Desde a divulgação, nesta terça-feira (22), de um áudio em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, sugere favorecimentos na distribuição de recursos da pasta com a participação de dois pastores que atuariam informalmente no gabinete do ministro, vários prefeitos passaram a fazer relatos de como teriam ocorrido os encontros com os interlocutores.
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De acordo com as denúncias, haveria um esquema de facilitação da distribuição de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que concentra verbas federais para transferências aos municípios. Os recursos são destinados a construção de creches, escolas e quadras esportivas, melhorias de infraestrutura nas instituições de ensino, dentre outras finalidades.
O suposto esquema seria encabeçado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que supostamente priorizariam a liberação de verbas para prefeitos mediante contrapartidas financeiras. Os religiosos não possuem cargos no governo federal e, portanto, não teriam autorização para negociar valores. Os encontros aconteciam informalmente a convite dos pastores para almoços após reuniões formais nas quais estava presente o ministro. Segundo os relatos, as conversas sobre supostos favorecimentos não ocorriam na presença de Ribeiro.
Desde a revelação do áudio, ao menos quatro gestores municipais se manifestaram expondo como as tratativas teriam acontecido. Veja abaixo os relatos:
Gilberto Braga (PSDB), prefeito de Luís Domingues (MA): O gestor afirmou, em entrevista gravada para o Estadão, que o pastor Arilton Moura teria pedido R$ 15 mil antecipados e mais um quilo de ouro para dar andamento às demandas da prefeitura junto ao Ministério da Educação (MEC). A conversa com o intermediador teria ocorrido em abril do ano passado durante um almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília, após reunião com Ribeiro. O encontro, fora da agenda oficial do ministro, teria sido solicitado pelo próprio Moura e pelo pastor Gilmar Santos.
Braga afirmou ainda que os pastores não faziam nada escondido. “Ele (Arilton) falou, era um papo muito aberto. O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões, para outro, tantos milhões’”, afirmou.
Na tarde desta quinta-feira (24), o gestor publicou uma nota oficial em suas redes sociais afirmando que não pagou a “taxa” solicitada por Moura e ainda não recebeu os recursos que solicitou no MEC.
Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito de Bonfinópolis (GO): de acordo com relatos de Pinheiro a veículos de imprensa nesta quinta-feira, no mesmo restaurante do relato anterior, em março de 2021, Moura teria solicitado R$ 15 mil ao gestor. O valor seria metade do valor “normalmente cobrado”, de acordo com a alegação do prefeito, que disse que tentava obter verbas para a construção de uma escola.
Segundo Pinheiro, o pastor disse: "Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, para os outros, foi até mais”, contou o prefeito ao G1. Ele, que afirma ter negado a proposta, disse que Moura ainda teria pedido uma contribuição financeira para a construção de uma igreja.
José Manoel de Souza (PP), prefeito de Boa Esperança do Sul (SP): Souza disse ao Estadão que no ano passado teria sido convidado por Moura para ir a um restaurante em um hotel em Brasília - depois de uma reunião no MEC. Lá, o pastor teria oferecido a implementação de uma escola profissionalizante na cidade. “Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”, afirma o prefeito, que teria tido como resposta que poderia ter a escola na hora, porém a contrapartida seria um depósito de R$ 40 mil ao pastor.
Fabiano Moreti (MDB), prefeito de Ijaci (MG): O gestor afirmou que após diversas tentativas de conseguir um encontro com o ministro da Educação para obter verba para a construção de uma quadra e uma creche, em janeiro do ano passado, ele teria conseguido uma agenda com Ribeiro e com o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, por intermédio de Santos e Moura.
“O pastor tem mais moral que deputado. Eu sou aliado de deputados que não conseguem uma agenda para mim com o ministro. Conseguem com superintendentes e outros ocupantes de cargos menores”, disse Moreti ao O Globo. O prefeito relatou que conseguiu os recursos, mas não citou contrapartidas por parte dos intermediadores.
Gilmar Santos nega as acusações
O pastor Gilmar Santos publicou, na noite desta quarta-feira (23), uma nota oficial na qual nega sua participação na interlocução entre prefeitos e órgãos técnicos do MEC. Ele também negou que tenha influência sobre Milton Ribeiro e que tenha feito petições ao presidente Jair Bolsonaro.
“(...) Nunca houve de minha parte interferência nas relações institucionais do MEC para com os entes municipais, seja diretamente, com seus representantes legais, ou indiretamente, por delegatórios de qualquer ordem. Assim, também, é repugnante a fake news de que sou lobista e, com isso, atuaria no afã de receber verba pública, conforme noticiado em diversos veículos de comunicação”, diz.
De acordo com informações do O Globo, Santos deu início, no último dia 8 de março, aos trâmites para criar uma faculdade. A "Faculdade ITCT" foi aberta na Junta Comercial de Goiás e no contrato social da empresa consta o investimento de R$ 100 mil. Nas redes sociais, ele se apresenta como diretor do ITCT.
