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A nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) a líderes partidários da Câmara dos Deputados na terça-feira (8) foi criticada e mal recepcionada por parlamentares de oposição e por especialistas do setor. Segundo eles, o texto atual é uma versão remendada da proposta que não emplacou no ano passado. Novamente, seu ponto principal é aumentar o poder da União sobre a segurança pública, que hoje é atribuição dos estados.
O texto atual da PEC dá ao governo federal o poder de estabelecer uma política e fazer um plano nacional de segurança pública e defesa social. Ele cria um sistema único, que vem sendo apelidado de SUS da Segurança Pública, e dá ao governo a capacidade de legislar sobre normas e financiamento da segurança pública e do sistema prisional.
"Sabe qual é a coisa mais importante? O debate agora é um debate nacional. O governo chamou para si e é responsabilidade do Congresso purificar uma posição para enfrentarmos juntos essa crise da segurança pública", disse o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara.
Por outro lado, o governo também vem afirmando que não quer tirar poderes dos estados. O novo texto propõe inserir um parágrafo na Constituição dizendo que os novos poderes da União não excluem competências dos estados nem acabam com a subordinação atual das polícias civil e militar aos governadores. O trecho é uma sinalização do governo federal para governadores que foram contra um texto anterior da PEC apresentado no ano passado.
Mas a alegada salvaguarda não foi considerada suficiente pela oposição. O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Paulo Bilynskyj (PL-SP), avaliou o novo texto como “terrível e grave” tratando de uma reforma muito profunda na competência legislativa da União. “Isso ocorre de uma forma que ninguém [na Comissão de Segurança] enxerga como positiva. Ele dá uma série de atribuições legislativas para a União que não são importantes para o combate ao crime organizado, que não são importantes para a segurança pública, elas só servem para concentrar poder na União e tirar dos estados”, afirmou.
A deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder da minoria na Casa, alertou que o texto é grave e que se percebe a manutenção de centralização de competência nas mãos da União, o que julgou ser “muito perigoso”.
“Essa é uma tentativa de transferir poder a pessoas não eleitas, enfraquecer o Legislativo e ignorar quem realmente atua na segurança pública”, afirmou a deputada Caroline de Toni.
A PEC da Segurança do governo foi novamente apresentada à Câmara em um momento de baixa na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alguns dias após a divulgação de uma pesquisa que apontou a violência como a maior preocupação dos brasileiros. Segundo levantamento da Genial Quaest, realizado entre os dias 27 e 31 de março com 2.004 pessoas, 29% dos entrevistados apontaram a insegurança como sua maior preocupação. Em segundo lugar ficaram problemas sociais (23%) e economia (19%).
A oposição considerou que a PEC aumenta os poderes do presidente, mas não trata de questões que poderiam de fato diminuir a criminalidade, como endurecimento de penas para criminosos, redução da idade de maioridade penal e isolamento de líderes de facções em prisões de segurança máxima.
Para o senador Sergio Moro (União-PR), vice-presidente da Comissão de Segurança no Senado e ex-ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PL), a segurança pública precisa de leis mais duras, aumento de penas, certeza da punição e ações concretas no dia a dia. “Vamos examinar a PEC da segurança, mas muitas medidas ali previstas já podem ser feitas pelas normas atuais e outras parecem ser simbólicas”, disse.
Em material de publicidade sobre o novo texto da PEC da Segurança, o governo recauchutou antigos argumentos da esquerda, como o de que seria possível reduzir a criminalidade apenas com maior integração entre as polícias e investimento em ações de inteligência policial.
O deputado federal Luciano Zucco (PL-RS) disse que o governo está apavorado com as pesquisas de opinião que apontam para a segurança pública. "Lula e seus ministros precisam correr contra o tempo para tentar mostrar que estão fazendo algo pela vida e pelo patrimônio dos brasileiros. E o fazem com uma proposta péssima, que retira competência de estados e municípios, centralizando um trabalho que precisa ser de todos. Quem não fez nada até agora não pode ficar com toda essa responsabilidade", disse.
