O personagem Ethan Edwards, interpretado por John Wayne, em “Rastros de ódio”.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público
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Entre os muitos filmes do gênero western, Rastros de ódio (The Searchers), lançado em 1956 e dirigido por John Ford com maestria, se destaca por sua análise profunda da tensão entre as virtudes necessárias para estabelecer a civilização com sucesso e as virtudes necessárias para a contínua prosperidade de uma sociedade civilizada no Velho Oeste, na fronteira entre os Estados Unidos e o México no século 19. O filme é baseado no conto The Avenging Texans, de Alan Le May, publicado em 1954, e foi estrelado por John Wayne. Ao se desviar do típico western, onde os nobres méritos do herói triunfam sobre as forças selvagens da natureza, Rastros de ódio coloca em destaque um homem cujas qualidades heroicas são eclipsadas por sua própria selvageria. Dessa forma, o filme não apenas revela as ambiguidades dos heróis da civilização, mas oferece uma lição para aqueles que admiram tais heróis e suas qualidades.

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“Nós somos texicanos” (com spoilers)

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A história de Rastros de ódio se inicia em 1868. Ethan Edwards retorna para a casa de seu irmão, Aaron, sua cunhada, Martha, e três sobrinhos, no oeste do Texas, após uma ausência de oito anos. Ethan lutou na Guerra Civil dos Estados Unidos, ocorrida entre 1861 e 1865, servindo na artilharia do Exército dos Estados Confederados. Ele possui muitas moedas de ouro de origem incerta, e a medalha francesa que ele dá para sua sobrinha Debbie foi concedida pelo imperador Maximiliano do México a soldados mercenários que lutaram entre 1865 e 1867 junto com as forças francesas do imperador contra os revolucionários mexicanos de Benito Juárez, que contavam com o apoio dos Estados Unidos, sugerindo que Ethan serviu com os franceses após a Guerra Civil. Como antigo militar confederado, ele se recusa, quando solicitado, a prestar juramento de fidelidade aos Texas Rangers – uma força policial fundada em 1823 para patrulhar a fronteira dos Estados Unidos com o México. Também se porta de forma preconceituosa com o filho adotivo de Aaron, Martin Pawley, pois ele é “1/8” descendente dos índios Cherokee.

Pouco após a chegada de Ethan, o gado pertencente ao seu vizinho, Lars Jorgensen, é roubado; o capitão Samuel Clayton, que também é um clérigo protestante, lidera Ethan e um grupo de Texas Rangers para recuperar os animais. Após descobrir que o roubo foi um estratagema dos índios comanches para afastar os homens de suas famílias, eles retornam e encontram a propriedade dos Edwards em chamas. Aaron, sua esposa Martha e seu filho Ben estão mortos, enquanto Debbie e sua irmã mais velha, Lucy, foram sequestradas. O enredo de Rastros de ódio parece ter sido inspirado pelo sequestro, em 19 de maio de 1836, de uma menina de 9 anos, Cynthia Ann Parker, por índios comanches, que atacaram a casa de sua família, em Fort Parker, no Texas. Cynthia Ann passou 24 anos com os comanches, se casou com um chefe, Peta Nocona, e teve três filhos, um dos quais foi o famoso chefe comanche Quanah Parker, e acabou resgatada contra sua vontade pelos Texas Rangers. James W. Parker, tio de Cynthia Ann, gastou sua fortuna e nove anos, de 1836 a 1845, em uma busca obsessiva por sua sobrinha – uma ação muito parecida com a de Ethan Edwards no filme.

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Rastros de ódio se destaca por sua análise profunda da tensão entre as virtudes necessárias para estabelecer a civilização com sucesso e as virtudes necessárias para a contínua prosperidade de uma sociedade civilizada

Após um breve funeral, os homens partem em perseguição aos comanches. Quando encontram o acampamento dos índios, Ethan recomenda um ataque frontal, mas Clayton insiste em uma abordagem furtiva para evitar matar os reféns. Eles acabam descobrindo que o acampamento foi abandonado, e mais tarde os Texas Rangers caem em uma emboscada. Apesar de repelir o ataque, os Rangers têm poucos homens para lutar eficazmente contra os comanches. Eles retornam para casa, deixando Ethan continuar sua busca pelas garotas apenas com o noivo de Lucy, Brad Jorgensen, e Martin. Ethan encontra Lucy assassinada (e fica subentendido que ela também foi estuprada) em um desfiladeiro perto do acampamento comanche. Tomado de fúria, Brad ataca sozinho o acampamento, sendo morto.

