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Em aula inaugural dedicada a apoiar e evitar a evasão de cotistas, a diretora da Escola Politécnica da UFRJ, anunciou mudanças no currículo de Cálculo| Foto: Divulgação

A deputada Renata Sousa (PSOL-RJ) tem uma explicação para a alta taxa de reprovação entre os alunos da disciplina de cálculo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ela acredita que o culpado é o racismo institucional. “A disparidade nos índices de sucesso e retenção dos estudantes negros mostra o racismo institucional que impera não apenas nas universidades, mas em diversas instituições no nosso país”, disse ela há duas semanas, em um evento da universidade.

E os dirigentes da UFRJ parecem concordar com o diagnóstico.

No mesmo evento, — a aula inaugural de um curso dedicado a apoiar alunos cotistas — a diretora da Escola Politécnica da UFRJ, Cláudia Morgado, anunciou medidas para reduzir o nível de dificuldade da matéria de Cálculo. “Não pode ser normal reprovar 70% da turma; e pior, sistematicamente. Não é um fenômeno que acontece pontualmente em um semestre. E esse alto índice de reprovação chegou a níveis insuportáveis”, disse ela.

Segundo um levantamento interno da UFRJ, a taxa de formatura dos alunos negros nas Engenharias é de 42%, contra quase 90% dos estudantes brancos. Números como esses raramente vêm à tona. Geralmente, defensores do sistema de cotas negam que o desempenho dos alunos cotistas seja inferior ao dos não cotistas. Mas eles são desmentidos pelas pesquisas feitas sobre o tema.

A UFRJ adotou as cotas (inicialmente, para alunos de escolas públicas) em 2008. De lá para cá, a reserva de vagas se tornou a regra em todo o país. Em 2012, uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Dilma Rousseff estabeleceu que 50% das vagas em universidades federais passassem a ser reservadas para o sistema de cotas, incluindo alunos de escolas públicas, negros e indígenas.

O sistema de cotas brasileiro — em que todas as grandes universidades são obrigadas por lei a reservarem metade das vagas aos cotistas — é único no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a reserva de um número específico de vagas de acordo com a raça foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte em 1978. Apenas a Índia tem um modelo parecido com o brasileiro. A diferença é que, na Índia, o sistema de castas milenar de fato gera discriminação explícita contra grupos considerados inferiores. Nada parecido existiu na história brasileira.

Estudos mostram disparidade

Segundo a narrativa dos defensores das cotas, os estudos comprovariam que não há diferença significativa entre cotistas e não cotistas. Mas existem dois problemas nisso.

Primeiro, o argumento ignora a taxa de evasão entre os alunos que ingressaram por cotas, que é muito superior.

Segundo, também ignora um efeito colateral das cotas: a redução no nível de exigência dos cursos, como pretende fazer a UFRJ.

O sistema de ingresso à universidade pública se sustenta na premissa de que o vestibular é um indicador eficaz do preparo do aluno: quem obtém as melhores notas merece ingressar na faculdade porque demonstrou estar mais capacitado para entrar no ensino superior. Por isso, é pouco surpreendente que alunos que ingressam com uma nota menor tenham mais dificuldades de obter sucesso em seus cursos.

E as pesquisas demonstram isso — embora o grau de diferença entre cotistas e não cotistas oscile de acordo com o levantamento.

Um estudo feito na UnB (Universidade de Brasília) em 2014 encontrou uma diferença visível, mesmo quando se desconta o nível educacional dos pais ou o tipo de educação recebida no ensino médio. Por exemplo: a média geral do IRA (Índice de Rendimento Acadêmico) do cotista que estudou em escola pública é 3,5% inferior à do não cotista que também veio da escola pública.

Segundo o mesmo levantamento, os alunos cotistas que ingressaram na UnB em 2009 tiveram uma evasão maior (27,9% contra 23,5%). Na Engenharia, a diferença foi mais visível: enquanto 39% dos cotistas deixaram o curso, 17,2% dos não cotistas o fizeram.

