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Alexandre de Moraes
Em 2020, Alexandre de Moraes pediu vista em julgamento no plenário sobre bloqueios e só ele pode liberar retomada da discussão no plenário| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

As decisões do ministro Alexandre de Moraes de determinar a suspensão do Telegram no Brasil, e depois liberar o funcionamento do aplicativo de mensagens, contou com o apoio da maioria de seus colegas do Supremo Tribunal Federal (STF). Não houve votação sobre a questão, mas o que a Gazeta do Povo apurou foi que nenhum deles vai manifestar contrariedade às deliberações de Moraes, pelo menos no curto prazo - mesmo aqueles que discordaram em algum ponto das determinações do ministro sobre a rede social. Alguns, aliás, elogiaram internamente a postura de Moraes, porque também eles expressavam frustração com a falta de resposta da empresa às suas tentativas de contato.

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O principal problema para os ministros, ainda segundo a apuração da Gazeta do Povo, era a falta de representante legal da empresa no país, o que destoava de outras plataformas e redes sociais que vêm respondendo às determinações da Justiça.

Outra preocupação de Moraes - citada inclusive na decisão que suspendeu o bloqueio do Telegram - e de outros ministros é a colaboração das plataformas com o Tribunal de Justiça Eleitoral (TSE). A Corte teme a possibilidade de que informações falsas sobre as urnas eletrônicas viralizem na internet.

Desde o ano passado, cresceu a desconfiança de parte do eleitorado, especialmente o mais fiel a Jair Bolsonaro (PL), em relação ao sistema eletrônico de votação. Com isso, ministros do TSE e do STF consideram factível que uma eventual derrota de Bolsonaro possa ser imputada a uma suposta manipulação dos votos pelo tribunal, como já sugeriu o próprio presidente.

Além disso, alguns ministros temem que possa se repetir no Brasil o que ocorreu no Capitólio, nos Estados Unidos, em janeiro de 2020. A sede do Congresso americano foi invadida por eleitores do ex-presidente Donald Trump, inconformados com a vitória de Joe Biden, pois consideravam que o resultado da eleição foi fraudulento.

O cenário é enxergado internamente como um dos piores possíveis e por isso o esforço do TSE em se aproximar e obter apoio das Forças Armadas, Ministério Público, partidos políticos e outras instituições para rechaçar qualquer ato que tente, por exemplo, impedir a diplomação e posse de quem for declarado vencedor da disputa presidencial pelo tribunal.

As tentativas do STF e do TSE de manter contato com o Telegram – já feitas não só por Moraes, mas também por Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – são tratadas como uma medida preventiva. A expectativa é de que a empresa ajude a identificar, rastrear e apagar postagens que possam contribuir para a disseminação de informações falsas sobre o processo eleitoral, o que, na visão deles, poderia insuflar potenciais revoltas.

Nesse sentido, a resposta do Telegram, apresentada neste domingo (20), foi considerada satisfatória pela Corte. Nela, a empresa comunicou o cumprimento integral das determinações do ministro: bloqueio de canais dos jornalistas Allan dos Santos e Carlos Lessa, além da remoção da postagem de Bolsonaro com link para download de inquérito da Polícia Federal sobre o ataque hacker ao TSE em 2018.

Mas o que mais agradou a Moraes e aos ministros foram as outras medidas. Em primeiro lugar, a indicação de um advogado brasileiro especializado em direito digital e de um e-mail específico para pronto atendimento a intimações judiciais e policiais.

E, além disso, também foram consideradas positivas algumas iniciativas informadas pelo Telegram para combater o que os ministros avaliam como “desinformação”. Entre elas, estão o monitoramento dos 100 canais mais populares no país, a moderação de conteúdo com base em notícias publicadas pela mídia e por agências de checagem, com promoção de informações verificadas, além da possibilidade de marcar mensagens imprecisas e restringir publicações de usuários banidos.

Com relação às agências de checagem, matéria da Gazeta do Povo já discutiu a preocupação quanto à isenção delas. A reportagem destacou que a validação, pelo STF e pelo TSE, do que seria verdadeiro ou falso no debate político a partir da análise de fact-checking é vista com receio por conservadores e liberais. Uma parcela desse grupo vê a atuação das principais fact-checkers do país como tendenciosa a uma visão política em específico. Veículos que dão espaço a vozes alinhadas à direita já foram apontados pelas agências, em alguns casos de forma inverídica, como “propagadores de fake news” devido à sua linha editorial.

“Gostaríamos de nos desculpar novamente pelo atraso inicial em nossa resposta às diretrizes do Tribunal de 9 e 17 de março de 2022”, disse, em resposta ao STF, o dono do Telegram, Pavel Durov, informando que o e-mail para o qual as decisões foram enviadas eram do suporte, lotado de mensagens de usuários e sobrecarregado por causa da Guerra da Ucrânia.

“Com base nos desdobramentos descritos neste e-mail, temos certeza de que tais lapsos não ocorrerão no futuro e respeitosamente pedimos ao Tribunal que permita que o Telegram continue suas operações no Brasil, dando-nos a chance de demonstrar que melhoramos significativamente nossos procedimentos”, escreveu ainda o empresário.

Colaboração do Telegram poderá alimentar inquéritos de Moraes

Moraes agora cogita se valer da colaboração prometida pelo Telegram para aprofundar as investigações que já toca no STF, focadas principalmente em apoiadores de Bolsonaro, no âmbito do inquérito das “fake news” e também no que apura a atuação dos grupos que a Corte chama de “milícias digitais”.