Quando o inverno chega, Ethan e Martin perdem o rastro e retornam à fazenda dos Jorgensen. Martin é recebido por Laurie, filha dos Jorgensen; e Ethan encontra uma carta esperando por ele, na qual um comerciante chamado Futterman afirma ter informações sobre Debbie. Ethan prefere continuar a busca sozinho e parte sem Martin, mas este acaba alcançando-o. No posto de comércio de Futterman, Ethan e Martin descobrem que Debbie foi sequestrada por Scar, o chefe da tribo Nawyecka dos comanches. Depois de um ano ou mais, Laurie recebe uma carta de Martin descrevendo a continua busca. Lendo a carta em voz alta, ela narra o que aconteceu durante esse tempo: Ethan mataou Futterman e dois comparsas por tentar roubar seu dinheiro, e Martin comprou acidentalmente uma esposa comanche, Look, que foge quando ouve o nome de Scar. Mais tarde, os dois homens encontram Look entre os índios mortos após parte da tribo de Scar ser massacrada por soldados do 7.º Regimento de Cavalaria do Exército dos Estados Unidos, cavalgando ao som de Garryowen.

O ataque da cavalaria à aldeia comanche, que resulta na morte de Look e na captura de prisioneiros comanche, é inspirado na Batalha do Rio Washita, ocorrida em 27 de novembro de 1868, quando o tenente-coronel George Armstrong Custer, comandando o 7.º de Cavalaria, atacou o acampamento Cheyenne de Black Kettle, no Rio Washita, em Oklahoma. A cena também se assemelha à Batalha do Rio North Fork do Rio Vermelho, acontecida em 1872, na qual o 4.º de Cavalaria capturou 124 mulheres e crianças comanche e as aprisionou no Forte Concho – transformando a cena num lembrete visual dos capítulos mais vergonhosos na “conquista” do Velho Oeste.

Ethan e Martin finalmente encontram Debbie no Novo México, em 1873, após cinco anos de busca. Agora ela é uma adolescente vivendo como uma das esposas de Scar; diz que se tornou uma comanche e deseja permanecer com eles. Ethan prefere vê-la morta do que vivendo como uma indígena e tenta atirar nela, mas Martin a protege e um comanche fere Ethan com uma flecha. Ambos fogem e Martin, embora furioso com Ethan por ter tentado matar Debbie, cuida do ferimento dele. Mais tarde, ambos retornam para a casa dos Jorgensen. Um pouco depois, um ansioso oficial da cavalaria dos Estados Unidos, o tenente Greenhill, traz notícias de que um amigo de Ethan localizou Scar. O capitão Clayton lidera os Texas Rangers até o acampamento comanche, desta vez para um ataque direto, mas Martin é autorizado a se infiltrar antes do ataque para encontrar Debbie. Ao encontrá-la, Martin mata Scar para salvar Debbie, e Ethan o escalpa. O resgate de Cynthia Ann Parker, durante o ataque dos Texas Rangers conhecido como a Batalha do Rio Pease, ocorrida em 18 de dezembro de 1860, se assemelha ao resgate de Debbie, quando os Texas Rangers atacam o acampamento de Scar. Ethan, então, vê Debbie fugindo e a persegue. Martin corre atrás deles desesperadamente, temendo que Ethan a mate. Em vez disso, Ethan a toma nos braços e a leva para a fazenda dos Jorgensen, onde Martin se reúne com Laurie. Enquanto todos entram na casa, Ethan os observa e vai embora, enquanto uma porta se fecha – uma das cenas mais aclamadas do cinema.

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As ambiguidades e limites do heroísmo

Resumo aqui algumas ideias encontradas em Heroic Virtue and the Limits of Democracy in John Ford's The Searchers (de J. David Alvis e John E. Alvis), Gunfighter Nation: The Myth of the Frontier in 20th Century America (de Richard Slotkin) e Cowboy Classics: The Roots of the American Western in the Epic Tradition (de Kirsten Day). Tradicionalmente, os filmes de western ensinam a simples lição moral de que uma ordem política decente requer bons cidadãos para a administração da lei e da ordem. Ao mesmo tempo, o centro de atração desses filmes sempre foi encontrado na intervenção de um indivíduo heroico, cuja força e caráter eram maiores que os das forças oponentes que ele deve vencer. Embora o herói lute pela segurança e prosperidade dos outros, parece improvável, dada sua força e virtude superiores, que ele encontre seu lugar na vida de paz e tranquilidade pela qual ele trabalha. A civilização, nos westerns, portanto, depende de dois conjuntos opostos de virtudes: uma necessária para uma vida pacífica sob a administração da lei, e outra para superar ameaças externas à paz e à ordem. Será que as virtudes constantes e necessárias para a administração ordenada da vida cívica podem ser reconciliadas com as virtudes guerreiras necessárias para a fundação da civilização e sua defesa contra perigos externos? Rastros de ódio explora essas questões em um nível de sofisticação que nenhum western antes havia alcançado.

