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Em foto de 2009, militar colombiano vigia drogas apreendidas em ação contra as Farc.
Em foto de 2009, militar colombiano vigia drogas apreendidas em ação contra as Farc.| Foto: Carlos Ortega/EFE

“Fidel havia pedido para eu cortar o sinal do gravador que ele tinha na sala, mas por curiosidade eu o religuei e ouvi o ministro do interior José Abrantes prestar contas a ele das receitas do tráfico. Foi nesse momento que me dei conta de que eu não servia a um revolucionário, mas a um narcotraficante.” (Juan Reinaldo Sánchez, ex-guarda-costas de Fidel Castro)

“Em 1990 já se via vir abaixo o campo socialista (...) É nesse preciso momento que o PT lança a formidável proposta de criar o Foro de São Paulo, trincheira onde nós pudéssemos encontrar os revolucionários de diferentes tendências, de diferentes manifestações de luta e de partidos no governo, concretamente o caso cubano. Essa iniciativa, que encontrou rápida acolhida, foi uma tábua de salvação e uma esperança de que tudo não estava perdido.” (Farc, Saudação ao Foro de São Paulo, 25 de janeiro de 2007)

Ao ser preso na Colômbia em 21 de abril de 2001, Fernandinho Beira-Mar mantinha intensos negócios com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a guerrilha marxista-leninista hoje transformada em partido político por sugestão de Luiz Inácio Lula da Silva, um velho parceiro político no âmbito do Foro de São Paulo. O então líder do Comando Vermelho (CV) – facção criminosa surgida do encontro entre bandidos comuns e guerrilheiros comunistas presos no presídio de Ilha Grande – comprava anualmente cerca de 200 toneladas de cocaína das Farc (logo injetadas no mercado brasileiro) em troca de armas de grosso calibre contrabandeadas do Líbano. Beira-Mar foi preso num acampamento da guerrilha, onde havia sido medicado após ter sido baleado no mês anterior. Seu profundo elo com as Farc ficaria definitivamente comprovado após exame de um caderno e uma agenda pertencentes ao narcotraficante e apreendidos no local da prisão, e nos quais ele anotava detalhes de suas operações.

Meses depois, um documento de uma operação da Polícia Federal na fronteira do Brasil com a Colômbia identificava bases de produção de cocaína sob domínio das Farc. Chamadas de “complexos”, os laboratórios de refino produziam mensalmente cerca de 45 toneladas do cloridrato de cocaína, que partiam em voos clandestinos para a Europa, Estados Unidos e Brasil. “Não temos mais dúvidas das relações das Farc com o narcotráfico. A guerrilha tem o comando das drogas e isso é uma ameaça para a fronteira brasileira”, afirmou à época o delegado Mauro Spósito, coordenador da Operação Cobra.

Fernandinho Beira-Mar mantinha intensos negócios com as Farc, a guerrilha marxista-leninista hoje transformada em partido político por sugestão de Lula

O monopólio das Farc sobre a produção e a distribuição de narcóticos no continente seguiu firme nos anos seguintes à prisão de Beira-Mar, bem como o duradouro casamento entre a guerrilha marxista-leninista e o crime organizado. No Rio, o símbolo das Farc continuava estampando as embalagens de cocaína. E, com o seu grande atacadista preso, os traficantes cariocas passaram a negociar diretamente com os guerrilheiros colombianos. Em julho de 2005, uma matéria publicada no Estadão com o título “Vídeo mostra Farc ensinando bandidos brasileiros a sequestrar” informava que o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, encontrara evidências da atuação das Farc no treinamento de bandidos ligados ao CV e ao Primeiro Comando da Capital (PCC) para a realização de sequestros.

“Segundo as apurações de Oliveira, quadrilhas de narcotraficantes do Brasil são os principais clientes da América do Sul na compra da cocaína produzida pela facção colombiana” – lê-se na reportagem. “‘Um dos treinamentos foi filmado e dá para se ouvir, no vídeo, a voz de um brasileiro’, contou o juiz. Sequestros com fins econômicos garantem uma receita anual de US$ 250 milhões para as Farc, o equivalente a 25% do orçamento da facção. O juiz acredita que a guerrilha colombiana pode estabelecer bases no país para fazer sequestros, tanto com fins econômicos como políticos (...) Segundo Oliveira, os traficantes brasileiros passaram a negociar com a guerrilha a compra da droga, eliminando os intermediários colombianos. A cocaína é levada para o Paraguai antes de chegar ao Brasil. O pagamento é feito em dólares ou armas de guerra”.

