande parte desse montante sem transparência e critérios claros na alocação dos recursos.

Para a líder da bancada do Novo na Câmara, Adriana Ventura (SP), o plano de limitar agora os partidos menores é uma tentativa de “calar a boca” de quem incomoda.

“Essa proposta, em primeiro lugar, é um contraponto à PEC que foi aprovada no Senado. Entendo que alguns partidos menores usaram isso de maneira exagerada no passado e não tenho dúvida que o procedimento no Supremo pode ser aprimorado, para restringir as decisões monocráticas. Mas essa trava para os partidos acionarem o STF representa mais um ataque à democracia. Estão querendo restringir um direito fundamental, que é o acesso à Justiça, o que deveria ser feito por meio de PEC, não projeto de lei. O objetivo é dar um "cala a boca" em quem ousa desafiar o sistema”, diz a deputada.

Partidos de esquerda conseguiram derrubar políticas de Bolsonaro

Nos últimos anos, outros partidos pequenos, de esquerda, foram pródigos na apresentação de ações no STF que derrubaram políticas ou confrontaram bandeiras caras ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

A Rede Sustentabilidade, por exemplo, que hoje conta com apenas um deputado em exercício, ajuizou ação que permitiu a estados e municípios restringir a circulação de pessoas na pandemia. O partido também acionou o STF para que Conselhos Tutelares fiscalizassem pais que se recusaram a vacinar seus filhos contra a Covid. Além disso, solicitou à Corte que suspendesse decretos de Bolsonaro que facilitaram o acesso a armas e subscreveu a ação na qual o Supremo anulou o indulto do ex-presidente ao ex-deputado Daniel Silveira.

O PSOL, que hoje conta com apenas 13 deputados em exercício, é autor da ação que pode descriminalizar o aborto no Brasil. Também tem uma ação no STF para desapropriar terras onde seja denunciada a suposta ocorrência de “trabalho análogo à escravidão”. Além disso, protocolou ações para proibir o “tratamento precoce” contra a Covid e para tentar derrubar o marco do saneamento, que permitiu a entrada do setor privado no serviço.

O PCdoB – outro nanico de esquerda, com apenas sete deputados em exercício – é o autor da ação que pode derrubar uma regra da Lei das Estatais que veta políticos no comando das empresas públicas. No início do ano, o ministro aposentado Ricardo Lewandowski suspendeu, de forma monocrática, essa vedação, algo que tende a ser confirmado pelos demais integrantes da Corte nesta semana – a medida beneficiou Lula, que voltou a lotear estatais com aliados políticos e companheiros de partido ao assumir o terceiro mandato.

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