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Ultrassom morfológico do segundo trimestre gestacional
Imagem de ultrassom morfológico do segundo trimestre gestacional. Imagem ilustrativa| Foto: Reprodução

O Brasil acompanhou nas últimas semanas dois casos que trouxeram à tona o debate sobre a defesa da vida desde a concepção no país. O primeiro foi o caso da menina de 11 anos, em Santa Catarina, que fez um aborto aos sete meses de gestação, quase 30 semanas. E o segundo foi o da atriz Klara Castanho, que revelou ter sido estuprada, teve a criança e decidiu entregar o bebê para adoção legal.

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Além deles, há também a repercussão sobre o “manual” do Ministério da Saúde  direcionado aos profissionais de saúde, serviços de saúde e aos gestores públicos com as normas técnicas para atendimento às mulheres em relação ao aborto. Uma audiência pública foi realizada para aprimorar os pontos criticados por ativistas pró-aborto. Dias depois, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989.

Danilo de Almeida Martins faz parte de um grupo de defensores públicos que tenta garantir a defesa do nascituro na Defensoria Pública da União (DPU). No caso da menina de 11 anos, de SC, ele tentou impedir que o aborto fosse realizado, pelo fato do bebê já ter condições de viver fora do útero da mãe.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o defensor público falou sobre o trabalho pela defesa da vida e sobre os casos recentes relacionados ao aborto.

Confira a entrevista:

Há quanto tempo atua na Defensoria e como é o seu trabalho?

Danilo de Almeida Martins: Comecei a trabalhar na Defensoria Pública [da União] em 2006. Atuo nos processos que estão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na área criminal, defendendo os que não têm condições de pagar advogado e que são acusados de algum crime no TRF1. Os crimes na justiça federal, em geral, são mais simples, moeda falsa, tráfico internacional de drogas. Dificilmente pegamos coisas mais pesadas, como crimes contra a vida, por exemplo.

A defesa na área criminal tem muita importância, pois sempre é uma pessoa que está ali para ser julgada. O que a gente tem tentado atuar também é na defesa da vida e que a Defensoria efetive essa obrigação legal. Pelo Código Civil - Código Processual Civil e na lei complementar -, fala-se que a gente tem que atuar como curador do nascituro e nos processos, em todos os processos, até na justiça estadual tem que atuar em favor do nascituro. Essa luta julgo ser a mais importante da carreira, mas não faço pensando em carreira, porque lutar pela vida, às vezes, não é muito bem visto.

Qual a sua opinião sobre o caso da menina de 11 anos em Santa Catarina ?

Danilo de Almeida Martins: Gostaria de citar um nome nessa entrevista, Joana de Jesus. Esse é o nome que o movimento pró-vida escolheu para a bebezinha que foi assassinada no ventre da menina de 11 anos, nesse triste caso de Santa Catarina. É muito importante dar nome, pois isso confere identidade e é um direito personalíssimo garantido aos fetos. A atitude do movimento pró-vida em dar o nome é muito importante.

Essa história a gente tem que começar narrando como ela morreu: os médicos injetaram cloreto de potássio - que é feito ou no cordão umbilical ou diretamente no coração do bebezinho - e geralmente se tem feito no coração, porque no cordão umbilical os médicos explicam que podem passar para mãe. Esse procedimento, então, é feito injetando no coração do bebê e isso vai queimando o bebê por dentro. Como a injeção, muitas vezes, pode ser colocada na parte venosa do coração, demora para o bebezinho morrer e a dor por ele sentida é lancinante.

Nesse caso de Santa Catarina, o MPF postou no site que já tinham acolhido a recomendação deles de tarde e só no final da noite foi dada a notícia de que o feto estava morto, porque, como eu disse, demora um bom tempo e é uma dor insuportável.

E sobre a recomendação do MPF? 

Danilo de Almeida Martins: Quando houve a recomendação do Ministério Público Federal, foi extremamente infeliz. Primeiro, porque o processo estava correndo na justiça estadual, entre o Ministério Público Estadual e a juíza estadual, e o MPF não tinha acesso aos autos, não tinha pleno conhecimento dos pormenores do caso. Apesar de o hospital ser federal - o que autoriza a atuação do MPF e da DPU -, não se sabia exatamente todas as particularidades e, assim, vejo como descabido enviar uma recomendação requerendo a realização do aborto, sem saber se ali estava acontecendo realmente uma causa de excludente de punibilidade.

