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Urgência na Câmara

Motta tenta conter crise com STF e acelera projetos que favorecem o Judiciário

Hugo Motta STF anistia
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Foto: Douglas Gomes / Presidência da Câmara dos Deputados)

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Enquanto segura na gaveta o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023, que é visto como um tema que desagrada o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vem favorecendo projetos que beneficiam o Poder Judiciário.

Recentemente, ele pautou o requerimento de urgência de ao menos quatro desses projetos. Essa ação faz com que as matérias tramitem mais rapidamente, já que os projetos seguem direto para análise dos parlamentares em plenário e sem discussão nas comissões temáticas da Casa - onde poderiam ser barrados pela oposição.

Os pedidos de urgência foram aprovados na última semana e a expectativa é de que os méritos sejam analisados em breve, possivelmente na próxima semana, após a viagem de Motta para o funeral do papa no Vaticano.

O movimento do presidente da Câmara é visto por seus aliados como uma forma de tentar amenizar o que eles chamam de possível "crise institucional" diante da pressão por parte da oposição para aprovar o projeto da anistia. Seus críticos dizem que ele está na verdade cedendo à pressão do STF por controle de atividades do Legislativo.

Além disso, a opção de acelerar os projetos de interesse do Judiciário vai na contramão do discurso de Hugo Motta, que havia indicado que os requerimentos de urgência seriam uma exceção na sua gestão frente à presidência da Câmara. O mecanismo para acelerar a aprovação de projetos foi uma marca de seu antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), o que desagradava parte dos parlamentares, pois reduz o poder de discussão das matérias pelas comissões.

Entre os quatro requerimentos aprovados, o primeiro trata de um projeto apresentado pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e trata da criação de 160 cargos comissionados para os gabinetes dos ministros da Corte. Se aprovado, o projeto estabelecerá um "bônus" salarial de R$ 3.452,10 para os servidores da Corte que já estejam em posições de gerência, chefia ou confiança.

A estimativa é de que essa bonificação custe cerca de R$ 7,3 milhões por ano e, segundo o STF, o montante já está previsto no orçamento anual da Corte. Na justificativa do projeto, Barroso afirma ser “necessário aumentar o valor das funções comissionadas que estão localizadas nos gabinetes, estimulando a retenção de profissionais mais qualificados para o auxílio dos ministros”. 

A manobra adotada por Hugo Motta para priorizar o projeto de interesse do STF foi alvo de protestos por parte da oposição. "Se algo está precisando de urgência, é a reforma do Judiciário, e não a criação de mais cargos. Temos problemas internos abundantes com relação a toda essa interferência do Judiciário. Não poderíamos estar ajudando este Poder, teríamos que estar reformando o Poder Judiciário", defende o deputado Luiz Philippe Orleans Bragança (PL-SP).

Durante a votação, a deputada Clarissa Tércio (PP-PE) defendeu que o projeto da anistia deveria ser priorizado pelos deputados. No dia 14, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou o requerimento de urgência da proposta com a adesão de 262 parlamentares.

"O que estamos vendo nesta Casa? Estamos vendo urgência para votar projetos de interesse de Cortes Superiores. Há projeto, por exemplo, para aumentar o número de cargos comissionados, mais estrutura, mais poder, mais regalias. Aí há urgência, mas e a anistia aos presos políticos, que é o clamor do Brasil? Cadê a urgência para isso? É por isto que o povo está nas ruas, porque sabe que há dois pesos e duas medidas no Brasil. O povo não aguenta mais ficar calado diante de tanta injustiça", argumentou a deputada.

Câmara acelera projetos de interesse do STJ 

Além do requerimento que trata sobre os cargos comissionados para o STF, Hugo Motta também conseguiu aprovar a urgência de projetos de interesse do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma das propostas transforma 104 cargos de técnico judiciário em 63 novos cargos de analista judiciário.  

O STJ diz que o projeto implicaria na "redução de gastos na ordem de R$ 74.413,14". A segunda proposição cria três vagas de juiz federal no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) enquanto fecha o mesmo número de posições para juiz federal substituto no TRF-1. Esses magistrados atuariam no Piauí. 

A última iniciativa cria oito varas federais na jurisdição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), a serem instaladas em Santa Catarina. Para a criação, seriam convertidos nove cargos de juiz federal substituto na Justiça Federal da 4ª Região em oito cargos de juiz federal na mesma Corte. O STJ diz que os projetos não implicarão em aumento de despesas.

"Este projeto de lei, que se originou lá no Superior Tribunal de Justiça, pretende apenas transformar alguns cargos em outros. Isso é competência do próprio STJ, que visa melhorar os trabalhos que desenvolve", defendeu o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).

Motta tem evitado embates com o STF 

Desde que assumiu a presidência da Câmara, em fevereiro deste ano, Hugo Motta tem optado por evitar embates com o Judiciário. No caso da anistia, por exemplo, o deputado defendeu ser necessário discutir o tema com "seriedade" e cuidado para não agravar uma crise institucional entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. 

"Nós não podemos nos dar ao luxo — diante do Brasil que tem tantos desafios pela frente, esse cenário internacional, os nossos problemas internos — de achar que aumentando uma crise institucional nós vamos resolver esses problemas. Então, não contem com esse presidente para agravar uma situação que do país já não é tão boa", disse Motta durante encontro com empresários em São Paulo. 

Agora, o presidente da Câmara vem sendo pressionado a pautar o requerimento de urgência do projeto, após a oposição ter conseguido as assinaturas da maioria da Casa. São necessários, no mínimo, 257 votos para a aprovação do requerimento. No dia 15, o parlamentar sinalizou que a decisão sobre a proposta seria tomada pela maioria do colégio de líderes. 

Além do caso da anistia, o presidente da Câmara optou por costurar acordos com o STF em outras crises, como no caso das emendas parlamentares. Ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o deputado acatou as exigências do ministro Flávio Dino sobre as regras de transparência e evitou novos embates com a Corte sobre o tema.  

"Vemos cada vez mais a interferência do Supremo Tribunal Federal na nossa Casa. Isso não colabora para o exercício da democracia, para a boa relação entre os três Poderes. Hoje o STF parece que conseguiu, alimentado por muitos partidos e parlamentares que judicializaram várias votações. Alimentaram o crocodilo, deram muita carne para o crocodilo, pensando que um dia esse crocodilo não fosse engolir quem o estava alimentando", argumenta o deputado Luiz Lima (PL-RJ). 

Hugo Motta tenta ainda o aval do STF para aumentar o número de deputados da Casa legislativa. A medida é estudada para que a composição das bancadas estaduais se adapte às proporções do Censo de 2022. Essa foi uma determinação da própria Corte, em julgamento realizado em agosto de 2023. O prazo dado para a adaptação – por meio da edição de uma lei complementar – vai até 30 de junho deste ano. 

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