O filme começa com o retorno de Ethan Edwards ao rancho de seu irmão após oito anos de ausência, tendo combatido na Guerra Civil, defendendo a Confederação, e no México, lutando por Maximiliano com os franceses. Embora a história de Ethan seja plausível para seu lugar e tempo, as sugestões também correspondem a diferentes heróis de filmes do western. Ethan foi um artilheiro confederado, um Texas Ranger e um combatente indígena. Ele serviu na guerra mexicana, onde foi mercenário. Seus feitos no pós-guerra o vinculam a Jesse James e ao culto do bandido popular. Ethan combina, assim, atributos de quase todos os tipos heroicos desenvolvidos em westerns, deliberadamente moldado como um “herói dos heróis”. O efeito é introduzir os valores do mito heroico em um contexto que os desafiará e revelará suas limitações. Por trás de Ethan estão duas questões não resolvidas: até que ponto um herói pode ultrapassar os limites legais e ainda ser considerado herói? Até que ponto as leis da guerra podem ser flexibilizadas sem comprometer a integridade moral do herói? Rastros de ódio embaralha essas questões, usando como cenário o antigo conflito dos pioneiros civilizados contra os índios hostis em um território inóspito.

Ethan é uma combinação trágica de qualidades que tornam a civilização possível e, ao mesmo tempo, ameaçam minar suas conquistas

Ethan embarca em uma busca incansável que dura cinco anos, acompanhado apenas por Martin, um sobrevivente de um massacre anterior e de ascendência mista. A parceria entre Ethan e Martin reflete uma convenção heroica antiga, a união entre um homem branco e seu companheiro indígena. No entanto, em Rastros de ódio os papéis convencionais são invertidos. O conhecimento de Ethan sobre o território selvagem e os indígenas supera em muito o de Martin, enquanto Martin é muito mais civilizado e cristão do que o orgulhoso e racista Ethan. Mas os paralelos mais significativos em Rastros de ódio ligam Ethan a Scar. O chefe comanche é tão obcecado por vingança quanto Ethan: o ataque dos comanches à casa dos Edwards foi montado para vingar a morte de seus dois filhos. Essa conexão altera a percepção de Scar, pois ele tem um motivo semelhante ao do herói que odeia os índios. E diminui o respeito pela autoridade moral de Ethan, ao estabelecer uma semelhança dele com a figura do vilão. A lógica aqui é circular: para humanizar o índio Scar, ele é comparado a um homem branco, Ethan, que é desumanizado por sua semelhança com Scar. Mas a circularidade tem um propósito: destacar a absurda falta de lógica do ciclo de vitimização e vingança, do qual é possível que não haja como escapar vivo e sem máculas.

Assim, Ethan é uma combinação trágica de qualidades que tornam a civilização possível e, ao mesmo tempo, ameaçam minar suas conquistas. Ele sinaliza a mais marcante ruptura com os heróis dos westerns tradicionais quando, ao longo do filme, ele desafia quase todos os deveres cavalheirescos exigidos do herói paradigmático do Velho Oeste: ele atira em um cadáver de um índio para profaná-lo; atira em um índio fugitivo pelas costas; e tenta atirar na própria sobrinha. Ethan reside em uma comunidade civilizada, mas não é parte dela. Em espírito, ele inclina-se a uma existência desarraigada tão extrema quanto a dos comanches. As regras de engajamento do clérigo protestante Clayton são elaboradas para fazer mais do que simplesmente comandar a conduta do grupo de busca; elas lembram a cada Texas Ranger que a expedição tem um escopo limitado – a restauração da vida civilizada comum, o que distingue os colonos da selvageria ilimitada dos comanches. Para Ethan, a defesa da vida civilizada requer uma guerra total contra as forças inimigas da civilização. A barbárie dos comanches deve ser igualada pela barbárie da cavalaria e mesmo de Ethan.

