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Alta de suicídios de policiais é quase 8 vezes maior do que taxa da população em geral
Polícia militar representa 66% do total de suicídios registrados; polícia civil soma 17% dos casos| Foto: Divulgação PM-ES

A taxa de suicídios entre policiais da ativa das diferentes corporações no Brasil apresentou aumento de 55,4% no ano passado, com 121 ocorrências, segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no fim de junho. O número é quase oito vezes maior do que o aumento verificado entre a população em geral, de 7,4%.

Mais um caso foi registrado na madrugada desta sexta-feira (15). Um policial militar matou oito pessoas, sendo seis de sua família e, em seguida, tirou a própria vida no Oeste do Paraná. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

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Com relação aos dados do anuário, a título de comparação, o total de agentes de segurança que tiraram a própria vida em 2021 é mais da metade do número de policiais mortos em serviço durante todo o ano (190) e o dobro de suicídios registrados na população em geral em estados como Acre, Amapá e Roraima.

Entre os estados com a realidade mais crítica está o Rio de Janeiro. Nos últimos três anos, há um acumulado de 83% em suicídios de policiais – foram seis casos registrados em 2019, nove registros em 2020 e 15 em 2021. Outro estado em situação delicada, a Bahia apresentou aumento acumulado de 152% nos últimos quatro anos. Mas é São Paulo que, em números absolutos e proporcionais, mais contribuiu para a alta – excluindo o estado paulista, a alta em todo o Brasil seria de 18,5%.

Projeto de lei sobre apoio à saúde mental de policiais avança no Congresso

Um dos principais projetos de lei sobre a prevenção ao suicídio de policiais em discussão no Congresso Nacional é o PL 4815/19, que foi aprovado no Senado em abril do ano passado e nos últimos dias avançou na Câmara dos Deputados. A proposta inclui ações para promoção da saúde mental e prevenção ao suicídio no Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança Pública, chamado Pró-Vida. Na Câmara, o projeto de lei tem entrado em pauta seguidamente desde o final de junho, mas ainda foi submetido à votação dos parlamentares.

Para o autor da proposta, senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que é policial civil, a exposição à violência, que faz parte do cotidiano de muitos policiais, aliada ao elevado risco de morte e ao contato diário com o sofrimento humano e com situações traumatizantes são elementos que impactam diretamente na saúde mental dos agentes segurança. Esses fatores, segundo o senador, podem tornar os policiais mais vulneráveis a doenças provocadas por alterações emocionais.

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“No entanto, por questões culturais e institucionais, esses profissionais quase nunca conseguem auxílio dentro de suas corporações, onde enfermidades psiquiátricas, tais como depressão e ansiedade, muitas vezes são vistas como sinais de fraqueza ou de falta de comprometimento profissional”, afirma Vieira.

Para o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da frente parlamentar da segurança pública, o projeto de lei em tramitação é um paliativo com o objetivo de fornecer ajuda imediata a agentes de segurança que estão lidando com depressão, ansiedade e outros sofrimentos psicológicos. Uma solução mais completa para o problema, segundo ele, passa pela atuação das próprias corporações policiais. “Para fechar essa torneira, precisamos primeiramente rever os cursos de formação e até mesmo os critérios de ingresso na polícia. As pessoas às vezes acabam entrando na polícia e não sabem com o que vão se deparar – é ocorrência o tempo inteiro, é homicídio, é estupro, é violência, é o risco da vida dele”, salienta o parlamentar.

O deputado pontua que há, dentro das corporações, um certo “negacionismo” quanto a entender que o desenvolvimento de complicações psicológicas dos policiais está relacionado à própria atividade profissional. “A primeira coisa é as instituições policiais abrirem os olhos e encararem que os problemas psicológicos dos policiais são uma coisa séria e decorrente da profissão”.

Principais responsáveis pelos danos à saúde mental dos agentes de segurança

Na avaliação de Paulo Cesar Porto Martins, doutor em Psicologia e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), a exposição contínua à violência e ao risco é um dos fatores que mais impactam no significativo desgaste emocional dos policiais brasileiros. Outras questões, como a desvalorização dos agentes de segurança – tanto pelo poder público, por meio de melhores salários e estrutura, quanto por setores da sociedade que atribuem menor prestígio à profissão – e a falta de retaguarda jurídica para as atividades de segurança agravam o problema.

“O policial trabalha com uma realidade muito dura, e isso mexe com o psicológico de maneira extrema. Por trás daquela força e rigidez muitas vezes existe um sofrimento muito forte, então é preciso ter um olhar atento para que esses profissionais lidem melhor com os aspectos emocionais”, aponta.

Martins explica que lidar constantemente com a violência e com a dor gera o que a Psicologia denomina desumanização ou despersonalização, no qual se passa a enxergar outras pessoas como meros objetos. “Na área da saúde isso também acontece. Um médico que trabalha em áreas de emergência, com muitos óbitos, por exemplo, evita ver o paciente de forma muito humanizada, então ele cria como se fosse uma barreira e aí começa a haver esse embrutecimento”, afirma. “Só que isso acaba sendo transportando para as outras áreas da vida dele e gerando um tratamento mais desumano até mesmo com a família”.

Papel das corporações policiais

Para o coronel da Polícia Militar Fábio Cajueiro, fundador da Associação Beneficente Heróis do Rio de Janeiro (ABHRJ), apesar de parte das instituições policiais oferecerem atendimento psicossocial aos agentes, ainda é preciso avançar no tratamento do tema e na disponibilização de ferramentas para a saúde mental dos profissionais. A entidade que Cajueiro preside foi responsável por criar um grupo dentro da PM fluminense para detectar sinais prévios de policiais com maior desgaste emocional, com o objetivo de impedir o agravamento do que ele denomina “ferimentos invisíveis”.

Segundo o coronel, é essencial que sejam oferecidas instruções sobre saúde mental desde a formação dos policiais. “Normalmente, o policial recebe um treinamento que foca na autossuperação e resiliência. Mas se está lidando com seres humanos. Aquela exigência de que o policial deve ser superior às condições e aos problemas vai cobrando do organismo, e com o tempo ele acaba pagando por isso”, alerta.

Já Martins cita a importância da psicoterapia para evitar o agravamento de problemas emocionais, mas reforça a relevância de atividades de prevenção dentro das corporações. “Precisa haver capacitação, treinamento e uma estrutura de suporte aos policiais. A saúde mental sofre preconceito não apenas dentro de uma estrutura das forças de segurança. Diferente de alguém que tem uma ferida aparente, aquilo que não se consegue ver muitas vezes leva as pessoas a acharem que é fingimento”, diz o psicólogo.

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