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Passageiros de máscara
Passageiros de máscara em aeroporto internacional de São Paulo, fevereiro de 2020.| Foto: EFE/ Sebastião Moreira

A nova determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que prevê o retorno da máscara obrigatória em aeroportos e aviões a partir de sexta (25), vai na contramão do que estudos científicos têm apontado sobre a eficácia do item como medida de proteção contra o novo coronavírus e suas subvariantes. Em novembro de 2021, a Cochrane, respeitada organização médica, revisou 67 estudos a respeito e concluiu que as máscaras fazem pouca ou nenhuma diferença na quantidade de pessoas que se infectam com doenças respiratórias como a Covid. Mesmo se forem máscaras especiais como a N95.

Meses antes, um estudo dinamarquês, publicado na Annals of Internal Medicine, envolveu quase cinco mil pessoas e não encontrou diferença nas infecções por Covid entre o grupo com máscara e o grupo sem máscara. Cautelosos, os autores, liderados por Kasper Iversen, do Hospital Universitário de Copenhague, dizem que seus resultados são inconclusivos.

No início deste ano, saiu na revista Science um estudo controlado e randomizado (ECR) que foi considerado por muitos cientistas a demonstração da eficácia das máscaras. Realizado em Bangladesh por pesquisadores de Yale, o estudo envolvia 330 mil pessoas em 572 vilas rurais e mostrava uma redução de 10% de sintomáticos e infectados com uso de máscaras de tecido e cirúrgicas. Contudo, muitas ainda são as dúvidas sobre a probidade metodológica dessa pesquisa.

Apesar da aparente grande amostra, a diferença entre infectados e não infectados nos grupos era minúscula, de apenas 20 pessoas. Além disso, não foram os indivíduos os distribuídos ao acaso, mas as vilas. Outros problemas foram apontados: os pesquisadores só sabiam das infecções se os infectados voluntariamente as relatassem. Ou seja, se poucas pessoas infectadas que estavam no grupo com máscara preferiram não relatar seus sintomas leves, o estudo já estaria invalidado. Outros problemas foram apontados em uma publicação acadêmica que essencialmente fez o ECR de Bangladesh cair em descrédito.

Falta rigor científico

Embora haja outras pesquisas indicando que o uso das máscaras é eficaz em barrar as infecções, como uma realizada recentemente com crianças em escolas de Boston, nos EUA, ainda falta maior padrão de rigor científico. Em ciência, é raro que hipóteses falsas não tenham nenhuma evidência favorável a elas. Dessa forma, a prioridade deve estar em julgar a qualidade das evidências disponíveis.

Estudos médicos lidam com evidências que têm graus de rigor e qualidade diferentes. Do menor rigor para o maior, que levam dos resultados mais incertos aos mais firmes, eles podem ser classificados em:

  • Estudos de caso: relatam o observado em um ou poucos pacientes. São informativos para doenças raras e para uma primeira prospecção de fenômenos desconhecidos. (Baixo grau de segurança.)
  • Estudos observacionais: comparam ao menos dois grupos, um com o tratamento e outro sem, mas sem interferir em como esses grupos se organizaram. (Grau de segurança variável, mas em geral baixo ou moderado.)
  • Estudos controlados e randomizados (ECRs): são considerados experimentos, pois os pesquisadores controlam para onde vão os participantes. Eles são escolhidos ao acaso (randomizar é escolher ao acaso) para ao menos dois grupos: o grupo de tratamento e o grupo controle (daí o termo “controlado”), que não recebe o tratamento. Comparando os dois grupos com ferramentas estatísticas, fica mais claro se houve diferença entre os grupos causada pelo tratamento, como a diferença entre número de infectados com Covid entre o grupo com máscara e o grupo sem máscara. (Melhor grau de segurança.)