Posteriormente, viemos descobrir que se tratava de duas crianças praticando sexo entre elas, dois atos infracionais, tanto o menino de 13 anos quanto a menina de 11 anos estavam praticando ato infracional um contra o outro. E isso muda completamente tudo. Quando se omitiu essa informação da opinião pública, todos ficaram revoltados. Foi uma situação muito sensível e o MPF não poderia ter feito essa recomendação.

Por causa da recomendação do MPF, a Associação Guadalupe [entidade pró-vida] me encaminhou um pedido para que eu tomasse providências. Eu encaminhei uma recomendação no sentido diametralmente oposto à do MPF, falando que o hospital não tinha que fazer o aborto.

Na minha recomendação, coloquei que os procedimentos médicos são adstritos à autonomia do médico. Um órgão não pode falar que o médico tem que agir desta ou de tal forma, a autonomia corresponde ao médico e ao melhor procedimento naquele momento, ele não tem que obedecer a recomendação de um jurista que não está diante do caso.

As orientações do Ministério da Saúde são de que não haja feticídio, com a idade gestacional avançada - como era o caso da bebê Joana de Jesus - você faz a interrupção da gravidez e retira a criança com vida, ao invés de matá-la.

O alegado constrangimento da menina já encontraria seu fim com a interrupção da gravidez que também se dá na antecipação do parto. Não é apenas o aborto que interrompe a gravidez. A antecipação do parto também o faz. Assim, era só tirar o feto com vida. Estava tudo resolvido.

O senhor está respondendo a algum processo por tentar barrar o aborto em SC?

Danilo de Almeida Martins: Eu fui tentar defendê-la e atuei enviando a recomendação. Existem representações contra mim no Conselho e na Corregedoria da Defensoria Pública. Disseram que atravessei competências deles e que Santa Catarina não é minha área de atuação, entre outros argumentos.

O que eu fiz não foi nada mais do que tentar assegurar a ampla defesa a esta pequena criancinha, que não teve esse direito garantido. O princípio da ampla defesa é o princípio mais caro ao defensor público ou ao advogado. Esse princípio é da essência de nossas funções. Não consigo compreender porque fui acionado nos órgãos correicionais. Eu somente quis garantir a ampla defesa de um vulnerável.

O feto é o ser mais vulnerável de todos, está na barriga da mãe, imóvel e impossibilitado de se defender, nem mesmo gritar por socorro. Eu atuei representando os interesses da Associação Guadalupe, porque eu tenho uma portaria que me autoriza atuar em favor da associação. Atuei na defesa da pequena Joana de Jesus representando essa associação.

Acredita que há, em curso, um ativismo judicial nesses casos que envolvem a defesa da vida no ventre materno?

Danilo de Almeida Martins: Infelizmente, sim. Olha esse caso recente de Santa Catarina. Algumas pessoas e instituições emitiram “notas de repúdio” à atuação da juíza, dra. Joana Ribeiro Zimmer, e à promotora de justiça, dra. Mirela Dutra Alberton. Veja: são pessoas que não tinham acesso aos autos do processo e passaram a emitir opiniões baseadas em reportagens de sites que omitiram informações importantes sobre o caso.

O mais engraçado é que quando começam essas discussões sobre aborto, logo um ou outro levanta aquela esdrúxula teoria do “lugar de fala”, em que se defende que homem não pode falar sobre aborto. Eu mesmo já ouvi isso várias vezes. Entretanto, em Santa Catarina, foram justamente duas mulheres que disseram que o melhor era não realizar o aborto e estavam cuidando do caso com toda sensibilidade possível. Como podem agora querer desacreditá-las? Elas tinham acesso a todos os dados, elas sabiam de tudo o que se passava neste caso. Somente elas, portanto, é que poderiam emitir um juízo de valor adequado.

Na questão do aborto, as pessoas estão fechando os olhos para a dignidade da vida e dão seguimento a uma ideologia nefasta. É muito triste isso.

Como o senhor avalia o caso da atriz Klara Castanho e as considerações sobre a entrega voluntária?

