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Cena de “Sound of Freedom”, filme sobre a luta contra o tráfico e a exploração sexual de pessoas.
Cena de “Sound of Freedom”, filme sobre a luta contra o tráfico e a exploração sexual de pessoas.| Foto: Divulgação/Angel Studios

Convidei Ana Carolina Peck Mafra para resenhar o filme Sound of Freedom (“O Som da Liberdade”), recém-lançado nos Estados Unidos e que, a despeito das críticas feitas por jornais progressistas, está fazendo grande sucesso de bilheteria em duas semanas de lançamento. Ana Carolina é mestre em Psicologia e atuou como psicóloga clínica e comunitária por mais de dez anos no Brasil. Foi professora universitária e mora nos Estados Unidos há seis anos com sua família. É fundadora da DoHope Internacional, uma organização que atua na área de pesquisa, treinamento e consultoria para a prevenção ao assédio sexual, violência contra mulheres e meninas, bem como na prevenção ao tráfico de pessoas. É membro da Associação Americana de Psicologia e da Sociedade Latino-Americana de Psicologia Comunitária. Tem também mestrado em Estudos Bíblicos e atualmente está finalizando o Doutorado em Ministério com ênfase em Engajamento Global.

O Som da Liberdade e o desconforto com a Verdade

“Você pode escolher olhar para o outro lado, mas nunca mais poderá dizer que não sabia.” (William Wilberforce)

Semana passada estreou nos Estados Unidos o filme Sound of Freedom (“O Som da Liberdade”), que narra a história de Timothy Ballard, o fundador da Operation Underground Railroad (OUR), uma importante organização americana que atua no resgate e cuidado de vítimas de tráfico humano. Ex-agente do Departamento de Segurança dos Estados Unidos, Ballard já era conhecido como porta-voz da causa e contribuiu para desmantelar múltiplas redes de pedofilia e pornografia infantil através de sua organização. Há anos recebe apoio de personalidades famosas como o coach motivacional Tony Robbins, mas agora, com o filme, vem ganhando destaque nas mídias. Juntamente com Glenn Beck, que é fundador-proprietário do The Blaze TV, Tim Ballard também preside o The Nazarene Fund, instituição parceira da OUR que tem como alvo apoiar as missões de resgate de pessoas vulneráveis ao redor do mundo.

Desde semanas antes do lançamento do filme, Ballard e Jim Caviezel (ator de A Paixão de Cristo e que faz o papel principal, como o agente) vêm participando em diversos canais promovendo O Som da Liberdade. Caviezel, que no filme consegue fazer transbordar pelo olhar sua indignação e dor diante da exploração e opressão de menores, conta que foi transformando pelo que descobriu durante as filmagens. O ator, em muitas entrevistas, aparenta estar abalado emocionalmente e assumiu agora, também, o papel de embaixador da causa do combate à exploração sexual.

O Som da Liberdade tem como missão revelar um pouco dos bastidores das histórias reais de pessoas, especialmente crianças, que são levadas para serem vendidas e exploradas sexualmente por todo o mundo

Recentemente, Ballard revelou que o filme foi gravado em 2020, mas encontrou diferentes obstáculos para ser veiculado. Inicialmente, a Fox era detentora dos direitos do filme, mas, após sua compra pela Disney, esta decidiu “deixar na estante” a história, afirmando que não havia interesse suficiente no roteiro. Os produtores resgataram a película e fizeram uma parceria com o Angel Studios, o mesmo da série The Chosen. O resultado? Nesta semana a produção bateu US$ 40 milhões em bilheteria. Só a estreia arrecadou mais de US$ 14 milhões em um dia, superando o valor de bilheteria do novo filme de Indiana Jones, que também chegou às telas recentemente. Meses antes, o Angel Studios havia lançado uma campanha inteligente chamada “pay foward”, em que motivava as pessoas a comprarem ingressos do cinema com antecedência, para que outros pudessem assistir ao filme gratuitamente. Os que já conheciam a reputação de Ballard e de sua organização compraram salas inteiras e doaram ingressos a amigos e desconhecidos.

