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Supremo Alexandre de Moraes
Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tem pedido de impeachment protocolado no Senado pelo presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

No fim da tarde de sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro protocolou digitalmente um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, já recebido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) – o Senado é a casa que julga tais pedidos, de acordo com a Constituição. Bolsonaro cumpre, assim, ao menos parte de uma promessa que havia feito dias atrás, quando afirmou que pediria o impeachment de Moraes e de Luís Roberto Barroso, também ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na peça, Bolsonaro menciona a atuação de Moraes nos recentes inquéritos instaurados ou relatados pelo ministro, como o das fake news, o dos atos antidemocráticos e, mais recentemente, o das “milícias digitais”. Além disso, o presidente menciona o episódio específico da notícia-crime enviada pelo TSE ao STF após live de Bolsonaro com críticas ao modelo atual de votação puramente eletrônica – na ocasião, Moraes, que também é ministro do TSE, votou favoravelmente ao envio da notícia-crime, recebida e aceita por ele mesmo na qualidade de relator do inquérito das fake news, o que violaria o item 2 do artigo 39 da Lei do Impeachment, que lista entre os crimes de responsabilidade dos ministros do STF “proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”.

Abusos reais cometidos pelo STF vêm sendo convenientemente ignorados ou até mesmo aplaudidos, apenas porque dirigidos a Bolsonaro, seus aliados e, em última instância, a qualquer um que não se dobre a certos consensos fabricados ou ao ideário de esquerda

Não é nosso objetivo, no presente momento, analisar os pormenores do pedido de impeachment para concluir pela sua procedência ou improcedência, mas oferecer uma reflexão mais ampla sobre o que vem sendo amplamente descrito como uma crise institucional talvez sem precedentes na história recente do país – ou, ao menos, desde a redemocratização.

E o primeiro aspecto a ressaltar é o fato de pedidos de impeachment – seja do presidente da República, seja de ministros do Supremo, seja de qualquer outra autoridade citada na Lei 1.079/50 – estarem perfeitamente contemplados pelo caminho institucional desejado pelo legislador. Quem apresenta um pedido de impeachment, fundamentado ou não, joga dentro das regras do jogo institucional. Não recorre a soluções de força, não comete “golpe” – para usar o termo preferido dos petistas em 2016, justamente eles, que pediram o impeachment de todos os presidentes da República desde Fernando Collor, à exceção, obviamente, de Lula e Dilma Rousseff. O dito jus sperneandi existe e é direito de todo ator político; pode-se criticar um pedido de impeachment por muitos ângulos, mas não por ser algo antidemocrático. E este raciocínio vale tanto para o pedido apresentado por Bolsonaro quanto para todos os pedidos que buscam a cassação do atual presidente da República.

No entanto, nem tudo na relação entre Executivo e Judiciário vem se pautando pelo respeito completo à normalidade democrática. Não nos referimos, aqui, a equívocos inerentes ao exercício do poder – por exemplo, uma escolha errada do Executivo em política econômica, uma decisão criticável do Supremo em questão passível de interpretação –, mas a momentos em que realmente se fomentou a crise institucional por palavras ou ações.

Ainda nas primeiras páginas do pedido, Bolsonaro refere-se a “escolhas, opções e decisões enquanto presidente da República” com a expressão “nem sempre me utilizando das melhores palavras”. Verdade seja dita, trata-se de um enorme eufemismo, pois Bolsonaro já cometeu inúmeros erros na forma e no conteúdo, seja abusando da grosseria, seja insinuando, sim, a possibilidade de rupturas, como uma eventual não realização das eleições de 2022, ou na declaração sobre agir fora das “quatro linhas” da Constituição. Em sua defesa, só pode ser dito que, até o momento, jamais alguma dessas insinuações se converteu em ação concreta – o que, repetimos, não lhes tira a gravidade.

Na outra ponta da Praça dos Três Poderes, os ministros do Supremo têm evitado envolver-se na guerra de declarações com Bolsonaro, mas o que lhes falta em palavras tem sobrado perigosamente em ações. A instauração do inquérito das fake news marcou o início de um ciclo perigosíssimo em que o Supremo deixou para trás muitos limites na sua atuação institucional, ao portar-se abusivamente como vítima, investigador, acusador e julgador ao mesmo tempo. Desde então, a corte já protagonizou censura à imprensa, violação da imunidade parlamentar e restrições inaceitáveis à liberdade de expressão – e em todos esses casos houve participação decisiva de Alexandre de Moraes. O STF abriu, com isso, uma caixa de Pandora em que as liberdades passam a ser combatidas também por outras cortes superiores, como o TSE, e por entes políticos como a CPI da Covid, cuja perseguição a indivíduos e produtores de conteúdo conservadores também conta com o aval do Supremo.

Ainda que o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes protocolado por Bolsonaro não prospere, o que é o desfecho mais provável a julgar pelas afirmações de Rodrigo Pacheco – afinal, ninguém nega que processos de impeachment, mesmo quando completamente fundamentados, são sempre subordinados a conveniências políticas –, ele joga luz sobre abusos reais que vêm sendo convenientemente ignorados ou até mesmo aplaudidos, apenas porque dirigidos ao presidente da República, a seus aliados e, em última instância, a qualquer um que não se dobre a certos consensos fabricados ou ao ideário de esquerda. Não apontar a responsabilidade do Supremo como agente fomentador da tensão institucional com suas ações, ao menos tanto quanto o presidente Bolsonaro fomenta esta mesma tensão com suas declarações, é realizar uma avaliação enviesada, um erro de diagnóstico que permitirá à doença continuar se alastrando.

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