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Juiz condena Jovem Pan a pagar R$40 mil a ativista pró-linguagem neutra
Caso está relacionado a um vídeo de Rosa Laura (foto) publicado em suas redes sociais, no qual ela propõe um sistema de linguagem neutra chamado “ile”| Foto: Reprodução

Uma decisão do juiz André Augusto Salvador Bezerra, da 42ª Vara Cível de São Paulo, condenou a Jovem Pan a indenizar por danos morais no valor de R$40 mil uma ativista pró-linguagem neutra. O magistrado entendeu que a veiculação de um vídeo, em dois programas da emissora, no qual a autora da ação aparece defendendo a linguagem não binária, bem como comentários dos apresentadores sobre o tema, “extrapolaram a liberdade de expressão e expuseram a ativista ao ridículo”. Cabe recurso à decisão.

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Rosa Laura é transgênero não binária, isto é, não se reconhece como homem nem como mulher. Ela é entusiasta da linguagem neutra – dialeto criticado por professores e especialistas em língua portuguesa que adiciona ao idioma palavras ditas “sem gênero”, como “ile”, “elu”, “elx” e “todes”, sob o pretexto da inclusão de pessoas não-binárias.

No vídeo, publicado em setembro pela militante em suas redes socais, ela argumenta que a forma como as pessoas têm usado a língua portuguesa é sexista e passa a explicar o “sistema ile”, mostrando como ficariam os pronomes e contrações no dialeto proposto:

“Ela e ele vai ficar ‘ile’. Dela e dele vai virar ‘dile’. Aquela e aquele vai virar ‘aquile’. Nela e nele vai virar ‘nile’. Essa e esse vai virar ‘isse’. Desta e deste vai virar ‘diste’. Sua e seu: ‘sue’. (...) Um exemplo: ‘eles são amigos’. Como vai ficar isso se eu for colocar no neutro? ‘Iles são amigues’”, diz a ativista.

Em outro exemplo, ela cita uma frase mais longa no dialeto: “Sue amigue veio aqui. Ile gosta muito de nosse amigue Júlia”.

No dia 9 de setembro, o programa “Pânico”, da Jovem Pan, veiculou o vídeo – que havia viralizado nas redes sociais –, e alguns dos apresentadores passaram a fazer comentários ironizando as palavras citadas. O vídeo também foi veiculado no programa “Morning Show” no dia seguinte.

Poucos dias depois, Rosa entrou com uma ação na justiça pedindo direito de resposta mais R$40 mil em indenização sob a alegação de que a emissora teve o intuito de “humilhar e tratar de forma jocosa uma luta diária da comunidade não binária” e também a sua imagem.

A Jovem Pan contestou a petição, afirmando que os comentários haviam sido feitos de forma respeitosa e que se limitavam ao exercício do direito de crítica. O juiz, no entanto, decidiu rejeitar a argumentação da emissora e acatar o pedido de indenização.

Após a publicação da decisão, Rosa e sua advogada passaram a se manifestar sobre o assunto afirmando que a emissora havia sido condenada por transfobia. A decisão, entretanto, não está relacionada ao crime de transfobia; o magistrado condenou a empresa por danos morais, nos termos do artigo 186 do Código Civil e do artigo 5º (V e X) da Constituição Federal.

Juiz, membro de associação de magistrados ativistas, diz que “língua portuguesa pode incitar discriminação”

Apesar de a linguagem neutra ser alvo de críticas por parte de especialistas na língua portuguesa, que apontam que o dialeto não possui caráter científico e é inconsistente com a própria natureza estrutural do idioma, em sua decisão o juiz André Bezerra declarou que a linguagem tem sido objeto de discussões “baseadas no fato de o uso da língua portuguesa poder incitar discriminações contra estratos populacionais pela terminologia de suas palavras”. O magistrado chega a dizer que a linguagem neutra seria uma alternativa ao “colonialismo” e ao “patriarcalismo”.

Em outro trecho da sentença, ele cita que a emissora “ridicularizou e estereotipou o autor, como se censurando o fato deste não seguir os padrões dominantes que tal empresa, por intermédio de seus humoristas e jornalistas, parece querer que todos sigam”.

O magistrado é membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), uma entidade de viés político de esquerda. Ele, que é um crítico de Sérgio Moro e da operação Lava Jato (Bezerra já afirmou publicamente que “a Lava Jato fortalecia o Estado policial e o Estado punitivo em detrimento das liberdades individuais”), declara que inexiste neutralidade em decisões judiciais e que estas constantemente se baseiam em critérios políticos e ideológicos.

“(...) O ato de decidir um processo não é um ato politicamente neutro, por mais que o respectivo responsável pela decisão procure (sinceramente) parecer que sim”.

Em outro trecho, ele diz que os motivos manifestados no discurso das decisões judiciais “revelam opções influenciadas pela visão de mundo pessoal do intérprete e aplicador, oriundas, por sua vez, de valores religiosos, familiares e, importante dizer, políticos e ideológicos”, afirma Bezerra em um artigo publicado em 2019.

Em março deste ano, o juiz determinou que uma rede social excluísse um comentário em meio a uma discussão sobre política no qual um usuário chamava sua interlocutora de “menina linda e burra”. Apesar do argumento da rede social de que a postagem não violava as políticas da plataforma, o magistrado determinou a exclusão do comentário afirmando se tratava de sexismo e que o adjetivo “linda”, no caso, tratava-se de “mero objeto de dominação masculina” e desconsiderava a “isonomia de gênero”.

Em abril, o juiz condenou o humorista Danilo Gentili a pagar R$41 mil a um sindicato de enfermeiros ligado a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao Partido dos Trabalhadores (PT) por causa de uma piada feita por Gentili no Twitter – considerada por Bezerra um “grave ato ilícito”. Na época, a defesa do humorista alegou que o processo se tratava de uma censura à atividade humorística por parte de adversários políticos.

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