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Entrega voluntária de bebês é um direito garantido por lei às mulheres que não querem ser mães.| Foto: Unsplash

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou um manual sobre a entrega voluntária da crianças para adoção legal, com base na Resolução nº485 do CNJ, em virtude do Dia da Adoção, celebrado nesta quinta-feira (25). Com cerca de 60 páginas, o manual dispõe sobre o adequado atendimento de gestantes ou parturientes que manifestem o desejo de entregar o filho para adoção.

A entrega de uma criança para a adoção está prevista em lei e é considerado o melhor caminho para mães que não têm condições (econômicas, psicológicas, etc.) de cuidar e criar os filhos depois do parto. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) traz disposições sobre o tema nos artigos 18 e 19. O ECA, Lei nº 8.069/90, apresenta alterações promovidas pela chamada Lei da Adoção, a Lei nº 13.509/17.

Devido à falta de informações, muitas mulheres têm medo de serem penalizadas por fazer a entrega do bebê dentro do que determina a lei. O caso da atriz Klara Castanho no ano passado reacendeu o debate sobre o assunto no Brasil. Ela revelou que foi estuprada, teve o bebê e entregou a criança para adoção legal.

Com intuito de evitar o constrangimento dessas mulheres, o CNJ publicou um manual em que reforçou o papel do Judiciário no atendimento a elas, às criança e às adolescentes gestantes, especialmente às vitimas do estupro que desejarem entregar o filho para adoção.

O documento foi desenvolvido pelo Fórum Nacional da Infância e da Juventude, com a colaboração de diversos órgãos públicos e entidades da sociedade civil.

Segundo o conselho, a entrega voluntária busca evitar o abandono de crianças recém-nascidas em condições precárias ou a entrega de bebês e menores a terceiros à revelia da lei.

Dados do CNJ revelam que, anualmente, cerca de mil mulheres entregam seus bebês para adoção. Em 2021, 1.238 optaram pelo processo, enquanto que em 2020 foram 1012.

Processo da entrega voluntária

O processo da entrega voluntária é sigiloso e deve seguir os trâmites judiciais para não ser enquadrado como crime, quando um filho é entregue em adoção com fins financeiros, por exemplo.

Não é permitida a indicação de pessoas interessadas em adotar, evitando o tráfico de crianças ou venda e compra de bebês. Mas o documento prevê que isso não se aplica "quando se tratar de parente consanguíneo próximo com o qual mantém vínculos de afinidade e afetividade". Se não for feita indicação de genitor ou de integrante da família extensa, "a criança será encaminhada para entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou de acolhimento institucional e, após o decurso do prazo para arrependimento, ao primeiro pretendente da lista do Sistema Nacional de Adoção (SNA).

A mulher que optar pela adoção legal deve procurar a Justiça, na qual o procedimento tramitará com prioridade e em sigilo, evitando constrangimentos à genitora. Será avaliado se a manifestação de vontade da mulher é fruto de decisão amadurecida e consciente ou determinada pela falta ou falha de garantia de direitos.

De acordo com a resolução do CNJ, também será analisado se a mulher foi orientada sobre direitos de proteção, inclusive sobre a opção do aborto - o procedimento é crime no Brasil, mas existem três situações em que não há punição para quem o pratica (risco de morte da mãe, gravidez decorrente de estupro e anencefalia do bebê). Ao incluir o termo "aborto legal", o CNJ dá margem ao que o Judiciário vem defendendo acerca da mulher não ser responsabilizada por escolher matar um bebê.

O manual do CNJ também diz que será avaliado se foi oferecido apoio psicossocial e socioassistencial para a mulher. O objetivo é evitar que fatores socioculturais e socioeconômicos impeçam a tomada de decisão.

Após a manifestação de interesse da entrega, a mulher é encaminhada à Vara da Infância e Juventude para formalizar o procedimento judicial e será atendida por uma equipe interprofissional. Ela também deverá ser informada de que, apesar do sigilo, será garantido o direito à criança de saber de sua origem biológica.

A mãe ainda terá o direito de deixar informações e registros que favoreçam a preservação da identidade do filho – seja sobre o histórico familiar, da gestação e de sua decisão de entrega, seja sobre dados que possam ser úteis aos cuidadores da criança, como os relativos a históricos de saúde da família de origem.

