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Visita de Dino ao Complexo da Maré sem anuência do tráfico seria impossível, dizem policiais
Flávio Dino ignorou críticas sobre suposta anuência do tráfico em sua visita à Maré e tentou vinculá-las a preconceito contra população pobre| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O acesso do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), à favela Nova Holanda, que fica na zona norte do Rio de Janeiro, não teria ocorrido sem a permissão de lideranças do Comando Vermelho, maior facção criminosa do estado, que comanda o trecho do Complexo da Maré visitado pelo ministro de Lula. As afirmações são de fontes ligadas às polícias militar e civil do estado ouvidas pela Gazeta do Povo.

Sem a realização de operação policial, essencial para a entrada de qualquer autoridade cujo posto se relacione com o combate ao crime organizado, como é o caso de um ministro de Estado da Segurança Pública, Dino entrou na área dominada pela facção criminosa na última segunda-feira (13) para participar de um evento dentro de uma ONG.

Vídeo que viralizou no dia da visita mostrando a chegada do ministro em dois carros oficiais acompanhado de alguns homens que não exibem armamento gerou uma série de críticas pela facilidade com que ele e a comitiva adentraram o Complexo da Maré. O local, formado por 16 favelas, tem o poder dividido pelo Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro (TCP), as principais facções do estado, o que gera uma série de violentos confrontos armados entre os grupos.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), membros descaracterizados da Polícia Federal (PF), além de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Militar e Polícia Civil do estado teriam participado da segurança do ministro. No entanto, conforme apurou a reportagem, alguns poucos agentes de segurança ficaram a postos de longe, fora da favela, em inferioridade bélica, posicional e numérica em relação aos narcotraficantes.

“Não tem nenhum cidadão no mundo que entre na Maré com dois carros grandes, com insulfilm, sem a anuência e a concordância do narcotráfico. Tanto que para a PM ou qualquer outra força policial entrar é só com blindados, com uma operação grande, com helicópteros. E mesmo assim, a resistência será de grandes proporções”, diz o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) Fábio Cajueiro, que é ex-comandante de operações no Complexo da Maré. “Nenhuma autoridade do Brasil ou de qualquer lugar do mundo entraria ali sem a autorização das lideranças do narcotráfico – seja juiz, promotor, desembargador, ministro, presidente...”, complementa.

Na avaliação de um policial da alta cúpula da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), que falou à reportagem sob a condição de sigilo, para estabilizar a favela Nova Holanda garantindo segurança a qualquer autoridade que pretendesse entrar no local sem a autorização das facções, seria necessária uma operação com o emprego de 100 a 200 policiais, todos armados com fuzis – o que torna o alegado emprego de agentes de segurança descaracterizados (ou seja, portando apenas pistolas) uma conduta de alto risco, que não é utilizada por nenhuma força policial do estado.

Como explica o policial civil, esse tipo de autorização do tráfico ocorre normalmente por meio de ONGs e associações de moradores dessas comunidades e destina-se a visitas de políticos de esquerda e até mesmo de alguns representantes do poder público, como defensores públicos. O acesso às comunidades, entretanto, não costuma ser concedido a qualquer um, apenas àqueles que lideranças do narcotráfico não considerem inimigos.

“Muitas dessas ONGs e associações fazem convites para pessoas de fora visitarem as favelas, e essas pessoas de maneira incrível não têm nenhum tipo de problema com violência dentro da favela. Agora se qualquer pessoa de fora, ou uma viatura policial ou outra autoridade do aparato repressivo do Estado for lá, vai ter sérios problemas”, afirma.

A região do Complexo da Maré acumula diversos episódios de pessoas baleadas ao entrarem por engano no local. Em outubro do ano passado, um caso que ficou bastante conhecido foi a entrada por engano, devido à indicação de rota de aplicativo de GPS, de cinco italianos em um mesmo carro em uma das favelas da Maré. Dois dos estrangeiros foram baleados, e a tragédia só não foi maior porque o condutor conseguiu fugir sob rajadas de fuzis contra o veículo.

Redes da Maré tem atuação ativa em ação no STF que pede restrições a operações policiais

Como informado pelo MJSP, a visita de Flávio Dino teve como objetivo a participação em um evento de lançamento do Boletim “Direito à segurança pública na Maré”,  elaborado pela ONG Redes da Maré. A organização participa ativamente da ADPF 635 – a chamada “ADPF das Favelas”, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) – movida pelo PSB, partido do próprio Flávio Dino, que pede uma série de restrições a operações policiais dentro das comunidades – em sua grande maioria dominadas com “mão de ferro” por facções criminosas que comandam o tráfico de drogas.