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A tentativa de Ethan de atirar em Debbie leva Martin a afirmar uma diferente compreensão do cativeiro de Debbie e sua responsabilidade para com ela – nas guerras indígenas das planícies norte-americanas do século 19, a maioria das mulheres cativas que retornavam para a civilização era tratada como párias pela sociedade, com a suposição de que elas haviam sido poluídas sexual e espiritualmente ou transformadas racialmente por seu contato íntimo com os índios. Mas, para Martin, Debbie ainda é a pessoa que todos amavam, e ainda era digna desse amor. Ser índia ou estar com os índios não faz diferença para ele. Mas a maioria dos outros personagens brancos concorda com Ethan de que ela estaria “melhor morta”, agora que se tornou “vermelha”. Que os homens pensem de tal forma é até previsível, mas até Laurie, espirituosa, inteligente e trabalhadora, acha que Martin está louco por tentar trazer Debbie de volta. Esta perspectiva de Laurie revela como a crueldade desumanizadora do racismo pode envenenar a cultura que a defende – ainda que, no fim, Laurie supere seu racismo, ansiosa para se casar com Martin, e aceitando Debbie em sua família.

A partir do momento em que Martin impede Ethan de matar Debbie, Ethan se torna menos heroico, mais falível em seus julgamentos. O poder de Martin como líder e guerreiro cresce, igualando ou excedendo Ethan. O teste de suas diferenças ocorre quando Scar e seu bando retornam ao Texas para outro ataque de vingança, e Ethan e os Texas Rangers decidem a atacá-los de surpresa. Martin argumenta que, se os Texas Rangers atacarem o acampamento como pretendem, Debbie poderá ser morta por Scar ou baleada por acidente. Ele claramente tem em mente o receio de uma repetição do ataque do 7.º de Cavalaria, no qual Look foi morta. Ethan e os outros concordam com Martin, deixado que ele se infiltre na vila para resgatar Debbie antes da batalha. Mas, para os Texas Rangers, a destruição de Scar é mais importante que o resgate de Debbie. No fim, é Martin quem mata Scar, e Ethan quem resgata Debbie. A vitória de Martin completa a desmistificação do heroísmo de Ethan, mostrando que o ódio não pode ser a única motivação possível do heroísmo. Ethan não pode abandonar completamente esse ódio – ele tira o escalpo de Scar depois que Martin o mata. Portanto, quando Ethan persegue Debbie enquanto ela foge do ataque dos Texas Rangers ao acampamento, nem Martin nem o telespectador estão totalmente certos de que ele não pretenda matá-la. Mas o momento em que Ethan segura Debbie, a ergue e, então, a abraça marca sua aceitação, de que há um limite para seu ódio.

Na última cena, uma porta se fecha para Ethan enquanto ele se afasta da casa da família Jorgensen, caminhando solitariamente em direção às vastas e vazias planícies. A comunidade de colonos, com o retorno de Debbie e a destruição dos comanches, quer seguir em frente com sua vida. Mas Ethan não tem uma vida estável para a qual retornar. Quando a porta se fecha, ele se exclui do festivo encontro que começa do outro lado. Este final é agridoce, mas justo. Os colonos reunidos não excluem Ethan; eles estão apenas preocupados em colocar a vida em ordem. A cena deixa claro que Ethan, ao se afastar, não pede para ser admitido na casa. Olhando em retrospecto, percebemos que ele escolheu a exclusão o tempo todo.

Rastros de ódio nos leva a reconhecer três verdades cruciais. Em primeiro lugar, destaca a fragilidade da civilização, mostrando como esta pode ser perdida em uma regressão ao barbarismo, mesmo após conquistada. Em segundo lugar, enfatiza que os sacrifícios pessoais necessários para construir a civilização podem não resultar em benefícios imediatos, mas apenas no longo prazo, muitas vezes após nossa própria vida. E, por último, sugere que, para estabelecer instituições civilizadas, a sociedade pode precisar liberar as paixões que normalmente tenta conter. O destino trágico do protagonista, Ethan, ilustra especialmente essa última verdade. Embora ele contribua para o estabelecimento da ordem civil, é impedido de desfrutar os benefícios dessa ordem. O preço da sua contribuição para a civilização é sua própria descida à barbárie, que é interrompida antes de atingir o fundo, mas ainda assim foi suficiente para torná-lo incapaz de desfrutar as vantagens de uma comunidade pacífica e organizada.

