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BR-319 tem mais de 900 quilômetros de extensão; boa parte da rodovia não é pavimentada.
BR-319 tem mais de 900 quilômetros de extensão; boa parte da rodovia não é pavimentada.| Foto: Divulgação/Dnit

Ações de Organizações Não-Governamentais (ONGs) e de partidos de esquerda vêm atrasando o andamento de obras de infraestrutura no Norte do país que são consideradas, por moradores e políticos, importantes para o desenvolvimento da região. Obras como a da rodovia BR-319/AM, a Ferrogrão/PA, a Hidrovia do Tocantins/TO e o Linhão de Tucuruí estão paralisadas.

As ONGs agem, em geral, por meio de pressão junto ao Ministério Público Federal (MPF), enquanto os partidos de esquerda se utilizam de ações junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar os licenciamentos ambientais e até mesmo obras já em andamento. Com essas ações, conseguem suspender as obras e estudos e paralisar editais de licitação, por exemplo, que tornam os processos ainda mais lentos.

A demora na conclusão das obras perpetua a situação de dificuldade de acesso a regiões mais remotas do país e atrasa ainda mais o desenvolvimento da região. Com o acesso limitado, moradores enfrentam dificuldades para ter atendimentos de saúde, as crianças demoram mais para chegar às escolas e o risco de desabastecimento de produtos básicos, em especial os perecíveis, também é frequente.

A atuação das ONGs e a suposta interferência em obras públicas vêm sendo investigadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, no Senado Federal. Enquanto isso, organizações como o Instituto Socioambiental (Isa) lançam estudos que apontam que 397 dos 599 territórios indígenas do Brasil podem ser impactados por futuras obras do governo federal, entre dutos, ferrovias e usinas e estimulam a pressão sobre o governo.

O que diz a Abin sobre interferência de ONGs nas obras 

A CPI teve acesso a relatórios produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que apontam que ONGs têm atuado para influenciar as tomadas de decisão sobre as obras públicas no Brasil, além de receber recursos de organizações internacionais para fazer ações junto a povos indígenas, por exemplo.

Um dos relatórios aponta que ONGs nacionais são financiadas pela Agência dos Estados Unidos da América para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). O financiamento, de acordo com o relatório da Abin, faz com que elas pratiquem “ações que configuram tentativas de interferência externa ao adotar posicionamentos que muitas vezes conflitam com interesses do governo brasileiro”, em especial no estado do Amazonas.

Dentre os objetivos das ações da Usaid, por meio das ONGs brasileiras, está o fortalecimento das populações tradicionais para que as mesmas atuem contra as chamadas ameaças, que seriam a construção ou recuperação de estradas, gasodutos e hidrelétricas, por exemplo.

O relatório da Abin sobre a atuação da Usaid detalha a trajetória da atuação das ONGs nacionais e internacionais, bem como os valores a elas destinados para as ações que envolvem, especialmente o monitoramento de territórios na Amazônia.

A promoção de campanhas midiáticas com o intuito de exercer pressão política sobre o Estado também é abordada no relatório de inteligência da Abin, formulado em 2012 e obtido agora pela CPI das ONGs. O documento aponta, por exemplo, que a atuação das ONGs em campanhas midiáticas “frequentemente entra em conflito com projetos de infraestrutura na região [Amazônia]”.

ONGs com financiamento internacional atrapalham obras da BR-319 na Amazônia

A rodovia BR-319, que liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, é uma das obras mais emblemáticas, que se arrasta por décadas. Inaugurada na década de 1970, esta rodovia é a única via terrestre de ligação de Manaus com as demais regiões do país e teve cerca de dez anos com trafegabilidade. A partir da década de 80, a deterioração de diversos trechos fez com que ela se tornasse intransitável.

Atualmente, apenas metade de sua extensão total, que compreende 885 km, tem condições de trânsito. Nos cerca de 400 km que compreendem o chamado “trecho do meio” boa parte da rodovia não tem mais sequer vestígios de asfalto, e nos períodos de chuva são constantes os atoleiros que deixam veículos presos em meio à lama.

