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Retomada de invasões? O que esperar do MST no novo governo Lula
Principal liderança do MST afirma que retomada das mobilizações é “consequência natural” da vitória de Lula nas urnas| Foto: Reprodução MST

Especulações sobre uma possível mudança de comportamento de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em caso de vitória de Lula (PT) – candidato que gozou de pleno apoio do movimento durante a campanha eleitoral – foram exaustivamente tratados nos meses anteriores às eleições.

Ao mencionar o assunto, Jair Bolsonaro (PL) sustentou, ao longo da campanha, que os mais de 400 mil títulos de terra distribuídos a produtores rurais têm enfraquecido a atuação do movimento. De fato, durante o mandato do atual presidente, o número de invasões de terras por parte do MST e grupos semelhantes seguiu uma forte tendência de queda (veja infográfico mais à frente) iniciada em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff (PT), quando entraram em vigor novas regras de concessões de títulos sob o governo de Michel Temer (MDB).

Ao mencionar o MST em reunião com um grupo de embaixadores no dia 18 de julho, Bolsonaro disse que se tratava de “um grupo terrorista que há até pouco tempo era bastante ativo no Brasil”, em referências às violentas invasões do movimento.

Já Lula afirmou, em sabatinas, que o MST está “muito mais maduro” e que “aquele MST de 30 anos atrás não existe mais” na tentativa de tranquilizar o eleitorado, em especial o que mora em áreas rurais, quanto à eventual retomada de invasões no novo governo de Lula, que é apoiador de longa data do movimento.

O presidente eleito disse também que atualmente os militantes sem-terra estão “preocupados em produzir, organizar cooperativas e chegar no mercado externo” e defendeu que “pouquíssimas terras produtivas foram invadidas nesse país” – informação que, como mostrado pela Gazeta do Povo, é falsa.

Apesar disso, lideranças do movimento deram poucas sinalizações efetivas sobre o comportamento no novo governo petista. A Gazeta do Povo solicitou entrevista com diretores nacionais do MST para entender qual é o planejamento para os próximos anos, mas o pedido foi negado.

Retomada das mobilizações é “consequência natural”, diz líder do MST

Um dos poucos representantes da alta cúpula do grupo que abordaram publicamente o assunto foi João Pedro Stédile, principal liderança do MST atualmente. No início de setembro, em episódio do podcast Três por Quatro, ele sinalizou que as “mobilizações de massa” do grupo poderiam ser retomadas como uma “consequência natural” em caso de vitória de Lula.

“Acho que a vitória do Lula, que se avizinha, vai ter como consequência natural, psicossocial nas massas, um ‘reânimo’ para nós retomarmos as grandes mobilizações de massa”, declarou Stédile. Ao explicar o que seriam essas mobilizações, disse: “Não é só fazer passeata. É quando a classe trabalhadora recupera a iniciativa na luta de classes, então ela passa a atuar na defesa de seus direitos de mil e uma formas, fazendo greves, ocupações de terra, ocupações de terrenos, mobilizações...”.

Mesmo sem Lula ter assumido a Presidência, representantes do movimento, que participaram ativamente da campanha pró-Lula, já pressionam por espaços no governo. A expectativa do grupo é ter nomes indicados já na equipe de transição do governo Lula, que é comandada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). O nome de Stédile chegou a ser especulado para assumir o Ministério do Desenvolvimento Agrário, em reportagem de O Antagonista, mas lideranças petistas negaram tal possibilidade.

No dia 5 de novembro, o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, afirmou ao jornal Metrópoles que aqueles que participaram da frente de apoio ao petista “merecem estar nesse grupo” de transição. Rodrigues, que é bastante próximo a Lula, estima que ainda podem ser escolhidos pessoas de movimentos, centrais sindicais e ONGs.

“É necessário ter uma representação [no grupo de transição] de toda a força que elegeu o Lula e dos apoios que chegaram no segundo turno. É transparente, ajuda a identificar os problemas a partir da lógica de cada agrupamento social. É democrático e facilita depois a montagem do governo”, declarou o coordenador.