Ao contrário do herói típico do Velho Oeste, Ethan exibe traços heroicos, entremeados com uma aura sombria. Assim, Rastros de ódio explora as complexidades da natureza humana ao destacar a ambiguidade inerente à construção das figuras heroicas

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É possível harmonizar as virtudes pacíficas e guerreiras necessárias para preservar a vida política e defender a civilização contra ameaças externas? Embora Rastros de ódio sugira que essa integração pode ser difícil, se não impossível, outro filme, O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de 1962, oferece um vislumbre de esperança. Nele, um professor instrui sua classe sobre a igualdade proposta na Declaração de Independência dos Estados Unidos, destacando a necessidade de autocontrole para se ter a civilização. Ou seja, a construção de uma sociedade civilizada requer um esforço constante, pois exige equilibrar paixões com moralidade e reconhecer a igualdade fundamental entre os seres humanos, índios e colonos. Essa verdade só é estabelecida pela crença no único Deus, o Todo-Poderoso, o Senhor de Israel, que se revela na Escritura Sagrada. Clayton, Martin e a senhora Jorgensen reconhecem essa verdade em Rastros de ódio, e suas ações são consistentes com ela. Quando os Texas Rangers partem para recuperar Debbie, é o clérigo protestante Clayton que estabelece regras de engajamento estritas para a conduta dos membros do grupo, para evitar um comportamento bárbaro. Já Ethan reconhece essa verdade, mas de maneira imperfeita. Desenvolver uma sociedade que seja capaz de agir de maneira consistentemente alinhada com a moralidade exige reconhecer a igualdade de todos diante de Deus. Esse empreendimento é um esforço contínuo, nunca totalmente alcançado, e sujeito a ser constantemente minado pelas paixões que muitas vezes escravizam nossos próprios interesses. Filmes como Rastros de ódio oferecem uma oportunidade para reflexão mais ampla das virtudes e vícios da civilização, permitindo-nos apreciar os desafios enfrentados pelos pioneiros na construção da nação americana.

O maior dos westerns

Rastros de ódio teve um impacto significativo no status de John Wayne, já que sua atuação como Ethan trouxe uma profundidade e intensidade anteriormente ausentes em sua imagem no cinema. Mesmo não ganhando nenhum Oscar, Rastros de ódio foi um sucesso crítico e comercial. Desde seu lançamento, ele passou a ser considerado uma obra-prima e um dos maiores e mais influentes filmes já realizados. Foi nomeado o maior western americano pelo American Film Institute em 2008, e ficou em 12.º lugar na lista de 2007 da mesma organização dos 100 maiores filmes americanos de todos os tempos. A revista Sight & Sound do British Film Institute classificou-o como o sétimo melhor filme de todos os tempos com base em uma pesquisa internacional de críticos de cinema em 2012. Em 2008, a revista francesa Cahiers du Cinéma classificou Rastros de ódio como o décimo melhor filme em sua lista dos 100 melhores filmes já feitos. Em 1989, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos reconheceu Rastros de ódio como uma obra “culturalmente, historicamente ou esteticamente significativa”, e o incluiu, junto com Matar ou morrer, de 1952, em seu Registro Nacional de Filmes para preservação. Foi um dos primeiros 25 filmes a serem selecionados para essa honra.

Rastros de ódio desafia as convenções do western ao apresentar um herói ambíguo, Ethan Edwards, cujas conexões com os épicos gregos e romanos, como a Ilíada, a Odisseia e a Eneida, têm sido exploradas por estudiosos. Assim como no épico clássico, este filme também é uma mistura de mito e história. E, ao contrário do herói típico do Velho Oeste, Ethan exibe traços heroicos, entremeados com uma aura sombria. Assim, Rastros de ódio explora as complexidades da natureza humana ao destacar a ambiguidade inerente à construção das figuras heroicas. A narrativa mergulha nas tensões entre as virtudes necessárias para estabelecer a civilização e aquelas requeridas para sua preservação. Ethan não alcança um triunfo incontestável, mas luta contra seus próprios demônios e seu racismo, desafiando as noções simplistas de heroísmo. Isso leva os espectadores a refletir sobre os dilemas éticos da busca pela civilização na fronteira americana. Além disso, serve como uma advertência contra a idealização dos heróis tradicionais do Velho Oeste. Por meio das ações de Ethan, é sugerido que o heroísmo, quando desprovido de autocontenção, introspecção e empatia, e tendo uma compreensão imperfeita da centralidade de Deus na construção da civilização, pode resultar em consequências destrutivas tanto para o herói quanto para a sociedade. Em essência, o filme transcende os limites do típico western ao oferecer uma meditação profunda sobre as ambiguidades da civilização, do heroísmo e da condição humana. Ao desafiar narrativas convencionais, Rastros de ódio proporciona uma reflexão cativante e provocadora das complexidades inerentes à experiência da fronteira americana no século 19 – a mítica terra de redenção, liberdade, justiça e oportunidade.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]