O republicano Glenn Youngkin faz discurso de vitória após ter derrotado o democrata Terry McAuliffe na eleição para o governo do estado da Virgina, EUA, 3 de novembro| Foto: EFE/EPA/Ken Cedeno
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O estado da Virgínia realiza suas eleições para governador, vice-governador, procurador-geral do estado e parte da legislatura estadual um ano após as eleições presidenciais. O pleito é considerado a primeira medição nas urnas de como anda a popularidade do presidente norte-americano. E essas eleições aconteceram neste 2 de novembro.

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Se as vitórias de Glenn Youngkin, Winsome Sears e Jason Miyares significassem apenas um reflexo da impopularidade de Joe Biden, os democratas poderiam encarar os resultados de ontem como um mero aviso de que precisam mudar sua condução política se quiserem evitar resultados piores no ano que vem, quando teremos as midterms e a grande maioria das eleições estaduais. No entanto, as circunstâncias que levaram os três republicanos à vitória indicam algo muito mais sério e com efeitos que podem chacoalhar a política americana em 2022. A própria vice-presidente Kamala Harris disse, na última sexta-feira, que “terça-feira será um dia crítico, que determinará se voltaremos o relógio para trás ou se o moveremos para frente. O que acontecer na Virgínia determinará, em grande parte, o que acontecerá em 2022, 2024 e em diante”.

Mas, afinal de contas, quem é Glenn Youngkin e o que sua vitória tem de tão especial para a política norte-americana? Para responder a essa pergunta, precisamos voltar um pouco no tempo.

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As circunstâncias que levaram os três republicanos à vitória indicam algo muito mais sério e com efeitos que podem chacoalhar a política americana em 2022

No dia 28 de maio deste ano, uma aluna da escola Stone Bridge High School foi estuprada por um garoto que frequentava o banheiro feminino por se autodenominar uma pessoa transgênero. Em 22 de junho, o pai da garota estuprada, Scott Smith, foi preso durante uma reunião do conselho das escolas públicas do condado de Loudoun, do qual faz parte a escola de Stone Bridge. Smith e outros pais manifestavam-se contra a proposta do conselho de liberar o uso de banheiros e vestiários para qualquer aluno que se identifique como transgênero, mesmo que temporariamente. A indignação de Smith, que tivera sua filha estuprada há menos de 30 dias, não foi suficiente para impressionar o conselho, que acabou aprovando a proposta em reunião posterior, no mês de agosto.

Além disso, a posição oficial do conselho foi resumida na afirmação de jamais ter havido um estupro em qualquer uma das escolas do distrito perpetrado por um aluno transgênero. Beth Barts, membro do conselho, disse que “nossos estudantes não precisam ser protegidos, e eles não estão em perigo. Por acaso temos ataques regulares em nossos banheiros e vestiários?” O superintendente do distrito, Scott Ziegler, afirmou que “até onde sei, não temos nenhum registro de estupros acontecendo em nossos banheiros” e disse que não existe essa “pessoa predatória que se identifica como transgênero”.

Em 28 de setembro, durante o debate entre candidatos a governador, o candidato democrata Terry McAuliffe disse: “eu não deixarei que os pais entrem nas escolas e tirem livros e tomem suas próprias decisões. Eu não acho que os pais devam dizer às escolas o que elas devem ensinar”. Ao mesmo tempo, Youngkin seguiu a rota oposta e se colocou em favor dos pais.

Em 30 de setembro, a Associação Nacional de Conselhos Escolares enviou uma carta ao presidente Joe Biden pedindo que os pais que se opõem à obrigatoriedade do uso de máscaras e ao ensino de tópicos racistas nas escolas sejam considerados como “terroristas” pelo Departamento de Justiça, e pedindo que o FBI e as agências secretas sejam usados para conter essas “ameaças”. O resultado prático da carta foi uma orientação direta do procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, para que oficiais do FBI se reunissem com as polícias locais para discutir estratégias de resposta “ao número crescente de ameaças contra membros de conselhos escolares, professores e outros funcionários da educação”. O comunicado de Garland foi recebido com uma enxurrada de críticas por parte dos deputados e senadores republicanos, e o procurador-geral acabou sendo massacrado em audiência recente no Senado Federal.

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No dia 6 de outubro, Rob Kerr, um funcionário do sistema de escolas públicas do condado de Fairfax, começou a ministrar um curso a todos os professores do distrito. O nome do curso era “AC-1608: Como Ser um Educador Antirracista”, completamente baseado na doutrina conhecida como Critical Race Theory (CRT, ou “Teoria Racial Crítica”, em tradução direta). O curso inclui até mesmo uma aula intitulada “Explorando e Compreendendo a Branquitude”. Além disso, os professores que terminavam o curso eram obrigados a ouvir um podcast da palestrante Bettina Love, cujos ensinamentos incluem dizer que as escolas públicas norte-americanas “assassinam o espírito das crianças negras”.

