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Eleições de 2026

Modelo de segurança de El Salvador pode virar estratégia de campanha da direita no Brasil em 2026

Romeu Zema
Governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), visitou Ele Salvador e defende a classificação das grandes facções criminosas como terroristas. (Foto: Cristiano Machado/Imprensa MG)

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De olho na crescente insatisfação popular com a segurança pública, pré-candidatos à Presidência em 2026 tornaram o modelo de combate ao crime de El Salvador em um dos temas centrais do debate eleitoral.

Inspirados na tolerância zero adotada pelo presidente Nayib Bukele — que reduziu drasticamente os índices de homicídio no país —, líderes da direita brasileira têm defendido adaptações locais da experiência salvadorenha, enquanto críticos do governo e do Judiciário veem ameaças à democracia.

Pesquisa Quaest, realizada entre 29 de maio e 1º de junho, com 2.004 pessoas de 120 cidades, aponta a violência como maior preocupação dos brasileiros (30%), superando questões sociais (22%) e economia (19%). A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, e o grau de confiança é de 95%.

Apesar da queda dos homicídios ao menor nível em mais de uma década — 21,2 por 100 mil habitantes —, os roubos armados, de carros e a residências dispararam no país. Esses dados fazem parte do Atlas da Violência 2025, que foi divulgado em maio pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

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El Salvador, com pouco mais de 6 milhões de habitantes, surpreendeu o mundo ao reduzir a taxa de homicídios de 106 para só 1,9 por 100 mil habitantes em três anos. A estratégia envolveu um regime de exceção, prisões em massa, construção de megapresídios e dura repressão policial.

O feito gerou admiração entre líderes conservadores e críticas severas de organismos internacionais de direitos humanos. Entre os maiores entusiastas do “modelo Bukele” no Brasil estão os governadores Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União-GO) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), todos presidenciáveis pelo campo da direita.

Zema afirma que “24 milhões de brasileiros vivem hoje sob domínio de facções” e defendeu a classificação dessas organizações como terroristas, o que abriria espaço para atuação conjunta das Forças Armadas, Polícia Federal e polícias estaduais.

“Não defendo ditaduras, mas vivemos uma ditadura do crime organizado no Brasil”, afirmou. Ele elogiou as medidas de Bukele como “a política de segurança mais bem-sucedida da história”.

Zema visita El Salvador e defende classificar facções como terroristas

Ao visitar El Salvador, no fim de maio, Zema estava acompanhado de seu secretário de Segurança, Rogério Greco, que classificou o país centro-americano como “referência global no enfrentamento ao crime organizado” em cenário semelhante ao brasileiro, onde já atuam quase 90 facções. Em julho, Greco viajará a Israel para estudar políticas de combate ao terrorismo.

Outros nomes do campo conservador, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o influenciador Pablo Marçal, visitaram El Salvador para estudar o “milagre” de Bukele. O próprio presidente salvadorenho chegou a dizer que o crime organizado só prospera no Brasil por estar infiltrado no governo.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sugeriu “bukelizar” o Brasil durante audiência com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, na Câmara.

Tarcísio de Freitas também tem apostado na retórica da firmeza. Seu secretário de Segurança, o deputado e policial Guilherme Derrite (PP), defende abertamente a inspiração em El Salvador. Sob seu comando, as mortes causadas por policiais militares passaram de 355 (2022) para 702 (2024), salto de 98%.

Diante das críticas, o governo paulista anunciou ajustes nos treinamentos e criou um comitê para monitoramento da conduta policial, sem abdicar da estratégia de repressão. Derrite deverá se afastar do cargo e voltar à Câmara, se preparando para concorrer ao Senado por São Paulo em 2026.

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Em contrapartida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o seu ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rechaçam o modelo Bukele, que consideram autoritário e incompatível com a Constituição brasileira.

Em 2024, o governo apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), unificar fundos setoriais, integrar bancos de dados e criar uma Polícia Ostensiva Federal a partir da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O argumento central do Planalto é de que a criminalidade tornou-se um fenômeno transnacional e exige coordenação nacional. A proposta, porém, enfrentou resistência de governadores, sobretudo do Sul e Sudeste, que veem na PEC uma tentativa de centralização excessiva e negação das particularidades regionais.

Maior crítico da chamada PEC da Segurança, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, declarou que a União deve ser colaboradora e não gestora da segurança nos estados. Ele anunciou reduções de até 100% em crimes como roubos a banco em Goiás e defendeu políticas “firmes” para impedir o domínio territorial do crime.

Reações contra modelo de El Salvador unem esquerda e setores do Judiciário

A reação à “bukelização” do discurso político não partiu apenas do governo. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi enfático ao declarar, em seminário recente, que o modelo de El Salvador “não cabe na Constituição de 1988”.

Para ele, combater o crime não pode significar abandonar o Estado de Direito. O governador gaúcho Eduardo Leite (PSD) reforçou essa visão, chamando de “populismo autoritário” a ideia de que “tiro, porrada e bomba” seja solução eficaz para a crise de segurança.

Analistas como o consultor de empresas Ismar Becker alertam para o risco de “importação irrefletida” de modelos. “A repressão que funcionou lá não cabe aqui. O que falta ao Brasil é integração, investimento e um Judiciário menos benevolente com criminosos”, afirma.

Debate em torno da segurança já pauta estratégias para conquista das urnas

A guerra de narrativas em torno do modelo Bukele antecipa o que será uma das bandeiras mais disputadas nas urnas de 2026. A direita aposta na popularidade de medidas duras como ativo eleitoral, amparada por pesquisas como a de janeiro de 2025, em que 53% dos brasileiros apoiaram a linha adotada pela polícia paulista.

O levantamento foi feito pelo instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 2.018 pessoas nas 27 unidades da federação, entre de 7 e 10 de janeiro de 2025. A margem de erro era de 3,4 pontos percentuais para mais ou para menos. Já o intervalo de confiança da pesquisa era de 95%.

Por outro lado, os riscos de retrocesso institucional, o aumento de abusos policiais e a erosão das garantias legais acendem alertas sobre os limites da política de repressão pura. O questionamento que deverá estar na pauta das eleições 2026 será como acabar com o crime sem abdicar de garantias legais.

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