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As Guardas Municipais na PEC da Segurança Pública
Na avaliação do deputado Paulo Bilynskyj, o que há de novo na PEC diante do texto polêmico apresentado no fim do ano foi a inclusão das Guardas Municipais e Civis Metropolitanas no rol da segurança pública à Constituição Federal.
De acordo com ele, isso se trata de uma manobra do governo na tentativa de cooptar votos de deputados e senadores da oposição que são favoráveis à valorização das guardas. “O tema já vinha sendo tratado pelo próprio Congresso em outras PECs muito anteriores a essa. Enxergamos como uma manobra na tentativa de aprovação da PEC da Segurança”, alertou.
O presidente da Associação das Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil), Reinaldo Monteiro, aprovou a decisão do governo e disse que ela também contempla a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de um Recurso Extraordinário que dá poderes de polícia às Guardas Municipais.
“Essa inclusão é uma vitória, uma luta de mais de 36 anos desde quando a Constituição Federal foi promulgada para que fossem reconhecidas. Com essa decisão conseguimos avançar na atualização do texto constitucional”, reforça.
Paulo Bilynskyj, no entanto, analisou como controversos os pontos relacionados à Guarda Civil Metropolitana. “A PEC vem cheia de problemas graves como restringir, por exemplo, a atuação da GCM, à localidade urbana. Ele proíbe a GCM de atuar na área rural. Isso não tem pé nem cabeça e não há justificativa alguma”.
Segundo o deputado, o texto também não garante a nomenclatura na Constituição de “polícia municipal” para a guarda municipal, não atendendo a uma reivindicação que o setor aguardava.
Paulo Bilynskyj avaliou se tratar de um texto politicamente sem tato e que a própria bancada do PT vinha se mostrando contrária à PEC. “Porque ela viu que é só desgaste, não tem nada positivo e terão que sangrar para conseguir fazer isso andar”.
O governo deverá protocolar a PEC no início da próxima semana no Congresso. Caberá ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), dar encaminhamento na casa onde será submetida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se aprovada, seguirá para análise de uma comissão especial.
“Não acredito que vá passar do jeito que está”, avaliou o presidente da Comissão de Segurança.
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PEC altera funções da Polícia Federal e Polícia Rodoviária
O texto da nova PEC da Segurança propõe alterações especialmente em relação à Polícia Rodoviária Federal, que passaria a se chamar Polícia Viária e ficaria incumbida de patrulhar rodovias, ferrovias e hidrovias. Seu trabalho se tornaria praticamente só de patrulhamento ostensivo, sem funções de polícia judiciária
“Ela vai servir como uma milícia do governo. O governo hoje pode aprovar uma intervenção em um estado e pode colocar, por exemplo, o Exército para desempenhar GLO [Garantia da Lei e da Ordem] e pela PEC também quer fazer isso com a PRF. Ou seja, a PEC daria esse poder para a PRF”, criticou Paulo Bilynskyj.
A principal mudança em relação à Polícia Federal é que, além de investigar crimes relacionados a órgãos federais ou que tenham repercussão interestadual e realizar a função de polícia judiciária, seus policiais passam a trabalhar também no esclarecimento de crimes ambientais. A nova redação do texto também fala especificamente de facções criminosas e milícias ao atribuir à Polícia Federal investigações relacionadas a crimes interestaduais.
Texto prevê constitucionalização de fundos de segurança
A PEC também prevê a criação de órgãos de corregedoria independentes e a constitucionalização dos fundos nacionais de Segurança Pública e Penitenciário, hoje previstos em lei. A proposta determina que os recursos não poderão ser contingenciados e devem ser compartilhados entre todos os entes da federação.