Indignados com esse conjunto de ataques à integridade do sistema educacional e à segurança de seus filhos, pais de todos os espectros políticos começaram a se organizar em favor da eleição de Glenn Youngkin. O candidato republicano, novato na política, foi incisivo em seu posicionamento em favor dos pais, contra as políticas de transgenderismo e contra a inclusão da CRT no sistema educacional. Sua campanha foi ganhando força a cada dia, com grupos como Pais por Youngkin, Negros por Youngkin, Latinos por Youngkin, Mulheres por Youngkin e outros se proliferando pelo estado. Ao mesmo tempo, McAuliffe tentou colar Youngkin ao ex-presidente Donald Trump, buscando criar uma rejeição por associação. A estratégia não poderia ter sido pior. Além de trazer os apoiadores de Trump para a campanha de Youngkin, não surtiu efeito algum nos anti-trumpers por um simples motivo: Youngkin optou por não aceitar nenhum endosso ou visita do ex-presidente, mas focar cada vez mais nos assuntos locais da Virgínia, nas questões prementes do estado.

Indignados com os ataques à integridade do sistema educacional e à segurança de seus filhos, pais de todos os espectros políticos começaram a se organizar em favor da eleição de Glenn Youngkin

O resultado de tudo isso foi a perda de um estado considerado seguro para os democratas. Os republicanos não só conquistaram o governo estadual como também a Procuradoria do estado e, muito provavelmente, a Assembleia Legislativa. Até o fechamento deste texto, 4 dos 100 assentos da Assembléia Legislativa da Virgínia ainda estavam sem um vencedor claro e os republicanos tinham 49 assentos eleitos contra 47 dos democratas.

Os quatro assentos são: o Distrito 21, onde a candidata democrata liderava com 378 votos de vantagem sobre a republicana, equivalentes a 1,22% do total de votos, com vitória muito provável da democrata; o Distrito 28, onde a candidata republicana liderava com 696 votos de vantagem sobre o democrata, equivalentes a 2,18% do total de votos, com vitória muito provável da republicana; o Distrito 85, onde a candidata republicana liderava com 202 votos de vantagem sobre o democrata, equivalentes a 0,72% do total de votos, em resultado ainda incerto, mas pendendo para a republicana; e o Distrito 91, onde o candidato republicano liderava com 272 votos de vantagem sobre a democrata, equivalentes a 0,98% do total de votos, com vitória provável do republicano. Se não houver mudança nesses distritos, os republicanos devem fazer 52 a 48 e conquistar a maioria na Assembleia Legislativa. Não houve eleição para o Senado estadual. Esta só acontecerá em 2023.

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Na maré de derrotas dos democratas ainda entra a eleição para o governo de New Jersey, que até o momento do fechamento deste texto estava indefinida, mas com diferença de apenas 0,17% entre os candidatos Philip Murphy (democrata) e Jack Ciatarelli (republicano). Nesse estado, considerado uma “fortaleza azul”, jamais se imaginava que um republicano pudesse sequer incomodar a reeleição de Murphy, muito menos liderar a apuração por boa parte do tempo. Ainda que a ínfima vantagem se traduza em vitória para Murphy, será uma vitória com gosto de derrota. E, para terminar, uma derrota clara de Ilhan Omar e da ala mais radical do Partido Democrata em Minneapolis, onde uma proposta de acabar com o Departamento de Polícia para, em seu lugar, criar um Departamento de Segurança Pública sob tutela da Câmara de Vereadores foi rejeitada pela maioria dos eleitores (56% contra e 43% a favor).

Ainda é cedo para tecer previsões sobre as midterms e sobre as disputas estaduais em 2022, mas o que aconteceu ontem sugere uma onda vermelha

Os resultados das eleições de ontem estabelecem, acima de tudo, um caminho a ser seguido pelos republicanos em 2022. A “Teoria Crítica Racial” e a segurança das crianças e adolescentes nas escolas ganharam um protagonismo ímpar e devem ser o aríete dos republicanos em distritos e estados tradicionalmente azuis. Por último, há um efeito imediato em nível federal: deputados democratas de distritos que elegeram Biden, mas recusaram McAuliffe na Virgínia e Murphy em New Jersey, podem se sentir pressionados a não votar a favor de propostas mais radicais do partido. Políticos são, antes de tudo, animais de sobrevivência. Se sentirem que um voto radicalizado lhes tomará a cadeira em 2022, eles podem se abster ou mesmo votar contra o que a liderança de Nancy Pelosi orientar. Pelosi tem tido de se virar com uma maioria mínima, e qualquer abstenção pode significar a não aprovação de projetos de lei patrocinados pelo governo Biden.

Ainda é cedo para tecer previsões sobre as midterms e sobre as disputas estaduais em 2022, mas o que aconteceu ontem sugere uma onda vermelha. Parece-me provável que os democratas percam a maioria na Câmara e, possivelmente, no Senado. E a vida de Biden, que já não anda fácil tendo de lidar apenas com sua própria incompetência, pode se tornar bem mais complicada nos últimos dois anos de mandato. Os Estados Unidos caminham claramente para um período “Carter versão século 21”. Só espero que lá na frente surja um Reagan para reconstruir tudo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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