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Augusto Aras
O procurador-geral da República, Augusto Aras| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

A força-tarefa da Lava Jato divulgou uma nota, no início da tarde desta quarta-feira (28), repudiando as declarações feitas pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Na terça-feira (28), Aras afirmou que a Lava Jato em Curitiba é uma “caixa de segredos”.

Na nota divulgada nesta quarta, os procuradores classificam a fala de Aras como uma "ilação", e afirmam que "não há na força-tarefa documentos secretos ou insindicáveis das Corregedorias". O texto ressalta que os documentos estão registrados nos sistemas eletrônicos da Justiça Federal ou do próprio Ministério Público Federal, e que podem ser acessados em correições ordinárias e extraordinárias.

Os procuradores dizem, ainda, que "é falsa a suposição de que 38 mil pessoas foram escolhidas pela força-tarefa para serem investigadas", conforme disse o Procurador-Geral. "Esse é o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em Relatórios de Inteligência Financeira encaminhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao Ministério Público Federal, a partir do exercício regular do seu trabalho de supervisão de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro", completam.

A força-tarefa conclui dizendo que "investigações de crimes graves que envolvem políticos e grandes empresários desagradam parcela influente de nossa sociedade, que lança mão de todos os meios para desacreditar o trabalho até então realizado com sucesso", e classifica como "essencial" a garantia da independência do MP.

Associação de Procuradores afirma que discurso de Aras é "destrutivo"

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também divulgou nota, apoiando o trabalho das forças-tarefa e dizendo que a Lava Jato é "uma das maiores operações anticorrupção desenvolvidas no país". O texto destaca, ainda, que, "apesar dos trabalhos correicionais efetivados, nenhuma irregularidade restou identificada" nos trabalhos da operação.

Ainda de acordo com a Associação, as afirmações de Aras desprestigiam os órgãos correicionais que acompanham o trabalho da força-tarefa e colocam em "indevida suspeição os esforços desenvolvidos por todos os membros" que compões esses grupos de investigação, sem produzir qualquer contribuição. "Em suma, cuida-se de discurso destrutivo e não construtivo".

Ex-integrante da Lava Jato diz que Aras "desconhece como funcionam investigações"

Procurador aposentado e ex-integrante da força-tarefa em Curitiba, Carlos Lima comentou a fala de Aras sobre a Lava Jato. Para ele, há um “completo desconhecimento”, por parte do PGR, de como funcionam as investigações. “Investigações não são transparentes porque não são administração pública, são medidas que têm natureza jurisdicional”, disse.

“Veja bem, o trabalho de equipes investigativas tem natureza sigilosa. O sigilo é imposto na decisão que concede, pelo juiz de primeiro grau, acesso a informações de quebras de sigilo ou mesmo de buscas e apreensões. Então não cabe falar em transparência de informações sigilosas porque essas informações sigilosas são dadas pelo Judiciário o acesso para os procuradores do caso. Há um equívoco da PGR, e acho que também do ministro Dias Toffoli, em querer acessar esses documentos sem pedir autorização ao juiz competente. Era possível fazer um pedido caso a caso a um juiz para que ele determinasse ou não o compartilhamento. Sempre foi assim que funcionou”, completou Lima.

Para procurador da Lava Jato, escolha de Aras não foi transparente

Membro da força-tarefa em Curitiba, o procurador Roberson Pozzobon usou as redes sociais ainda na terça-feira (28) para rebater a fala de Aras. “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR [procurador-geral da República] pelo presidente Bolsonaro”, afirmou. “O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”, completou.

Pozzobon se refere à forma de escolha do procurador-geral da República. Tradicionalmente, a nomeação é feita a partir de uma lista tríplice elaborada pela ANPR, através de uma eleição interna. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), porém, não seguiu a lista elaborada pela associação ao nomear Aras, que não concorreu à eleição entre os procuradores.

A indicação não foi ilegal, já que a nomeação do chefe da PGR é uma atribuição do presidente e pode ser feita por livre escolha. Mas o fato de Aras não compor a lista tríplice quebrou uma tradição do Ministério Público Federal (MPF) e levantou questionamentos sobre a parcialidade e independência do procurador-geral.

Moro cobra explicações de Aras

O ex-juiz federal Sergio Moro também saiu em defesa da Lava Jato nesta quarta-feira (29). “Desconheço segredos ilícitos no âmbito da Lava Jato. Ao contrário, a operação sempre foi transparente. Seria relevante que o PGR melhor esclarecesse suas afirmações”, disse o ex-ministro da Justiça.

Moro foi o juiz responsável por julgar os casos da Lava Jato de 2014 até o fim de 2018, quando deixou a carreira de magistrado para assumir um cargo no governo Bolsonaro.

Cerco à Lava Jato

A declaração de Aras na terça-feira (29) se insere no contexto de uma ofensiva da PGR contra a Lava Jato e em busca de acesso ao banco de dados das investigações. O atrito se tornou público no final de junho, quando a subprocuradora Lindôra Araújo, aliada de Aras, fez uma visita à força-tarefa em Curitiba.

Durante o encontro, Lindôra teria solicitado acesso irrestrito ao banco de dados da operação, o que causou estranheza aos procuradores da Lava Jato. O caso foi parar na Corregedoria do Ministério Público Federal, que abriu um procedimento para investigar a conduta de Lindôra.

A PGR alega que a solicitação dos dados da investigação foi feita via ofício enviado à força-tarefa em maio, mas que não obteve resposta. O pedido de compartilhamento teria como base decisões judiciais que autorizam a troca de informações.

Em meio ao atrito, a PGR passou a investigar se a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba teria investigado de forma ilegal autoridades com prerrogativa de foro. No âmbito dessa investigação, o órgão pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para acessar todo o banco de dados das forças-tarefas de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.

O presidente do STF, Dias Toffoli, determinou que as forças-tarefas entreguem o material à PGR. Técnicos de Brasília chegaram a Curitiba na semana passada para começar a copiar a base de dados da investigação.

A Lava Jato teme que as informações colhidas ao longo dos mais de seis anos de investigação sejam usadas politicamente pela PGR para favorecer o presidente Jair Bolsonaro. A força-tarefa vê a ofensiva como uma tentativa de enfraquecer Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e ex-juiz do caso. A percepção é que a PGR tenta asfixiar a Lava Jato para que o nome da operação não seja carregado nas próximas eleições presidenciais. Moro é cotado para ser candidato ao Planalto em 2022.

Em meio ao conflito com a Lava Jato, Aras editou uma portaria que muda as regras internas do MPF sobre a decretação de sigilo em documentos. Na prática, a portaria permite que a alta cúpula da PGR tenha acesso irrestrito a dados de qualquer investigação em andamento no país – o que até então não ocorria.

A possibilidade de criação de um novo órgão que iria unificar as forças-tarefas de combate à corrupção, em discussão no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), também é vista com cautela dentro do MPF no mesmo contexto de cerco à Lava Jato.

Oficialmente, o discurso da PGR é que a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac) – como se chamaria o órgão – vai permitir uma atuação mais especializada e centralizada. Mas, dentro do MPF, há quem veja na criação da Unac uma manobra para promover interferência política em investigações contra a corrupção.

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