“A intenção é nobre, mas o histórico de execução orçamentária e a burocracia fiscal do país são obstáculos concretos que podem comprometer a efetividade dessa promessa. Além disso, se a distribuição será de forma igualitária, pode beneficiar alguns estados que costumam ser prejudicados na distribuição atual das verbas”, avalia o cientista político, especialista em segurança pública Marcelo Almeida.
Ainda sobre a instituição do Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional, o advogado Luiz Augusto Módolo alerta que é preciso que a União use o dinheiro para realmente construir presídios e estabelecimentos prisionais.
“Não adianta só reclamar que há poucas vagas no sistema prisional. É preciso realmente entender que muitos criminosos de fato precisam ficar presos, para fins de prevenção e repressão. Não adianta só criar um programa Pena Justa que prevê políticas de desencarceramento, falar apenas em ressocialização e esvaziar cadeias de modo irresponsável e leniente. Se a União terá um fundo bilionário para prisões, essas prisões precisam ser construídas”, disse.
Como brechas e lacunas na PEC podem interferir na segurança nos estados
O advogado Luiz Augusto Módolo, especialista na área de segurança, analisou o texto da PEC e identificou o risco da salvaguarda de autonomia dada aos estados não ser suficiente para garantir que os governadores continuem controlando totalmente as polícias estaduais.
“Foi preciso acrescer um parágrafo único ao artigo 1° da PEC para garantir a independência dos demais entes federativos e deixar claro que as polícias continuam sob o comando dos governadores. O risco existente é que a formulação da política de segurança nacional possa levar de fato à criação de diretrizes que depois venham a contrariar as políticas dos estados e do DF e isso ser endossado pelo Judiciário. Isso é reforçado com a redação dada pela PEC”.
O advogado também lembra que o artigo 22 da Constituição Federal, tratado na PEC, fala das competências legislativas exclusivas da União, como direito civil, penal, processual, trânsito e serviço postal. A novidade da PEC está em uma mudança sutil, mas segundo ele, relevante: os estados e o Distrito Federal só podem legislar sobre esses temas em casos específicos e com autorização por lei complementar, ou seja, a partir de uma exceção, e não de uma regra.
“Ao incluir no artigo 22 normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário, a PEC está dizendo que caberá à União legislar privativamente sobre esses assuntos, o que pode terminar escanteando os estados e o Distrito Federal na elaboração de normas sobre esses assuntos”, reitera.
O que o governo diz sobre a PEC da Segurança
Segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, a proposta dá status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído em 2018, promove maior articulação entre a União, estados e municípios e insere na Constituição o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, com participação da sociedade civil. O texto diz que as novas competências atribuídas à União não retiram as funções dos demais entes federativos na área da segurança.
Para Hugo Motta há consenso entre os líderes da Casa quanto à urgência do tema e garantiu prioridade à proposta. O ministro Lewandowski classifica a segurança pública como uma pauta tão urgente quanto saúde e educação e coube à ministra Gleisi Hoffmann dizer que as dúvidas sobre a autonomia dos estados foram esclarecidas, o que “contribuiria para uma tramitação positiva da proposta”,
O documento quer fortalecer o combate ao crime organizado e dar maior coerência ao Susp. Um dos pontos da PEC trata da tentativa de padronizar dados e protocolos entre os entes federados. Atualmente, o Brasil opera com 27 sistemas diferentes de antecedentes criminais, boletins de ocorrência e mandados de prisão o que é um entrave para uma resposta unificada à criminalidade cada vez mais interestadual e transnacional.
“Ocorre que padronizar e integrar os sistemas de informação não dependeria de uma PEC, bastaria vontade política e a intenção de fazer. Além disso, o Susp existe desde 2018, faltam investimentos, recursos. Não é uma Emenda à Constituição que resolve isso, mas a vontade do governo fazer e praticamente tudo que a PEC traz já está previsto em lei”, alerta o advogado, especialista em Segurança Pública Alex Erno Breunig.