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Relator João Pedro Gebran Neto desconsiderou o precedente do STF em seu voto pela condenação de Lula em julgamento na 8ª Turma do TRF4.
Relator João Pedro Gebran Neto desconsiderou o precedente do STF em seu voto pela condenação de Lula em julgamento na 8ª Turma do TRF4.| Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

Ao aumentar, por unanimidade, a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para 17 anos no caso do sítio em Atibaia, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) deixou de seguir a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a ordem de entrega das alegações finais – últimos argumentos a favor dos réus antes da divulgação da sentença.

Recentemente, o STF anulou duas sentenças da Lava Jato por entender que, quando há réus delatores, eles devem entregar as alegações finais antes dos delatados. O TRF4, porém, decidiu não aplicar o precedente no caso do sítio em Atibaia, o que pode causar nulidades no futuro.

No processo do sítio, delatores e delatados tiveram o mesmo prazo para entrega dos documentos. A defesa de Lula chegou a pedir um prazo diferente, já em primeira instância, na 13.ª Vara Federal de Curitiba, mas não foi atendida.

O procurador regional da República, Maurício Gotardo Gerum, chegou a pedir ao TRF4 que anulasse a sentença de Lula em primeira instância para que o caso fosse retomado a partir da entrega das alegações finais, a fim de respeitar a decisão do STF. Em parecer anexado ao processo no dia 19, porém, ele reviu esse posicionamento.

No novo parecer, o procurador da equipe da força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal na segunda instância considerou o fato de a defesa de Lula não ter postulado a anulação com base na decisão do STF. “Ora, a partir dessa percepção de que a própria defesa não acredita nas teses que argui, não há por que o Ministério Público encampar sem maior juízo crítico pretendida declaração de nulidade em razão da apresentação simultânea com os demais réus das alegações finais”, escreveu Gerum.

Decisão do TRF4 é ousada e pode levar à prescrição

Para o professor de Direito Penal da UFPR, Francisco Monteiro Rocha Júnior, a decisão do TRF4 de não respeitar o precedente do Supremo é arriscada. Para ele, ao não adotar a regra estabelecida pelo STF sobre as alegações finais e ao não enfrentar o argumento de parcialidade de Moro, os desembargadores podem prejudicar o processo no futuro.

“São elementos que trazem uma insegurança para o destino desse processo, porque se alguma dessas argumentações for acolhida pelo STJ ou pelo Supremo Tribunal Federal, o que nós teríamos é uma anulação de todo o processo, desde o primeiro grau de jurisdição” explica Rocha Júnior. “Isso soa um pouco estranho em face desse discurso generalizado de luta contra a impunidade. O TRF4 tomar uma decisão que nesse aspecto é bastante arriscada, ou seja, não aplicar entendimentos já fixados pelo Supremo que podem vir a ser fixados, só faria com que houvesse um retrabalho e, eventualmente, lá na frente, a incidência da prescrição”, completa o advogado.

Em nota, o Partidos dos Trabalhadores afirmou que a 8.ª Turma do TRF4 “desacatou abertamente o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro motim contra a hierarquia do Poder Judiciário e contra a ordem constitucional democrática do país”. “O relator Gebran Neto simplesmente julgou e condenou o STF, alegando que a Corte Suprema teria criado indevidamente nova norma jurídica. E ainda ousou normatizar a decisão do STF, decidindo que só valerá para o futuro, em clara invasão de competência”, diz o partido.

“É uma decisão que claramente afronta posições da Suprema Corte” disse o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, sobre a ordem de entrega das alegações. “A decisão de hoje é incompatível com a decisão da Suprema Corte, em duas oportunidades, ao definir que é necessário dar à defesa dos corréus delatados, a oportunidade de falar após os corréus delatores”, disse.

Zanin também ressaltou que o caso do sítio em Atibaia é idêntico aos anulados pelo STF. “O caso que foi julgado hoje pelo TRF4 é exatamente igual aos dois casos já analisados pela Suprema Corte, seja no âmbito da Segunda Turma, seja no âmbito do plenário. Não há nada que justifique um tribunal de apelação tomar uma decisão que não se coaduna com o posicionamento da Suprema Corte”, afirmou.

Levantamento exclusivo da Gazeta do Povo mostra que, além dos casos já anulados pelo STF por causa da ordem de entrega das alegações, outras 31 sentenças podem cair com base nesse entendimento.

Há três casos idênticos ao do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, o primeiro a ser anulado: o caso do ex-gerente da estatal, Marcio de Almeida Ferreira, anulado por decisão do plenário; o caso do operador Adir Assad; e o caso de Lula no processo do sítio. Nestes três casos, as defesas pediram, ainda em primeira instância, para apresentar os documentos depois dos delatores.

Desembargadores dizem que não houve prejuízo à defesa de Lula

“Não há fundamento jurídico que justifique a anulação da sentença para renovação das alegações finais, medida que se vê absolutamente inócua”, disse o desembargador Leandro Paulsen no julgamento sobre a ordem de entrega dos documentos.

“Em momento algum se demonstrou qualquer tipo de prejuízo com a inversão de ordem [das alegações finais], e nem houve inversão, houve prazo comum e entrega de alegações finais no mesmo prazo e na mesma data”, argumentou o relator João Pedro Gebran Neto, afirmando que a nulidade da sentença só poderia ser decretada se ficasse comprovado algum prejuízo às partes.

O desembargador Carlos Thompson Flores também comentou o precedente do STF, “cujo acórdão ainda não está publicado”. “O direito de defesa está esculpido e redigido na Constituição da República, até com pleonasmo solene”, disse. O desembargador, assim como os colegas, disse que só seria necessário anular a sentença em primeira instância se a defesa de Lula tivesse demonstrado prejuízo com a ordem de entrega dos documentos finais.

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