O Som da Liberdade tem como missão revelar um pouco dos bastidores das histórias reais de pessoas, especialmente crianças, que são levadas para serem vendidas e exploradas sexualmente por todo o mundo. Para muitos, assistir a uma narrativa crua do que é o destino de milhares de crianças desaparecidas não é fácil. O filme pode parecer pesado e gerar profundo desconforto emocional, podendo decepcionar aqueles que vão ao cinema esperando encontrar algo como Busca Implacável, o filme de ação de 2008 estrelado por Liam Neeson e que conta a história de um pai, ex-agente da CIA, que resgata sua filha sequestrada por mafiosos albaneses na França para o tráfico sexual. Inspirado em fatos reais, mas com algumas licenças poéticas, este filme conta a história de como Tim Ballard entendeu seu chamado para resgatar e cuidar de vítimas desse crime hediondo.

Há mais de 15 anos atuando como pesquisadora da área de combate à exploração sexual, eu conheço bem os fatos. Já conhecia o trabalho de Ballard e lembro quando, em 2019, ao fazer um treinamento com a OUR, fui tomada por um sentimento de desalento e impotência diante dos detalhes das informações apresentadas por sua equipe. O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual vem sendo considerado como um dos crimes mais lucrativos em todo o mundo. O crescimento desse “mercado”, que movimenta cerca de US$ 32 bilhões por ano (sem considerar os sites de pornografia on-line), vem tornando esse “negócio” altamente lucrativo aos olhos dos criminosos, colocando este crime em terceiro lugar no ranking dos negócios ilícitos mais lucrativos do mundo. As mulheres adultas representam 49% de todas as vítimas do tráfico humano; somando-as às menores de 18 anos, 72% das vítimas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual são do sexo feminino.

Hoje, estima-se que entre 100 mil e 300 mil crianças são exploradas comercialmente nos Estados Unidos a cada ano. Todavia, de acordo com a Associação Nacional de Procuradores do país, cerca de 2,4 milhões de crianças fogem de casa todos os anos (dados dos EUA) e um em cada três adolescentes sem-teto são atraídos para a prostituição dentro de 48 horas após saírem de casa. Isso quer dizer que pelo menos 800 mil crianças fugitivas serão conduzidas para a exploração sexual comercial no próximo ano, mas aparecerão nos dados nacionais como pessoas desaparecidas e não como pessoas vitimas da exploração sexual. Essas crianças e adolescentes, que podem ou não ter vindo de um ambiente familiar problemático, crescerão em meio a situações de exploração e violência, e continuarão a acreditar que a prostituição e a venda do corpo para produção de material pornográfico são o único caminho para sua sobrevivência.

As histórias retratadas no filme são apenas a pontinha de um imenso iceberg de informações às quais nós, que atuamos na área de combate à exploração sexual, temos acesso todos os dias. Todavia, é comum encontrar pessoas que desconfiam da veracidade dessas histórias. Há quem ainda acredite que todas as pessoas que se vendem para a prostituição o fazem por escolha de vida. Confesso que, quando assisti ao filme, fui tomada por uma sensação de gratidão e alívio, acreditando que este seria um marco que traria luz sobre o tema. Pensei em como a história facilitaria nosso trabalho de conscientizar as comunidades, e em como pais e mães ficariam agora mais atentos aos perigos da vida real. Todavia, a batalha está longe de ser ganha. Não faltam pessoas dispostas a lutar contra a conscientização e o combate ao tráfico, mas existe uma corrente contrária que é empurrada por grupos de pessoas que preferem viver na mentira e negar a verdade.

Aqui, nos Estados Unidos, o filme não está recebendo apenas aplausos, e muitas denúncias feitas pelo filme têm sido descreditadas. A famosa revista Rolling Stone rapidamente publicou um artigo alegando que o filme estaria alimentando as teorias QAnon e que este seria “um filme de super-heróis para pais com vermes cerebrais” que “é projetado para apelar para a consciência de um boomer viciado em conspiração”. O Washington Post seguiu a mesma linha: afirmou que muito do filme é ficção e descreve o ator Jim Caviezel como sendo extremista e adepto de teorias da conspiração. O The Guardian chamou o filme de “auxiliar do QAnon seduzindo a América” e critica o fato de que Caviezel, além de promover o filme, palestra em eventos sobre o tema do tráfico infantil. Caviezel e Ballard, é claro, rebatem as críticas com uma simples declaração: o filme não é ficcional, é uma história real vivida por Ballard. Como pode ser uma teoria de conspiração?