Danilo de Almeida Martins: Essa questão da entrega voluntária [da criança para adoção] foi até objeto de um trabalho de uma colega defensora pública federal de Santa Catarina, de divulgação deste instituto da entrega legal. Esse instituto deveria ser muito mais divulgado, mas, infelizmente, não é. Tinha que ter cartazes em todas as nossas maternidades sobre essa opção que é dada à mãe. Pesquisas mostram que mesmo as mães que foram vitimas da violência, muitas delas não querem praticar o aborto, como foi o caso dessa atriz. É uma situação extremamente sensível, porque a mulher sabe o tanto que isso envolve vários aspectos. Sofrer uma violência assim é extremamente aviltante. E a mulher escolher por dar a vida à criança, que é a única inocente de toda história, é um ato de amor que muitas vezes é incompreensível. Racionalmente, às vezes a gente não consegue compreender esse ato de doação e amor ao outro. E a atriz fez isso, se doou completamente à criança, mesmo sabendo da dor como foi gerada.

Mais uma vez, a imprensa sensacionalista e os sites de fofoca vazaram a história, que era extremamente sigilosa. Foi uma invasão pessoal imperdoável e deplorável. Uma mancha para o jornalismo do Brasil.

Qual a sua avaliação sobre a nota técnica do Ministério da Saúde sobre o aborto e as críticas ao documento? 

Danilo de Almeida Martins: Fui convidado a participar da audiência - mas não pela Defensoria e sim pelo Ministério da Saúde - e participei da audiência que ocorreu no ministério. A nota técnica é extremamente bem elaborada, e houve esse movimento positivo de se abrir para ouvir todas as partes, tanto o lado que defende o aborto quanto o que não defende, porque isso nunca aconteceu. As normas técnicas do ministério nunca foram objetos de audiência pública, sempre foram colocadas para a população sem o menor debate. Dessa vez, se abriu ao debate e foi louvável.

Os pontos que a norma técnica traz são positivos. Traz a questão da entrega legal, coloca claramente a proibição de acontecer o fetícidio, que foi o assassinato que aconteceu em Santa Catarina. A nova norma técnica fala que não há benefício médico para mãe efetivar a morte do seu filho no útero, ao invés de tirar o filho vivo, a partir da idade gestacional que ele é viável. É muito mais positivo para mãe, porque não vai sobrar restos e nem precisar fazer curetagem ou outro procedimento mais invasivo.  As pessoas estão querendo a morte pela morte.

A questão do acolhimento da mulher também foi muito bem colocada na nova norma técnica. A gente sabe que quando a mulher é vítima de violência sexual, ela precisa de um atendimento multidisciplinar. É uma situação extremamente sensível, que exige um acolhimento e cuidado, que estão previstos na norma técnica. As críticas que surgiram na audiência foram voltadas, especificamente, à questão do "aborto legal", de que não é crime, e eu até fiz uma explanação sobre esse assunto. A nova norma está baseada numa boa doutrina, tanto no aspecto médico como jurídico, e tem fundamento.

Qual seria o caminho para garantir a defesa do nascituro no Brasil? 

Danilo de Almeida Martins: Temos que mudar a forma como os processos judiciais relacionados ao aborto vêm ocorrendo. Todos os processos que versam sobre o aborto estão acontecendo de uma forma que não deveria acontecer e essa é uma das lutas que alguns defensores públicos estão travando há um bom tempo.

Não há o direito de defesa do nascituro, que é assegurado pela lei. Nossa legislação fala, claramente, que o nascituro tem que ter atuando em favor dele um curador especial. Como ele não pode se pronunciar, obviamente, a ele tem que ser nomeado um curador para o defender. Os juízes - em sua grande maioria - estão incorrendo no erro de fazer o julgamento, sem que haja a manifestação de um defensor público – ou, nas comarcas que não tem defensor, que seja nomeado um advogado - para defender o feto. Sempre tem que ter. É um processo viciado, porque não estão nomeando, com raríssimas exceções, curadores especiais.

Mas estamos tendo uma mudança, porque já está consignado em lei a obrigatoriedade da Defensoria do Rio de Janeiro, por exemplo, atuar em defesa do nascituro. E poderá ocorrer o mesmo no Paraná.

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