Como começamos a ver nos artigos anteriores, Fidel e Raúl Castro foram os primeiros executores da estratégia kruscheviana de aliar as guerrilhas comunistas ao narcotráfico na América Latina. Segundo conta Leonardo Coutinho em Hugo Chávez, O Espectro, em 1980 os irmãos Castro ordenaram que Fernando Ravelo – agente da Dirección General de Inteligencia (DGI) disfarçado de embaixador de Cuba em Bogotá – iniciasse o processo de aproximação com o Cartel de Medellín, que se mantinha reticente. Na época, eram conflituosas as relações entre a guerrilha e o narcotráfico, que disputavam o território das selvas colombianas.

Em 1981, a tensão chegou ao auge, quando guerrilheiros do Movimento 19 de Abril, o M-19 (do qual fez parte o recém-eleito presidente colombiano), sequestraram Martha Nieves Ochoa de Yepes, filha do fazendeiro Fabio Ochoa, membro da organização Los Hermanos Ochoa, uma das bases do Cartel de Medellín. O episódio é parcialmente relatado na série Narcos, da Netflix. Publicamente, o cartel recusava-se a negociar com os sequestradores, e oferecia polpudas recompensas a quem fornecesse informações que pudessem revelar o paradeiro de Martha. Nas sombras, o líder do cartel, Pablo Escobar, começava a organizar e patrocinar aquele que seria o primeiro grupo paramilitar colombiano, o Muerte a Secuestradores (MAS), criado com o objetivo de perseguir e executar guerrilheiros marxistas.

Ocorre que, sendo em larga medida uma criação da DGI, o serviço de inteligência cubano, o M-19 estava sob forte ingerência dos irmãos Castro (que, mais tarde, teriam o mesmo tipo de relação com as Farc). Portanto, vislumbrando no apaziguamento dos narcotraficantes uma chance de consolidar a planejada aproximação com o Cartel de Medellín, Fidel interveio junto aos guerrilheiros e determinou a libertação de Martha Ochoa. Abria-se, assim, um canal de interlocução entre o regime castrista e o narcotráfico colombiano.

Os primeiros contatos foram intermediados pelo piloto colombiano Carlos Lehder, chefe da rede de logística de Pablo Escobar, e principal responsável por estabelecer as rotas do narcotráfico para os EUA. Para costurar a aliança narcoguerrilheira, Lehder recorreu a um importante sócio do Cartel, o boliviano Roberto Suárez Gómez, conhecido como “Rei da Cocaína”, por ser à época o maior produtor mundial de folha de coca e pasta-base. Embora Escobar resistisse a se aproximar dos irmãos Castro, Lehder finalmente o convenceu, com o argumento de que o regime cubano poderia fornecer proteção às rotas do tráfico no Caribe, região que vinha gerando perdas consideráveis ao cartel, tanto pela queda de aeronaves quanto pela atuação da Guarda Costeira dos EUA, que costumava interceptar embarcações vindas da Colômbia carregadas de drogas.

Fidel e Raúl Castro foram os primeiros executores da estratégia kruscheviana de aliar as guerrilhas comunistas ao narcotráfico na América Latina

Em 1983, Escobar e Suárez reuniram-se em Bogotá com o “embaixador” cubano Fernando Revelo e com o coronel Patrício de La Guardia, chefe do departamento de moedas conversíveis de Cuba, que viera de Havana exclusivamente para o encontro com os narcotraficantes. Um relato detalhado do encontro acha-se no livro El rey de la cocaína: Mi vida con Roberto Suárez Gómez y el nacimiento del primer narcoestado. A obra, que reúne as memórias pessoais de Ayda Levy, viúva de Suárez, provê um testemunho preciso do nascimento do narcossocialismo castrista (depois chavista), que viria a ser um modelo para toda a esquerda latinoamericana reunida no Foro de São Paulo, quando as Farc tomaram do Cartel de Medellín o posto de barões do narcotráfico (ver, por exemplo, esse vídeo em que Hugo Chávez conta como conheceu Lula e Raul Reyes, então comandante das Farc, numa reunião do Foro).