Acusações feitas ao filme mostram que existe uma corrente contrária, empurrada por grupos de pessoas que preferem viver na mentira e negar a verdade

O que motiva tantas críticas a uma causa tão nobre? Fico a pensar se não existe um grupo de pessoas que seleciona de maneira intencional uma agenda especifica para apoiar. Em meu trabalho de pesquisa sobre o assunto, encontro constantemente pessoas que se dizem defensoras das escolhas individuais sobre questões de gênero e aborto, mas se calam diante dos milhares de casos de exploração sexual. Confesso que por vezes é difícil entender a lógica por trás de organizações que afirmam combater em nome da justiça social, mas que se opõem às denuncias ricas em evidências sobre a exploração sexual infantil. Quando verdades escuras e sombrias são reveladas, especialmente aquelas que revelam a natureza caída dos seres humanos, uma multidão de gente “paz e amor” se levanta para o ataque.

Uma das críticas comuns a O Som da Liberdade vem do fato de que ele seria “baseado na fé cristã” (“faith based”) e que, por causa disso, a história é enviesada. De fato, tanto Ballard quanto Caviezel se identificam como cristãos e falam abertamente sobre sua fé em Jesus Cristo. A The Nazare Fund, agência que patrocina as operações de Ballard, além de se identificar como uma organização cristã, descreve em seu site que sua missão é trabalhar para “libertar os cativos, libertar os escravizados e resgatar, reconstruir e restaurar as vidas dos cristãos e outras minorias étnicas e religiosas perseguidas onde e quando estejam precisando”.

Ao avaliar o sucesso financeiro do filme, que em um fim de semana já havia batido a casa dos US$ 18 milhões, o The Guardian escreveu: “Não importa que esses números exijam um enquadramento seletivo, quase intencionalmente enganoso, para permitir a narrativa de Davi e Golias alardeada por seus apoiadores”. E continuou dizendo que nos bastidores do filme haveria “uma constelação de paranoicos agora tentando criar uma causa célebre de um filme com tendências vagamente simpáticas”. Esse tipo de discurso apelativo, quase imoral, com a intenção de descontruir as ações bem-sucedidas de cristãos nos Estados Unidos tem se tornado cada dia mais comum.

Ataques contra quem se atreve a denunciar o problema também são comuns no Brasil. As críticas são geralmente dirigidas ao trabalho de cristãos brasileiros, como foi o caso da ex-ministra Damares Alves. Ávida por denunciar os abusos cometidos contra a infância, Damares expôs no site do então Ministério da Família que, para cada quatro casos de meninas abusadas, apenas um era denunciado às autoridades, o que dava ao Brasil, segundo ela, o título de pior lugar da América do Sul para se nascer menina. Damares trouxe à luz a violência e exploração sofridas pelas meninas na Ilha de Marajó. Todavia, em vez de os movimentos da chamada “justiça social” criarem ações para o resgate e cuidado das vítimas, criando mecanismos de apoio à ministra, optaram por atacar Damares de forma impetuosa. Expuseram com ironia seu passado de abuso sexual e destilaram mentiras ad hominem para tentar deformar sua credibilidade.

Apesar das mentiras espalhadas e da insistência da mídia em desacreditar os trabalhos sociais realizados por cristãos, é possível identificar muitas histórias bem-sucedidas que prosperaram exatamente porque seus autores eram cristãos. Eles enxergam o mundo a partir da premissa de que homens e mulheres possuem uma natureza caída corrompida pelo pecado, que pode ser transformada apenas em comunhão com o Cristo. Sabem que os seres humanos são capazes de todo mal, inclusive o de vender crianças para exploração sexual ou para extração de órgãos. Para estes, o sofrimento do mundo está exposto para quem quiser ver, todos os dias. E sua missão, portanto, é agir como parte de um corpo que representa a justiça e o amor divino na terra.

Mas existem outros, pseudocristãos, muitos dos quais se dizem parte dos movimentos da chamada “justiça social” de esquerda, que preferem gastar horas a fio filosofando e tentando identificar quem seriam os oprimidos pela sociedade, construindo infinitos debates acadêmicos sobre as raízes estruturais da opressão de classes. Estes “analisam criticamente” todos os trabalhos feitos por cristãos e os acusam de serem machistas e misóginos.  Dizem que fazem as coisas por interesses escusos, ou apenas porque querem evangelizar as pessoas. Ao se depararem com uma verdade irrefutável, como a que nos apresenta O Som da Liberdade, gritam, histéricos, que “é teoria da conspiração”! É provável que isso decorra do fato de que para essas pessoas o único modelo de justiça seja o woke, um modelo pseudofilosófico com pitadas neomarxistas e símbolos sequestrados de seu significado original.