Apesar de já ter sido pavimentada, o MPF exige que um novo licenciamento seja feito para liberar as obras. A pressão de ONGs sobre as obras é constante. Tanto é que um grupo delas se reuniu para formar o Observatório da BR-319. Dentre as principais organizações que fazem parte do Observatório estão a World Wide Fund for Nature (WWF), o Greenpeace, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

O grupo também aponta que já contou com apoio da Fundação Gordon & Betty Moore, uma das ONGs internacionais que vem sendo investigada pela CPI das ONGS por sua atuação no Brasil. Um relatório da Abin aponta que em 2008 a Fundação Moore doou US$ 1.876.504,00 para a criação e treinamento de associações na área em torno da rodovia BR-319, bem como a reestruturação de duas ONGs locais.

Apesar de apontar, em suas notas, que “não se posiciona contrário à reconstrução da rodovia”, o Observatório da BR-319 afirma também que “não é a proteção do patrimônio natural do Amazonas que atrasa a sua conclusão, mas sim a falta de competência e interesses políticos de fazer com que as obras respeitem a legislação ambiental brasileira”.

Associação de moradores busca repavimentação para garantir desenvolvimento 

O protagonismo das ONGs no debate sobre a necessidade de repavimentação da BR-319 é contraposto por defensores da obra. Pessoas que moram ao longo da rodovia se reuniram para formar a Associação de Amigos e Defensores da BR-319 e mobilizar esforços para garantir que a obra saia do papel.

Para o presidente da Associação, André Marsilio, a repavimentação da rodovia tem três pontos principais. “O primeiro ponto é a concepção pela qual a rodovia foi construída: a integração por via terrestre do nosso estado. O segundo é a dívida histórica gerada. O terceiro ponto é a questão social e econômica”.

Marsilio cita, em especial, a situação vivida durante a pandemia, momento em que a população necessitava de oxigênio e os meios disponíveis faziam com que a espera pelo suprimento demorasse até 13 dias.

“Por via aérea, os aviões não estavam preparados para carregar oxigênio, por meio fluvial, levava-se cerca de 13 dias para chegar. Já pela BR-319, mesmo com lama, eram gastos 5 dias”, lembra o presidente da Associação que assegura que inúmeras vidas poderiam ter sido salvas se a rodovia estivesse asfaltada.

O presidente da Associação afirma ainda que as ONGs têm atrapalhado o processo de repavimentação da rodovia que liga Manaus. “Elas agem por meio de cartas, manifestos e notas de posicionamento e atrapalham o andamento”, disse Marsilio. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva também foi criticada por ele. “A ministra Marina é contra essa rodovia. Ela usa a tese dela [de preservação] para atrapalhar também”, disse o presidente da Associação pela BR-319.

Críticas ao posicionamento da ministra Marina Silva sobre as obras também foram disparadas por senadores, em reunião realizada em outubro, para falar sobre as queimadas na Amazônia. Em discurso, o senador Omar Aziz (PSD-AM) chamou Marina de retrógada e disse que o pensamento dela de hoje sobre a BR-319 “é o mesmo de 20 anos atrás”.

Em resposta, a ministra disse que o Ibama não age para facilitar ou dificultar e acrescentou que ela assumiu o cargo pela terceira vez. “Eu deixei o governo em 2008. Se a BR fosse fácil de fazer, nesses quinze anos talvez tivesse sido feita”, completou.

Em meio ao imbróglio, o governo federal anunciou que incluiu as obras da BR-319 no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na sexta-feira passada (17), um grupo de trabalho foi criado para estudos de viabilidade da rodovia. Apesar das expectativas de que fosse um grupo interministerial, o colegiado será composto apenas por membros do Ministério dos Transportes, sem participação do Ministério do Meio Ambiente.

Potencial corredor de exportação agrícola é travado por ação do Psol no STF 

A EF-170, mais conhecida como Ferrogrão, pode se tornar um importante corredor de escoamento da produção agrícola da região Norte. Trata-se de uma ferrovia de 933 km que ligaria o Porto de Miritituba (PA) ao município de Sinop (MT), visando o escoamento de grãos. Concebido durante o segundo governo da ex-presidente Dilma Rouseff (PT), a obra não foi sequer iniciada, apesar dos esforços do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Uma ação do Psol no STF questionou o projeto pois o traçado da ferrovia passa pelo Parque Nacional do Jamanxim. Uma alteração nos limites do parque para permitir a construção da ferrovia foi aprovada ainda no governo Temer. Em setembro deste ano, no entanto, o STF publicou determinação que suspendeu por seis meses o processo "a fim de que se concluam os estudos e as atualizações sugeridos".