No dia seguinte ao encontro em Bogotá, Escobar e Suárez embarcaram no turboélice Commander rumo a Cuba. O primeiro ponto de desembarque foi a cidade praiana de Varadero, onde, na companhia do coronel La Guardia, foram recebidos pelo comandante da Marinha cubana, o almirante Aldo Santamaría. No caminho até o Comando de Operações Navais em Havana, o almirante falou aos narcotraficantes do interesse de Fidel Castro em conhecê-los. Segundo Santamaría, o ditador cubano via no narcotráfico uma importante arma na guerra assimétrica contra “o imperialismo ianque”. Em troca do suporte dado aos narcotraficantes – que incluía a utilização do moderno sistema de radares das Forças Armadas cubanas para burlar a vigilância da Guarda Costeira americana –, os cubanos esperavam matar dois coelhos com uma cajadada só: além de sabotar a sociedade americana inundando-a com milhares de toneladas de drogas, também seriam remunerados por isso.

Depois de exibidas e avaliadas todas as vantagens mútuas da aliança, Escobar e Suárez foram convidados a relaxar numa das luxuosas residências do complexo Punto Cero, onde também se localizam as mansões de Fidel e Raúl. Para se ter uma ideia das honras prestadas aos dois narcotraficantes, basta saber que a mansão na qual se hospedaram foi a mesma ocupada por Leonid Brejnev quando visitou a ilha uma década antes. Conhecendo o apetite dos criminosos por luxo e ostentação, Fidel fez de tudo para afagá-los e predispô-los ao negócio, que de fato foi fechado na manhã seguinte, num café da manhã nas dependências do Ministério do Interior, onde os membros do Cartel foram recebidos pelo ministro José Abrantes e pelo general Arnaldo Ochoa. O acordo inicial estabelecia o pagamento diário de US$ 1 milhão ao regime cubano para que o Cartel de Medellín pudesse usar livremente o espaço aéreo, as águas, os portos e aeroportos, bem como montar um entreposto para estocar cocaína.

Com o negócio fechado, o general Ochoa convidou Escobar e Suárez para um passeio. Do aeroporto de Havana, todos embarcaram num helicóptero militar que os levou a Cayo Piedra, uma ilha localizada ao sul de Cuba, na qual está localizada a residência de veraneio favorita de Fidel Castro (frequentada, entre outros, pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez, amigo pessoal do ditador cubano). Segundo a descrição de Leonardo Coutinho:

“Ayda Levy conta em seu livro que, ao avistar a ilha, Suárez ficou maravilhado com o idílio do lugar. Junto ao heliporto aguardava o ministro da Defesa, Raúl Castro, que os recepcionou e conduziu-os ao seu irmão Fidel. Ao vê-los, o presidente cubano disse: ‘Obrigado por terem aceitado finalmente o convite de Ochoa. Vocês serão o míssil com o qual perfuraremos o bloqueio e o injusto embargo que sofre meu país’. Em 2014, Juan Reinaldo Sánchez, que foi guarda-costas de Fidel no período em que o regime cubano se associou ao narcotráfico, revelou, no livro A vida secreta de Fidel, a lógica do chefe. A estratégia era dissimular e conferir nobreza ao que na realidade era tão somente um crime exatamente igual ao praticado por Pablo Escobar. Fidel argumentava que o narcotráfico era, antes de tudo, uma arma de luta revolucionária. Troçava, segundo Sánchez, dizendo que se os americanos eram ‘estúpidos o suficiente para consumir a droga vinda da Colômbia, além de aquilo não ser problema seu – enquanto não fosse descoberto –, podia servir a seus objetivos revolucionários na medida em que corrompia e desestabilizava a sociedade americana’. A tese do líder cubano se alicerçava sobre outro pilar. O dinheiro originário do tráfico era uma forma de patrocinar partidos de esquerda e grupos guerrilheiros em toda a América Latina. E o melhor: esse dinheiro que financiaria a expansão da revolução no continente teria origem, de certo modo, nos Estados Unidos. Assim, por meio desse argumento, Fidel Castro celebrou a união do tráfico de drogas com os movimentos insurgentes do continente, criando o que se convencionou chamar de narcoguerrilha”.