Quando verdades escuras e sombrias são reveladas, especialmente aquelas que revelam a natureza caída dos seres humanos, uma multidão de gente “paz e amor” se levanta para o ataque

Para explicar, o termo woke, incluído nos dicionários com a definição atual por volta de 2017, é hoje definido como “o ato de estar consciente e ativamente atento a fatos importantes, e especialmente questões de justiça racial e social” e sua relação com estruturas históricas de opressão. No Brasil, foi traduzido como “lacrar” ou “lacração”. Esse wokismo prega a necessidade de se estar alerta para injustiças invisíveis perpetradas contra classes de pessoas sem poder – assim explica Vivek Ramaswamy em Woke, Inc.: Inside Corporate America’s Social Justice Scam –, especialmente aquelas ligadas às políticas identitárias.

As pessoas que vivem dentro dessa bolha woke não encaram a realidade dos fatos. Especialmente aquelas verdades que expõem as mazelas da natureza humanas e que quebram a fantasia infantil de que o ser humano é intrinsicamente bom. Essas pessoas não acreditam na autorresponsabilização, nem na necessidade de punição severa para criminosos, e conseguem vitimizar até o mais vil traficante pedófilo infantil. Neste caso, é útil dizer que os cristãos acreditam em inferno exatamente porque enxergam a terrível realidade nua e crua dos fatos. Por isso, acreditam também que é preciso um punhado de homens corajosos para salvar os oprimidos do mal. Homens fortes que são lideres e não se constrangem com sua masculidade. Pessoas ao estilo de Tim Ballard, com o coração amoroso, temente a Deus, mas que é homem o suficiente para enfrentar bandidos.

Enquanto a pessoa woke afirma estar alerta às “desigualdades sociais invisíveis”, dizendo usar as ferramentas identitárias para identificar os que sofrem, nós, cristãos, temos pressa. Não é possível perder tempo escolhendo apenas uma classe social ou um gênero a ser defendido. É possível encontrar gente sofrendo em todas as classes, de todos os gêneros, de todas as tribos, povos, línguas e nações. Para as opressões invisíveis, as armas são espirituais. E, para a transformação humana completa, é necessária a restauração da comunhão entre criatura e Criador.

Enquanto uns vivem firmados na Verdade, outros optam por viver um conto de fadas estranho, que se passa em um mundo descolado da realidade, onde criminosos recebem nomes fofos e inofensivos, como “pessoas atraídas por menores”

Diante disso, fica fácil saber de que lado vêm os ataques ao filme O Som da Liberdade, assim como é fácil identificar de onde irradiam as palavras de ódio contra cristãos que atuam nas chamadas pautas sociais. Enquanto uns encontram em sua fé forças para guerrear contra as piores injustiças da terra, outros preferem filosofar e atacar aqueles que trabalham a favor da libertação dos verdadeiros oprimidos. Enquanto uns vivem firmados na Verdade e sabem que a realidade dos fatos revela o coração corrompido dos seres humanos, outros optam por viver um conto de fadas estranho, que se passa em um mundo descolado da realidade, onde criminosos recebem nomes fofos e inofensivos, como “pessoas atraídas por menores”.

Para os que optam por enfrentar com coragem a dura realidade exposta pelas mazelas humanas, fazendo esforço para trabalhar, deixo aqui minhas palavras de ânimo. Você não está sozinho! Desde o início da história cristã existem pessoas lutando, munidas de uma inquietação profunda com as injustiças, mas apoiadas em fundamentos que não carecem de novos aparatos ideológicos sobre justiça social. Contudo, prepare-se para uma vida de ataques. Especialmente por parte daqueles que escolhem olhar para o outro lado.

Eu me junto àqueles que escolhem viver motivados pelas belas palavras do abolicionista William Wilberforce: “Viver nossas vidas e perder aquele grande propósito para o qual fomos projetados é realmente um pecado. É inconcebível que possamos ficar entediados em um mundo com tantos erros para enfrentar, tanta ignorância para alcançar e tanta miséria que poderíamos aliviar.”

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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