Existem outros níveis extras de rigor que podem ser adicionados a um estudo controlado e randomizado, como criar um terceiro grupo que recebe um tratamento sabidamente inerte — no caso das máscaras, poderia ser um grupo com máscaras de crochê com grandes buracos para o vírus passar. Além disso, o grau de segurança nos resultados cresce ainda mais se houver uma forma de cifrar o tratamento, para que tanto os participantes quanto os pesquisadores não saibam se o tratamento recebido é o placebo ou o tratamento real investigado pelo estudo.

O estudo com as escolas de Boston é observacional, portanto, não tem o mais alto padrão de rigor dos ECRs. Na falta deles, uma forma de tentar melhorar a qualidade das evidências para tomar decisões é trabalhar em revisões de estudos, como fez a Cochrane no ano passado.

Quando o uso de máscara é recomendável?

Por sua experiência em prática clínica e pesquisa, o médico Paul Fenyves, da Universidade Cornell, sabe que a qualidade das evidências a favor das máscaras é baixa. Para si mesmo, confia em sua experiência pessoal, uma espécie de “autoestudo de caso”. “Por dois anos, vesti a máscara e compartilhei pequenos consultórios com pacientes com Covid que estavam tossindo, e nunca adoeci. Quando eu finalmente contraí Covid em abril de 2022, foi do jeito que pego todas as minhas infecções respiratórias: dos meus filhos”, declarou ao blog Sensible Medicine.

Em decisões voluntárias, como a dele, evidências de qualidade baixa podem ser apropriadas. Porém, em recomendações de secretarias municipais e estaduais de saúde ou em determinações de agências, como a Anvisa, é preciso mais rigor científico como embasamento.

O médico orientou sua ação por razões empíricas, como saber que os poros de máscaras especiais como a PFF2 e a N95 dificultam a passagem do vírus da pandemia, que se transmite pelo ar. Outros médicos com o mesmo conhecimento, porém, pegaram Covid apesar da mesma precaução.

Importante lembrar que a Organização Mundial da Saúde, por exemplo, passou a recomendar máscaras no começo da pandemia quando muitos de seus conselheiros acreditavam, erroneamente, que o vírus precisava de grandes gotículas aquosas para se transmitir, que seriam barradas mais facilmente pelas máscaras. Uma especialista demonstrou que a transmissão da Covid era pelo ar, e corrigiu a premissa que induziu a OMS a erro e que já afetara a medicina por 60 anos.

Nos Estados Unidos, também, a reinstituição das máscaras foi proposta em alguns lugares, especialmente para crianças em escolas. “Até agora, essa proposta não está ganhando muita aderência até na maioria das cidades pró-máscaras”, diz Fenyves. Para ele, os Centros de Controle de Doenças (CDC) do país “fizeram uma overdose de intervenções”, com efeito de “afastar até muitos de seus aderentes”. Acostumado a ajustar suas prescrições de acordo com as necessidades de seus pacientes, ele estende sua crítica à postura dos CDC quanto à vacinação pediátrica generalizada contra a Covid, que não é recomendada em países como Noruega e Dinamarca.

“Temos o povo americano pedindo por uma abordagem menos agressiva, mas os CDC recomendando a abordagem mais agressiva”, lamenta o médico. Para ele, essa postura agressiva explica a hesitação de muitos sobre o uso de máscaras e até mesmo sobre as vacinas para Covid, que deveriam ser facultativas para crianças e não objetos de uma postura mais enérgica por parte das autoridades, como é justificável em casos de imunizantes como as vacinas BCG e da pólio, por exemplo.

As máscaras poderiam ser bem-vindas como uma recomendação para pessoas já infectadas, com sintomas, para diminuir a quantidade de vírus que espalham nos ambientes pelos quais passam. Está agora claro que as medidas mais autoritárias dão em maus resultados sanitários, como baixa imunização populacional. A real contribuição do estudo de Bangladesh, portanto, foi ter mostrado que uma campanha educativa era mais eficaz que obrigatoriedade estabelecida pelo governo para ganhar aderência.

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