O objetivo é continuar abastecendo o TSE com o que foi apurado nesses inquéritos. No ano passado, parte do material foi compartilhado nas ações do PT que buscavam cassar o mandato de Bolsonaro pelo suposto disparo em massa de fake news pelo WhatsApp na campanha de 2018. No julgamento, por unanimidade, os ministros julgaram a ação improcedente por falta de provas. Mas, em seu voto, Moraes disse que os disparos ocorreram e que, se a conduta se repetir em 2022, os responsáveis serão presos e terão os mandatos cassados.

Moraes é atualmente o vice-presidente do TSE e assume o comando da Corte em setembro, mês anterior às eleições. Ainda assim, já tem tomado a frente nas ações do tribunal de enfrentamento a conteúdos que, na visão dos ministros, podem contribuir para deslegitimar e desestabilizar as eleições.

Na semana passada, por exemplo, Fachin publicou uma portaria renomeando Moraes como presidente da Comissão de Segurança Cibernética do TSE, órgão interno que, além de acompanhar investigações da Polícia Federal sobre ataques hacker à Corte, agora também vai “monitorar, elaborar estudos e implementar ações para combate à disseminação em massa de informações falsas em redes sociais, com o intuito de lesar expor a perigo de lesão a lisura e confiança do sistema eleitoral”.

A portaria aponta uma “correlação de ações coordenadas e conjuntas” entre grupos que ofenderiam ou ameaçariam ministros do STF com aqueles que atacam a imagem da Justiça Eleitoral. Um dos focos da comissão será prevenir e enfrentar vazamento de informações e documentos sigilosos do TSE – o que ocorreu, por exemplo, em 2018, quando um hacker navegou durante meses por sistemas do tribunal e depois divulgou dados internos.

Não há previsão para plenário do STF discutir suspensão do Telegram

Ainda não há perspectiva de o plenário do STF, no curto prazo, discutir a decisão de Moraes. Neste fim de semana, logo após a determinação de suspensão do Telegram, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o assunto fosse discutido pelos demais ministros.

O órgão apresentou o pedido dentro de uma ação mais antiga, sob relatoria da ministra Rosa Weber, que busca proibir a suspensão de aplicativos de mensagens em caso de descumprimento de decisões judiciais.

Apesar da liberação do funcionamento do Telegram, o pedido da AGU continua válido e não perdeu o objeto, porque faz parte de uma ação cuja decisão servirá de parâmetro para qualquer caso, ao buscar uma interpretação definitiva sobre o Marco Civil da Internet.

Essa ação começou a ser julgada em 2016 e foi apresentada pelo Partido Liberal (PL), ao qual Bolsonaro se filiou recentemente, para contestar decisões judiciais locais que determinavam o bloqueio geral do WhatsApp no país em decorrência da recusa da plataforma em enviar à Justiça conteúdo e dados de mensagens de criminosos que usavam o aplicativo para cometer delitos.

Na época, a alegação da empresa era que a tecnologia de criptografia ponta a ponta não permitia a ela obter e rastrear esse conteúdo. Por isso, no início do julgamento, em maio de 2020, Rosa Weber votou no sentido de que a suspensão do serviço de mensagens, previsto no Marco Civil da Internet, é uma punição que não pode ser aplicada em caso de descumprimento de decisões judiciais. No entendimento da ministra, só pode haver suspensão da coleta de dados dos usuários, e naquelas situações em que a empresa não os protege adequadamente.

“Ao serem decretados, os bloqueios comprometem o exercício, por milhões de brasileiros, das liberdades fundamentais de expressão e de comunicação asseguradas pelo texto constitucional, causam verdadeira comoção social, e perturbam relações familiares, transações comerciais, reuniões de negócios e notificações de atos processuais do próprio Poder Judiciário”, escreveu Rosa Weber no voto.

Entendimento semelhante expressou Edson Fachin em outra ação semelhante, da qual é relator. Ele disse que não cabe ao Judiciário determinar a suspensão de aplicativos de mensagens. Para Fachin, o Marco Civil da Internet não permite que a própria Justiça determine que o WhatsApp, por exemplo, acesse conteúdo de mensagens criptografadas.

“A suspensão das atividades do aplicativo ou mesmo sua proibição, mesmo diante da baixa institucionalidade, não caberá para o caso de descumprimento de decisão judicial de quebra de criptografia, mas para um quadro de violação grave do dever de obediência à legislação. Não é preciso minudenciar, mas é evidente que mesmo aqui a sanção deverá observar a proporcionalidade, tendo sempre em conta o direito do usuário de não ter suspenso seu acesso à internet”, afirmou o ministro, também em maio de 2020.

Apesar disso, muitos ministros consideram que o caso atual é diferente. Isso porque o Telegram não teria descumprido ordem para proteger as comunicações dos usuários – como alegava o WhatsApp –, mas porque não respondia às intimações da Justiça. O entendimento aqui é o Telegram não pode operar no Brasil sem se atentar à legislação brasileira e, para isso, é necessário que atenda às decisões judiciais.

Nessas duas ações, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do próprio Alexandre de Moraes. Pelas regras do STF, a retomada só pode ocorrer quando ele informar que tem um voto pronto, o que ainda não ocorreu. Aos demais ministros, ele não deu previsão de quando pretende fazer isso.

Em tese, Rosa Weber poderia decidir individualmente sobre o pedido da AGU e levar a questão ao plenário, para um referendo. Mas, segundo apurou a reportagem, ela também não quer fazer isso no curto prazo. A ministra assume a presidência do STF em setembro e também está preocupada com os “ataques” virtuais à Corte e aos ministros.

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