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Ministro da Fazenda, Fernando Haddad: governo precisa de pelo menos R$ 100 bilhões adicionais em receita para equilibrar as contas em 2024.
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.| Foto: Foto: Pedro Gontijo/Senado Feder

O desafio do ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) no segundo semestre é diferente do primeiro: buscar aumento de receitas e conseguir cumprir a promessa de zerar o déficit público — algo que ocorreu somente uma vez desde 2013 — já no próximo ano. Há implicações relacionadas à dívida pública e as expectativas dos agentes econômicos, mas também implicâncias políticas: a depender do resultado primário haverá obrigatoriamente contingenciamento orçamentário em ano de eleições municipais, o que pode desagradar aliados do governo que farão campanha. Contudo, cumprir essa promessa não é tarefa nada fácil.

A ministra de Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB) apresentou o Plano Plurianual (PPA) para os anos 2024-2027 que prevê R$ 13,3 trilhões, com destaque para recursos a serem distribuídos em combate à fome e redução das desigualdades, educação básica, saúde, neo industrialização, o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e combate ao desmatamento. A ministra também participou de audiência pública na Comissão Mista de Orçamento (CMO), para debater o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, que precisa ser aprovado pelo Congresso. E, como diz o ditado, “o diabo está nos detalhes”.

Os campos de batalha para Fernando Haddad cumprir a promessa de déficit zero são muitos, e não será nada fácil.

Entre as previsões do orçamento há R$ 61 bilhões destinados ao PAC e ao reajuste do salário mínimo, com proposta de R$ 1.421, um aumento de 7,6%. Tebet endossou as falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) a respeito da manutenção da regra de déficit zero em 2024, meta considerada “impossível” até por integrantes da base, como o deputado Lindbergh Farias (PT/RJ) já externou publicamente.

Para cumprir a promessa, o cálculo do governo estima que é preciso arrecadar mais R$ 168 bilhões. A PLOA 2024 é otimista: define que a receita crescerá 2,43% em termos reais (descontada a inflação) em comparação a 2023 para as despesas subirem 1,70%. Apesar da confiança dos ministros, o projeto estima que o PIB crescerá 2,3% no ano. O desafio é tamanho que, segundo o Boletim Focus, a expectativa do mercado atualmente é de crescimento de 1,33%. Mais do que isso: a economia no Brasil cresceu mais do que 2% em um ano em somente duas oportunidades na última década.

Diante da dificuldade, o governo tem buscado aumentar as fontes de arrecadação. Estão em tramitação no Congresso Nacional projetos que estabelecem o retorno do Voto de Qualidade do Carf, a Taxação de Offshores e de Fundos Exclusivos, o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), apostas esportivas, entre outras ações. A exceção do PL do Carf, cujo impacto fiscal foi bastante mitigado em seu relatório aprovado na Câmara dos Deputados, todos os demais projetos devem enfrentar dificuldades em sua tramitação para serem aprovados.

E mesmo se o forem, qual será o impacto na receita? Uma crítica comum após os anúncios de expectativas de arrecadar com cada medida foi que os levantamentos com cálculos não foram divulgados, o que levanta a suspeita em Brasília de que os tais bilhões estão superestimados. No caso das apostas esportivas, por exemplo, a variação entre diferentes números já apresentados ao debate público está entre R$ 11,3 bilhões até R$ 2 bilhões em 2024, cifra quase seis vezes menor.

O governo federal buscou se aproximar de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para que decisões em julgamentos na matéria tributária ajudem na arrecadação dos próximos anos. Pode ter surtido efeito, haja vista que o primeiro semestre de 2023 foi vitorioso para a União em dois terços dos julgamentos tributários. O impacto para o bolso dos contribuintes será de potencial arrecadação adicional de até R$ 210,8 bilhões. Entre as ações estavam a quebra da coisa julgada em matéria tributária, incidência de PIS e Cofins sobre receitas dos bancos e a inclusão de benefícios de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e CSLL. Independente se a aproximação política teve ou não impacto nas decisões, uma análise inegável é que, ao menos até aqui, essas decisões do Judiciário ajudaram o governo e a busca pelo cumprimento da meta de Haddad. Há mais julgamentos previstos no segundo semestre no STF, como a regulamentação da cobrança de Difal de ICMS.

Outro campo de batalha está nas estatais, cujos lucros foram recordes e ajudaram a fechar o orçamento em 2022, ainda no governo Bolsonaro. A mudança da política de distribuição de dividendos da Petrobras anunciada em julho por seu Conselho de Administração pode dificultar o resultado fiscal, haja vista que a União, como acionista, também é recebedora de dividendos.

Diante de tantas dificuldades, há busca por soluções criativas. Uma das estudadas pelo governo é a alienação de recebíveis da Pré-Sal Petróleo (PPSA) nos contratos de petróleo celebrados pelo regime de partilha. Essa antecipação significa abrir mão de receitas futuras e antecipar boa parte dos ganhos da União no curto prazo. A expectativa seria arrecadar R$ 150 bilhões com a medida. Entre os benefícios citados pelo governo estaria deixar de assumir riscos de queda nas cotações do barril do petróleo, bem como riscos operacionais que eventualmente interrompam as atividades da produção. O sucesso dessa transação não é certo, considerando estarmos em um ciclo de queda de juros, o que torna os recebíveis uma opção menos vantajosa em comparação a outros ativos para os investidores. O problema é que agentes de mercado não costumam ter uma percepção positiva diante de tentativas não tradicionais de compor o orçamento da União. Isso pode significar aumento de risco-país e nas expectativas de inflação futura. Ou seja, a depender da condução do programa da PPSA, ao trocar receitas do futuro e comprometer em despesas correntes no presente, pode-se estar chocando o “ovo da serpente”.

Como se vê, os campos de batalha para Fernando Haddad cumprir a promessa de déficit zero são muitos, e não será nada fácil. Contudo, há um desafio político adicional: boa parte do governo Lula e da base no Congresso, ansiosa por maiores fatias no orçamento e novas despesas, não joga a favor do ministro da Fazenda.

Luan Sperandio é graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo e MBA na Fucape Business School. Analista político, Conselheiro e Coordenador de Operações da Ranking dos Políticos, foi Diretor do Instituto Livre Mercado, que atua em Brasília. Foi eleito Top Global Leader do Students for Liberty em 2017. É ainda colunista de Folha Business e associado do Instituto Líderes do Amanhã.

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