Outro estudo, com base nos dados da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), foi na mesma direção, mas com um resultado muito mais alarmante: “O valor Odds Ratio [razão de probabilidade] igual a 11,91 para o aluno cotista indica que a chance de um aluno que ingressa pelo sistema de cotas evadir é 11,91 vezes a chance de um aluno não cotista evadir”, concluíram os autores.

Um terceiro artigo, com foco no ensino técnico, chegou a conclusões semelhantes.

Ao entrevistar estudantes que haviam desistido de seus cursos, os autores notaram que a dificuldade do curso foi a principal razão para a evasão de cotistas. Entre os não cotistas, esse motivo é muito menos frequente (outras razões, como a falta de identificação com o curso, são mais comuns). O artigo foi escrito por um professor da Universidade Federal de Alfenas e publicado em 2020.

Outro levantamento, produzido na UFG (Universidade Federal de Goiás) e com foco nos alunos de Ciências Contábeis, mostrou que a nota dos estudantes que ingressaram pelo sistema universal era de 6,33, contra 6,21 dos cotistas. A taxa de reprovação também era maior entre os cotistas, embora a diferença fosse pequena.

Já um estudo feito por um pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e publicado em 2014 trouxe números mais impressionantes. Alvaro Alberto Ferreira Mendes Junior descobriu que, no curso de Física da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o CR (Coeficiente de Rendimento) dos não cotistas era 73,2% maior do que o dos cotistas. A disparidade também era grande em outras áreas, como Ciência da Computação (43,2%), Filosofia (26,1%) e Estatística (18,7%). Os dados foram coletados entre 2005 e 2012. “A diferença em termos de notas médias aumenta conforme maior é a dificuldade relativa do curso”, conclui o autor.

O caso da UERJ é emblemático porque a universidade foi a primeira a adotar o sistema de cotas raciais, ainda em 2003. Curiosamente, apesar da grande disparidade no desempenho dos cotistas em relação aos não cotistas, não há uma diferença significativa nos índices de evasão. Ou seja: o desempenho dos cotistas é muito pior, mas eles continuam lá.

O custo da evasão

A maior evasão e pior desempenho dos cotistas nas universidades públicas significam desperdício de recursos públicos. O custo médio de um aluno de universidade federal é de aproximadamente R$ 40 mil por ano. Um aluno que desiste após cursar dois anos de faculdade, portanto, terá custado R$ 80 mil — além do tempo que ele mesmo desperdiçou em um momento crucial para a sua formação profissional.

Para o professor Marcelo Hermes-Lima, do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília, a alta evasão entre os alunos cotistas é um problema “óbvio” e que, em alguns casos, gera pressão por uma avaliação mais leniente por parte dos professores. Mas ele acrescenta que as estatísticas são o sintoma de um problema ainda maior: a desconexão entre a academia e o mercado. “É um desajuste. O mercado vai para um lado e a academia vai para o outro. E as pessoas notam que muitas vezes a academia forma os estudantes para profissões que não existem”, diz ele.

Debate sobre mérito

A tentativa de reduzir ou eliminar a importância do mérito na avaliação do sistema de ensino superior não acontece apenas na UFRJ.

Em um artigo publicado no mês passado na Folha de S. Paulo, o presidente da ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), Érico Andrade, defendeu que a distribuição de verbas às universidades federais deixasse de estar vinculada a critérios de desempenho, como hoje. Para ele, o sistema atual promove a exclusão social. A posição dele gerou uma reação intensa.

Um artigo assinado por oito ex-presidentes da ANPOF rebateu a proposta de Andrade. Embora elogiem o sistema de cotas, eles argumentam que rejeitar a excelência como um critério de avaliação significa “sabotar um dos pilares do desenvolvimento social e econômico”.

As críticas mais duras vieram de Gustavo Castañon, professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Em uma carta aberta pedindo a renúncia de Andrade, ele escreveu: “O processo de transformação da pós-graduação de humanas brasileira numa ação entre militantes para produção de textos irrelevantes para sociedade e distribuição de títulos acadêmicos cada vez mais desmoralizados chegou num ponto crítico.”

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