O mesmo esquema narco-socialista é descrito em detalhes no já citado Red Cocaine: the drugging of America and the West, livro de Joseph Douglass. Escreve o autor:

“Primeiro, há estreitos vínculos entre o tráfico de drogas e atividades terroristas-revolucionárias; daí o termo narcoterrorismo. Isso levou à ruptura da lei e da ordem que, quando associada à corrupção relacionada às drogas, está provocando a desestabilização de um número crescente de países importantes, principalmente a Colômbia, a Venezuela, o Peru e o México. Em muitos casos, os terroristas ou guerrilheiros controlam ou gerenciam a produção e distribuição de drogas (...) Em segundo lugar, enquanto o vasto número de pessoas envolvidas no tráfico de drogas não parece possuir qualquer filosofia política particular, há um envolvimento desproporcional de oficiais do Partido Comunista, oficiais do governo de países comunistas, agentes dos serviços de inteligência comunistas e organizações marxistas revolucionárias e terroristas. Em terceiro lugar, dentro das Américas, Cuba se destaca. Cuba está claramente envolvida em inúmeras operações de tráfico de drogas e ocupa muitas funções, desde o recrutamento até as instalações de transbordo, postos de comando, fornecimento de equipamentos, produção e manufatura, transporte, vendas e marketing, e finanças. E, finalmente, enquanto o dinheiro está sempre presente como uma motivação óbvia, no que diz respeito aos altos oficiais envolvidos com o tráfico, a esfera política, especificamente a guerra política contra os Estados Unidos, é ainda mais importante do que o dinheiro. Como centro revolucionário soviético no Caribe, Cuba é o centro operacional do narcotráfico e da formação de terroristas revolucionários (...) Cuba é um refúgio seguro para os narcotraficantes latino-americanos que viajam para os Estados Unidos. Para isso, os narcotraficantes pagam uma taxa. Em sua viagem de retorno à América do Sul para pegar mais drogas, eles transportam munições e suprimentos de Cuba para os terroristas revolucionários; por exemplo, às forças M-19 na Colômbia (...) A maneira como o narcotráfico e as organizações revolucionárias ou terroristas operam em conjunto pode ser vista nos relatórios sobre as operações colombianas e cubanas. Grupos terroristas ou revolucionários protegem os narcotraficantes. Os traficantes de drogas ajudam a financiar os terroristas e revolucionários, fornecem-lhes informações (inteligência) e assistência em transporte. Na Colômbia, os revolucionários marxistas do M-19 têm laços estreitos com Cuba e com vários narcotraficantes, dos quais o mais conhecido ao longo dos anos tem sido a organização conhecida como o cartel de Medellín (...) Na Colômbia e em outros países, como o Peru, os terroristas fornecem aos produtores de drogas proteção contra a polícia local e contra as forças militares. Os produtores de drogas são alertados sobre possíveis incursões em suas instalações. Eles passam os dados para os terroristas, que então emboscam e matam as forças que conduzem as incursões. Isso é bom para os terroristas e para os produtores, que em troca fornecem fundos, território e os suprimentos que os terroristas precisam. Como outro exemplo, quando os funcionários do governo decidem reprimir os narcotraficantes, os terroristas ajudam os traficantes aterrorizando e matando servidores, como fizeram no caso do assassinato em massa dos Ministros da Justiça colombianos que estavam tomando medidas para extraditar certos barões das drogas colombianos.”

Conclui-se, portanto, que as atividades de Fernandinho Beira-Mar no território das Farc, descritas no início deste artigo, são apenas um episódio numa longa história de relacionamento entre comunismo e crime organizado. Uma história que começa a ser concebida na mente dos estrategistas soviéticos, notadamente Kruschev, cresce com a revolução cubana, e consolida-se com o narcobolivarianismo de Hugo Chávez. É dentro desse contexto que as supostas relações entre partidos de esquerda brasileiros e o narcotráfico – tal como as sugeridas por Marcos Valério em delação recentemente noticiada pela imprensa – deveriam ser investigadas. Os fatos acima descritos são documentos históricos. E não podem ser apagados por ninguém – nem pela imprensa companheira, nem pela toga camarada, nem mesmo pelo papa...

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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