No dia seguinte ao evento em que o ministro esteve presente, ativistas da ONG foram protagonistas da abertura do evento de lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), iniciativa da pasta comandada por Dino. A fala dos ativistas na ocasião foi repleta de críticas a agentes de segurança, em consonância com atuação da ONG nos autos da ADPF 635.

As críticas às forças policiais foram constantes durante todo o evento, inclusive com declarações do próprio presidente Lula, que esteve presente. O que mais chamou a atenção no evento, aliás, foi a falta de declarações ou estratégias do programa relacionados ao enfrentamento ao crime organizado – responsável por uma série de crimes violentos decorrentes do narcotráfico, como homicídios e roubos.

Além da Redes da Maré, uma série de outras ONGs financiadas pela Open Society Foundation, do bilionário de esquerda George Soros, integram a ação no STF na busca por aumentar restrições às operações policiais no Rio de Janeiro, o que é visto por fontes da segurança pública como uma manobra de total interesse do crime organizado. Como também informado pelo MJSP, na recente visita à Maré, Flávio Dino também se encontrou com integrantes da Open Society Foundations, de Soros.

Como mostrado pela Gazeta do Povo, desde que as restrições se iniciaram no Rio de Janeiro por ordem do STF, em março de 2020, lideranças do tráfico passaram a fortalecer e ampliar suas posições, principalmente por meio da instalação de centenas de barricadas para impedir o avanço de viaturas; aumentar seus arsenais de guerra; e receber traficantes de outros estados, que agora percebem os morros fluminenses como locais seguros para permanecerem impunes enquanto comandam o crime em seus estados de origem. A condição segura para o crime também aumentou a frequência dos treinamentos com táticas de guerrilha feitos pelos traficantes.

“O PSB e as ONGs estão brigando muito para proibir operações policiais, proibir o uso de aeronaves, etc. Quando se tem um partido que vai ao mais alto órgão do poder Judiciário fazer pedidos que interessam às organizações criminosas, obviamente quando algum representante desse partido chega nas favelas vai ser recebido com um tapete estendido”, diz o membro da PCERJ.

Após denúncias, membros do MJSP se defendem alegando preconceito contra população pobre

O episódio da visita à Maré rendeu uma série de pedidos, vindos de parlamentares da oposição ao governo federal, para que o ministro seja convocado a explicar os detalhes da visita na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi o primeiro a mencionar que faria o pedido de convocação do ministro. “Flávio Dino, o ministro que entra na Maré, complexo de favelas mais armado do Rio, com apenas dois carros e sem trocar tiros. Vamos convocá-lo na Comissão de Segurança Pública para explicar o nível de envolvimento dele e seu chefe, Lula, com o crime organizado carioca”, disse o parlamentar.

Na semana passada, ao reforçar o pedido para que a oposição convoque o ministro para prestar esclarecimentos, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) também havia mencionado a possibilidade da anuência do crime organizado.

“Como Flávio Dino consegue entrar naquele complexo sem segurança, como se estivesse indo numa padaria, na casa de um amigo? Quem mora no Rio de Janeiro sabe muito bem que quando você vai à uma favela e não é morador, você é recebido à bala se não fizer os procedimentos deles”, disse Jordy. “É o maior ponto de venda de drogas do estado do Rio de Janeiro. Ele tem que ensinar a polícia do Rio de Janeiro”, ironizou o deputado.

Já o ministro buscou enfraquecer as críticas tentando vinculá-las a um suposto preconceito contra pessoas pobres. “Representantes da extrema direita reiteraram seu ódio a lugares onde moram os mais pobres. Essa gente sem decoro não vai me impedir de ouvir a voz de quem mais precisa do Estado”, publicou Dino nas redes sociais.

Marivaldo Pereira, Secretário de Acesso à Justiça que também integra o MJSP, recorreu à mesma estratégia. “A agenda na Maré tem sido alvo de críticas da extrema direita, perpetuando preconceitos, estereótipos, contribuindo para privação do acesso a serviços públicos e direitos. Tentam, mais uma vez, intimidar um governo democraticamente eleito e a sociedade civil, mas não conseguirão”, declarou.

Para o coronel Cajueiro, no entanto, o ministro erra ao negar a realidade do amplo domínio do narcotráfico e tratar do assunto como se o problema não existisse nessas comunidades. “Há centenas de homens armados das duas facções principais que dominam o Complexo. É um cenário bastante triste, porque a maioria da população de lá, como em toda favela, não quer isso. Os traficantes tiram todos os seus direitos humanos, lá eles não têm nenhum. Para o morador, todo o artigo 5º da Constituição é rasgado pelo narcotráfico”, declara.

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