Além da ação do Psol, o MPF também tem ações que impedem o avanço do projeto. As ações pretendem fazer com que indígenas sejam ouvidos sobre as obras e que os impactos ambientais sejam mais bem avaliados. O Instituto Socioambiental (ligado ao governo) aponta que pelo menos 16 terras indígenas seriam afetadas pela pretensa ferrovia.

Outras entidades que compõem a chamada “Rede Xingu+”, em parceria com ONGs internacionais como a Fundação Moore, tem atuado para “subsidiar a adequação do processo de concessão da EF-170 às novas diretrizes de política pública do governo federal”. Em documento entregue à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ao Ministério dos Transportes (MT) e ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), entre outros órgãos do governo, as ONGs julgam “oferecer subsídios técnicos” para atender à determinação do STF para que sejam atendidas as condicionantes socioambientais em tomadas de decisão relativas à Ferrogrão.

Apesar dos impasses jurídicos e dos esforços das ONGs, o projeto Ferrogrão também está entre os investimentos previstos no Novo PAC até 2026. O valor destinado ao projeto ainda não foi detalhado pelo governo federal, mas estão previstos estudos para novas concessões para que as obras atendam a pedidos da Justiça.

Hidrovia Tocantins-Araguaia se arrasta por entraves ambientais e com populações tradicionais 

Considerada um dos mais longos cursos d’água do Brasil, a hidrovia Tocantins Araguaia possui potencial navegável de cerca de três mil quilômetros. No entanto, ela não tem sido aproveitada em sua totalidade em razão de gargalos ambientais e entraves com populações tradicionais.

A Hidrovia Tocantins foi criada para interligar a região central do Brasil aos portos do Pará, os mais próximos para despachar cargas para Estados Unidos e Europa. Mas, para aumentar a sua navegabilidade, especialmente em períodos de seca, são necessárias obras de derrocamento (retirada de rochas) ao longo de 35 quilômetros do Rio Tocantins, no chamado Pedral do Lourenço, que fica no sudeste paraense. De acordo com o próprio MPF, o projeto da hidrovia prevê o escoamento de 20 a 60 milhões de toneladas de carga por ano.

No caso da hidrovia, há registros em notícias de jornais sobre a atuação de ONGs contrárias ao empreendimento, como o Istituto Socioambiental, desde a década de 1990. Mais recentemente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que tem ligação com o PT, também mobilizou moradores da Amazônia que podem ser impactados pelas obras para debater o assunto.

Em 2021, o MPF pediu a suspensão do licenciamento ambiental e moveu ações para cobrar consultas prévias aos ribeirinhos e a indígenas. A mais recente ação do MPF foi motivada por uma reivindicação da Associação da Comunidade Ribeirinha Extrativista da Vila Tauiry. A associação denunciou ainda que os órgãos envolvidos nas obras de derrocamento e dragagem do Pedral do Lourenço não teriam reconhecido os pescadores da região como povos tradicionais. Apesar das ações, as obras do empreendimento estão previstas para iniciar em 2024.

Única ligação de Roraima com sistema elétrico do país enfrenta resistência desde 2011

Outra obra bastante emblemática para o país é a que fará a ligação do estado de Roraima com o Sistema Interligado Nacional (SIN). Trata-se do chamado Linhão de Tucuruí. A linha de transmissão ligará Manaus (AM) a Boa Vista (RR), com 715 quilômetros de extensão. O empreendimento foi leiloado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2011, durante a gestão Dilma Rousseff (PT), mas nunca saiu do papel.

O principal entrave é o fato de a linha de transmissão passar no meio da Reserva Indígena Waimiri Atroari, no Amazonas. Por causa disso, a obra foi parar na Justiça, com os indígenas exigindo compensações socioambientais por causa do impacto que o linhão teria na floresta.

A disputa se arrastou ao longo da última década, se encerrando em 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), com a assinatura de um acordo judicial do governo federal com os indígenas. Pelo acordo, a empresa que venceu a concessão teve de fazer o pagamento de uma compensação financeira de R$ 90 milhões para os indígenas. Essa indenização foi paga e em agosto o presidente Lula autorizou o início das obras.

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