| Foto: Dorivan Marinho/STF
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O julgamento de um caso que está na Justiça há mais de 20 anos pode mudar completamente as relações trabalhistas entre estatais e seus empregados. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir em breve se as empresas públicas podem dispensar funcionários sem motivação formal. Hoje, as demissões em estatais só ocorrem por justa causa ou por meio de programas de incentivo à demissão e aposentadoria (PDVs).

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Um parecer assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no entanto, defende mudanças nessa situação. Para a PGR, todas as estatais que atuam em regime de concorrência podem demitir trabalhadores sem ter de apresentar qualquer justificativa.

Tudo começou com a demissão de cinco empregados pelo Banco do Brasil no Ceará, em 1997. Os servidores entraram com ação na Justiça do Trabalho para serem reintegrados e venceram a disputa na primeira instância, mas perderam na segunda e na terceira. Em 2012, o caso chegou ao STF, que terá de decidir se a dispensa sem motivação é constitucional. A relatoria é do ministro Alexandre de Moraes e o caso está pronto para ser pautado.

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Como há várias ações semelhantes na Justiça, o caso foi escolhido para ter repercussão geral – ou seja, a decisão que o STF tomar terá efeito sobre todas as 197 estatais de controle direto e indireto da União. Há 476.644 empregados nessas empresas, a maioria nos Correios, Petrobras, Caixa e no próprio BB.

Os empregados de estatais entram nas empresas por meio de concurso público, mas não têm o mesmo status de funcionários públicos. Os servidores possuem contratos de trabalho em um regime jurídico especial – chamado de estatutário – e têm estabilidade garantida (ou seja, dois anos depois da posse e de uma avaliação de desempenho protocolar, não podem ser demitidos).

Já os empregados de estatais trabalham pelo regime de CLT, não possuem estabilidade formal e têm direito a FGTS e à multa de 40% em caso de dispensa sem justa causa, ainda que demissões em estatais sejam raras.

O número de empregados em estatais atingiu o ápice em 2014, quando havia 552.856 funcionários. Em cinco anos, até o fim do ano passado, 76.212 haviam deixado as empresas públicas, a maioria por planos de demissão e aposentadoria incentivadas. Entre 2016 e 2020, considerando apenas BB, Caixa, Correios, Eletrobrás e Petrobras, 49.607 empregados aderiram a propostas dessa natureza.

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Perfil dos empregados das estatais

Em média, os funcionários dessas cinco companhias têm entre 43 e 48 anos de idade e de 14 a 18 anos de casa. A remuneração média mais baixa é a dos Correios, de R$ 4.118,00, seguida pelo BB, de R$ 7.796; Caixa, de R$ 10.317; e Eletrobrás, de R$ 11.227. A maior é a da Petrobras, de R$ 19.664.

Para Augusto Aras, as estatais que concorrem com empresas privadas devem ter mais liberdade para demitir empregados. A PGR avalia que esse é o caso do BB, marcado "pelas características de explorar atividade econômica em sentido estrito, de ter suas ações negociadas na Bolsa de Valores e de visar ao lucro". Ter de justificar toda e qualquer demissão acarretaria "grave desvantagem na competição do mercado bancário", diz Aras.

Como a decisão do STF terá repercussão geral, as principais estatais acompanham o caso com atenção. Procurados, BB e Caixa não comentaram. Os Correios informaram que "poderão oportunamente se manifestar, após o fim do processo".

A Eletrobrás disse ter tomado ciência da "importante manifestação da PGR" e informou que vai "examinar cuidadosamente sua extensão e alcance nas suas atividades e nas de suas controladas". A Petrobras afirmou que acompanha os desdobramentos dos processos judiciais sobre o tema e reforçou não haver qualquer previsão de demissão em massa.

O Ministério da Economia é favorável à dispensa imotivada em estatais. Para a pasta, elas devem seguir o regime jurídico das empresas privadas, inclusive em matéria trabalhista. "Oportuno observar que este é, inclusive, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho."

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Sindicatos veem perseguição na regulação das demissões

O julgamento no Supremo Tribunal Federal é acompanhado de perto pelos sindicatos que representam categorias que estão entre as mais fortes do país. Para eles, trabalhadores que entraram nas estatais e nas sociedades de economia mista o fizeram por concurso público, uma modalidade de seleção que visa a assegurar a isonomia e a impessoalidade.

Por isso, o caminho inverso, ou seja, a demissão, também precisaria preservar esses princípios, diz o advogado Alexandre Simões Lindoso. Ele atua para a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) - que representa empregados da Eletrobrás - e para a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect).

"Há que se ter justificativa pautada no interesse público para haver desligamento de trabalhadores. Senão, abre-se possibilidade para que um chefe se vingue de um funcionário que descubra alguma irregularidade ou substitua um trabalhador mais qualificado por um amigo. Vários motivos, não os mais nobres, podem dar ensejo a atos que não tenham fundamento na primazia do interesse público", afirmou Lindoso.

A presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores (Contraf/CUT), Juvandia Moreira, avalia que a demissão sem motivo pode gerar perseguições políticas e ideológicas de funcionários. "A demissão já é possível quando há falta grave, mas não pode ocorrer porque o chefe não gosta de você. Esperamos que o STF tenha bom senso, diante da situação que o País vive", disse ela.

Para Juvandia, os bancos públicos não precisam de mais liberdade para demitir empregados. Segundo ela, mais de 30 mil funcionários deixaram as instituições financeiras nos últimos anos. "A falta de empregados se reflete na piora dos serviços. Basta ver as enormes filas na Caixa relacionadas ao pagamento do auxílio emergencial."

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Entre os empregados da Petrobras, também há apreensão em relação ao julgamento, diz o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar. Para ele, a dispensa deve ser justificada para impedir que o governo use seu poder para fazer indicações e transformar as empresas em um "cabide de empregos".

"É óbvio que o parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República) tem o intuito de ajudar o governo no processo de privatizações. Esperamos que o STF atue de acordo com sua missão, que é a de resguardar a Constituição", disse Bacelar. A venda de estatais e subsidiárias é uma das principais preocupações da FUP. Quando a Petrobras vendeu a BR Distribuidora, 700 empregados foram dispensados, segundo ele. Quem permaneceu na empresa, perdeu parte da renda e teve de migrar para um plano de saúde considerado inferior, acrescentou Bacelar.

Correios e estatais em regime de monopólio precisam justificar demissões

O parecer do procurador-geral Augusto Aras autorizando as demissões sem justa causa nas estatais tem uma ressalva. Para ele, estatais que atuam em regime de monopólio ou responsáveis pela execução de políticas públicas têm a obrigação de motivar demissões em ato formal. Essas empresas teriam "privilégios decorrentes do interesse público que motiva o monopólio" e "restrições de direito público próprias da administração".

Por essa análise, poucas empresas teriam de justificar demissões – entre elas, os Correios, detentores do monopólio postal; Eletronuclear, Nuclep, INB e Amazul, relacionadas ao setor nuclear; e Casa da Moeda, única autorizada a fabricar dinheiro.

Para Lindoso, mesmo os Correios atuam em regime concorrencial na área de encomendas. Esse entendimento concederia status diferenciado para empregados de uma mesma empresa.

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No caso específico dos Correios, o STF decidiu, em 2018, que as demissões precisam ser motivadas por ato formal. Não é necessário um processo administrativo, mas uma justificativa que possibilite ao empregado contestá-la. Ainda assim, a categoria acompanha o processo relacionado ao BB pelo caráter de repercussão geral.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]