Já Arilton Moura não se manifestou publicamente sobre o caso.
Milton Ribeiro afirma que no ano passado fez denúncia à CGU sobre atuação de um dos suspeitos
Em entrevistas à CNN e à Jovem Pan News, na noite desta quarta-feira, Ribeiro disse que após ter ciência de possíveis irregularidades em intermediações com prefeitos a partir de uma denúncia anônima, em agosto de 2021 apresentou à Controladoria-Geral da União (CGU) uma denúncia na qual Moura é um dos investigados.
“O assunto [da denúncia] era que havia uma possível mediação de uma conversa que não era uma conversa que eu achava boa. Então, diante dessa conversa eu não fiquei de braços cruzados”, declarou.
A assessoria da CGU confirmou que houve a abertura da investigação em setembro do ano passado e informou que a apuração constatou “possíveis irregularidades cometidas por terceiros”. As apurações foram repassadas à Polícia Federal por haver indício de oferta de vantagem indevida para liberação de verbas do FNDE.
Ainda na entrevista, o comandante do MEC confirmou que Bolsonaro pediu que os dois pastores fossem recebidos pelo ministro, mas disse que não houve pedido, por parte do presidente, de algum tipo de “tratamento especial” aos pedidos de ambos. Segundo ele, Moura e Santos eram recebidos no gabinete por estarem acompanhando prefeitos para reuniões de ordem técnica no MEC, mas não exerciam nenhum expediente no ministério.
“Normalmente esses prefeitos que acompanhavam o pastor tinham alguma ligação com a igreja. O que eles estavam fazendo é dando voz a prefeitos e líderes de comunidades e cidades bem pequenas”, disse o ministro. Ribeiro também negou que houvesse ordens para dar celeridade a pedidos de liberação de verba.
Quanto ao “apoio sobre construção de igrejas” citado pelo ministro no áudio, ele argumenta que esse apoio se daria não em contrapartidas financeiras, mas na presença dos prefeitos nos cultos ou eventos de igrejas.
O mandatário do MEC disse que, em conversa telefônica, Bolsonaro teria dito que não viu “nada demais” no conteúdo do áudio divulgado e que confiava no ministro. Ribeiro afirmou também que não tem intenção de deixar o cargo.
Além de Ribeiro, o presidente Jair Bolsonaro também falou sobre a investigação da CGU durante a live desta quinta-feira (24). De acordo com o presidente, a investigação da CGU durou seis meses e não encontrou nenhuma irregularidade com participação de servidores públicos.
Bolsonaro também defendeu o ministro e disse que o chefe da pasta da Educação tomou as providências necessárias. “Eu boto a minha cara no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia com ele”, disse o presidente.
Sobre o suposto tráfico de influência, Bolsonaro afirmou que os prefeitos que teriam recebido os pedidos de vantagens indevidas devem ser ouvidos pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República e terão de apresentar as provas das acusações contra os pastores.
Cármen Lúcia autoriza abertura de investigação
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de investigação contra o ministro da Educação, Milton Ribeiro, por causa das acusações de possível facilitação para liberar recursos do Ministério da Educação (MEC) e suposto tráfico de influência dentro da pasta. O pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Supremo na quarta-feira (23).
Além de Ribeiro, a ministra autorizou que a investigação contra Gilmar Santos, Arilton Moura - os dois pastores que atuariam informalmente no MEC para a interlocução com os prefeitos -, e outras cinco pessoas.
Cármen Lúcia determinou ainda a expedição de oficio ao Ministério da Educação e à Controladoria-Geral da União, para que, "no prazo máximo e improrrogável de quinze dias, esclarecerem o cronograma de liberação das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e os critérios adotados".
A ministra do STF também fixou prazo de 30 dias para que as autoridades policiais façam as diligências necessárias e determinou que os autos sejam encaminhados à Polícia Federal.
Em Brasília, Senado convoca ministro; bancada evangélica mantém neutralidade
Após reunião com parlamentares nesta quarta-feira (23), o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), definiu a postura que a bancada adotará sobre Ribeiro: exigir esclarecimentos sobre as acusações e, "de forma alguma pedir a cabeça" do ministro. Em coletiva à imprensa, Cavalcante declarou que a bancada não vai pressionar pela demissão do ministro. "Não fomos nós que o indicamos, logo, não somos nós que vamos tomar uma posição para retirá-lo", ponderou.
Nesta quinta-feira, a Comissão de Educação do Senado aprovou o envio de um convite ao ministro da Educação para participar de uma audiência na Casa para dar explicações sobre as denúncias. A sessão está marcada para a próxima quinta-feira (31). Os senadores pediram também o comparecimento de Márcio Lopes da Ponte, presidente do FNDE, dos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura; além de prefeitos que deram relatos sobre o suposto esquema.
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