Atendimento às vitimas de estupro

No manual, o CNJ reforça que a mulher vítima de estupro possui o direito de realizar a entrega voluntária da criança para adoção - se assim desejar. Porém, orienta os profissionais responsáveis por esse acolhimento a verificar “se a gestante teve o direito e a oportunidade de decidir em realizar a interrupção da gravidez [aborto] ou de decidir pela continuidade”.

Em caso da gestante optar pelo aborto, consta no manual que o profissional deve orientar ela a procurar os serviços de saúde antes das 20 semanas de gestação (5 meses), “para a viabilizar o direito de realizar os procedimentos no âmbito hospitalar de forma segura”.

"Além dos atendimentos realizados pela equipe interprofissional do judiciário, a gestante será encaminhada para os serviços especializados em violência, da rede de saúde e assistencial, enquanto for necessário, orientando a equipe a informar o judiciário se há o comparecimento ao serviço", explica o CNJ.

Já no caso de criança ou adolescente gestante, o procedimento indicado pelo CNJ é que a menor seja acompanhada por um responsável legal durante as abordagens da equipe interprofissional, caso não haja pedido de sigilo. "Havendo sigilo, o(a) juiz(a) designará um curador especial, que acompanhará a criança ou o adolescente".

O conselho ainda pede a verificação do respeito ao sigilo em caso de gestação decorrente de crime e se a gestante foi orientada sobre direitos de proteção, inclusive do aborto. A entrega voluntária foi cogitada no caso da menina de 11 anos em Santa Catarina. A família descobriu a gestação após a 22ª semana e recorreu à Justiça para realizar o aborto. A juíza Joana Ribeiro Zimmer, que era responsável pelo caso, perguntou, em uma audiência, se a menina aceitaria seguir com a gravidez apenas por mais algumas semanas, para que o bebê tivesse mais chances de sobreviver fora do útero. A menina concordou com a proposta, mas a família buscou apoio do Ministério Público Federal (MPF) para que ela pudesse interromper a gestação. O órgão recomendou que fosse procedida a retirada do feto - independentemente do período gestacional.

Diante da pressão, o hospital, que inicialmente havia se negado a realizar o procedimento - informou que as normas da instituição só permitem a realização do aborto até a 22ª semana - acabou cedendo e a "interrupção da gravidez" foi realizada em 23 de junho. A gestação estava na 30ª semana, ou seja, sete meses.

Adoção é uma opção para evitar o aborto

O ato de entregar um bebê para adoção é visto como uma forma para evitar o aborto no país e reforça o maior dos direitos: o direito à vida. É assim que os movimentos pró-vida se posicionam em relação ao assunto.

No Brasil, existem diversas entidades que prestam o acolhimento às gestantes que não querem dar continuidade a uma gestação, estimulando a entrega voluntária do bebê. As mulheres recebem apoio emocional e psicossocial, e evita-se que elas façam o aborto.

O Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi), localizado em São Paulo, é uma das instituições no Brasil que presta esse serviço de apoio e acolhimento às mulheres e seus familiares, que passam por violência ou gravidez inesperada. A fundadora do Cervi, Rose Santiago, reforça que o estímulo à entrega voluntária é uma forma de evitar que as gestantes façam o aborto.

"Essa iniciativa do Judiciário pra dar luz à entrega voluntária é muito importante, porque a mãe gestante carrega a dúvida se é crime ou não entregar pra adoção - pelo contrário, é um ato de coragem. Creio que vai trazer uma mudança de paradigma para a adoção no Brasil", destaca.

Rose também ressalta que é importante ter uma rede de apoio, para que a mulher não se sinta julgada ao tomar a decisão de entregar a criança para a adoção legal. "Precisamos dar viabilidade e mostrar para a mulher esse apoio, porque é importante que ela não se sinta julgada, mas acompanhada e respeitada. É necessário uma humanização nesse processo", diz.

E ela complementa: "A entrega voluntária é um ato de coragem muito maior que o aborto, porque no aborto a mulher se vê "livre do problema", mas ela carrega o problema consigo a vida inteira. Então precisamos fazer um estímulo às mães e mostrar que elas serão abraçadas e acolhidas", salienta Rose, do Cervi.

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