Agronegócio teme retomada de invasões

No dia 1º de novembro, após o resultado das eleições, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), principal entidade representativa dos produtores rurais brasileiros, divulgou uma nota oficial na qual, dentre outros pontos, citou a preocupação do setor do agronegócio com as invasões de terras.

“Para que a produção rural possa continuar sendo a segurança do abastecimento de alimentos para o mercado interno e a principal fonte das nossas exportações, precisamos que o Governo do país, acima de tudo, proporcione segurança jurídica para o produtor, defendendo-o das invasões de terra, da taxação confiscatória ou desestabilizadora ou dos excessos da regulação estatal”, diz trecho da nota.

Já o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Normando Corral, declarou, em entrevista ao Canal Rural, que o setor teme a retomada da radicalização dos movimentos sociais no governo petista. “Tenho receio de que algumas coisas possam acontecer e impeçam um bom diálogo. Uma delas, que sempre nos preocupou, é a insegurança jurídica quanto a esses movimentos ditos sociais, mas que não são, como o MST. O mercado é soberano sobre o que acontece com a produção agropecuária. Se radicalizar nesse ponto, obviamente vai ter uma radicalização do contrário”, afirmou.

Instituições que representam o agro – setor que responde por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e por quase 50% das exportações, segundo dados do governo federal – têm sido alvo dos militantes nos últimos meses. Em abril, o prédio da CNA, em Brasília, foi vandalizado por dezenas de militantes do MST. Segundo os ativistas, a ação criminosa fazia parte da “Jornada Nacional de Luta em Defesa da Reforma Agrária”. No final do ano passado, foi a sede da Aprosoja, também em Brasília, que foi vandalizada por militantes com dezenas de pichações com frases como “Agro mata” e “Agrosoja é fome”.

Por que MST entrou em declínio desde a saída do PT do poder?

Conforme lideranças do movimento social têm afirmado, a política de maior flexibilização no acesso a armas de fogo durante o governo teria contribuído para a redução das invasões. Uma mudança na lei nacional de controle de armas, que entrou em vigor em 2019, passou a permitir que produtores rurais portem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades. O entendimento anterior era de que a arma não podia sair de dentro do domicílio dos moradores; na prática, a medida inviabilizava a autodefesa por parte dessas pessoas, cujas residências normalmente ficam em áreas isoladas, até mesmo dos vizinhos, e distantes da presença das forças de segurança pública.

Já Bolsonaro destaca o papel do aumento nas concessões de títulos de terra aos produtores rurais nos últimos anos como determinante para o recrudescimento do movimento social nos últimos anos. Isso porque, na prática, a titulação das terras significa a “conclusão” do processo de reforma agrária para os agricultores que integram os assentamentos, em grande parte controlados pelo MST. Com isso, o movimento acabou perdendo influência nessas áreas, já que a principal promessa das lideranças para os assentados era justamente lutar pela concessão das terras.

Porém há outros fatores que podem explicar a diminuição das atividades do grupo. Segundo um servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia do governo federal, que falou à reportagem sob sigilo, durante as gestões petistas parte das verbas destinadas pelo governo federal a ONGs que mantinham convênios com o Executivo eram repassadas ao MST e a demais movimentos sociais; tais recursos facilitavam a organização das atividades do grupo. Dessa forma, eventual retorno de repasses a tais entidades no novo governo poderia gerar recursos para a retomada de atividades do grupo.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro declarou que promoveu corte de verbas para ONGs como forma de “esvaziar a bola do MST”. “O homem do campo vivia com insegurança por causa do MST. Fomos ver como buscavam recursos, de ONGs patrocinadas por alguns bancos federais. Cheguei nos bancos e falei ‘não quero mais dinheiro para ONG’, afinal de contas se é uma organização não governamental não tem que pegar dinheiro nosso”, afirmou Bolsonaro em entrevista ao programa Voz do Brasil.

Veja abaixo os números de invasões de terra desde o início da apuração dos dados, em 1995:

* Nos dados acima, as invasões não são catalogadas por movimento. Apesar de o MST ser o principal grupo que tem fomentado tal prática ao longo dos anos, outros movimento sociais similares também costumam recorrer a invasões de terras.

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