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O comitê de estudos estará ligado ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Frequentemente, Moraes defende regulação das redes sociais.
O comitê de estudos estará ligado ao presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Frequentemente, Moraes defende regulação das redes sociais.| Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um grupo de estudos para se dedicar à integridade e à transparência na internet, em 19 de dezembro. Segundo o próprio texto de divulgação do TSE, o foco do comitê será as eleições municipais de 2024. Apesar disso, o documento não explica o que deve ser feito pelos especialistas convidados. O uso de termos vagos, o histórico do Tribunal e a pressão de Moraes para a regulação das redes deixa os defensores da liberdade de expressão atentos sobre o que será realizado pelos especialistas.

A portaria que cria o Comitê de Estudos sobre Integridade Digital e Transparência nas Plataformas de Internet no Processo Eleitoral foi publicada um dia antes do Judiciário começar o recesso. O texto não dá muitos detalhes sobre como serão os trabalhos realizados pelo grupo. Apenas informa que auxiliará “por meio de consultas e sugestões sobre temas que lhes sejam apresentados” pelo TSE. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, comandará as atividades do grupo. O órgão foi procurado para prestar mais esclarecimentos sobre o comitê, mas não respondeu aos questionamentos feitos pela Gazeta do Povo.

Por também tratar de integridade digital, os componentes devem se dedicar ao uso da Inteligência Artificial (IA) durante a campanha eleitoral. No último dia 4, o Tribunal apresentou uma minuta sobre regras para o uso da IA que será debatida em audiências públicas nos dias 23, 24 e 25 de janeiro. O texto inicial prevê punição por “disseminação de fake news” e responsabilização das plataformas por conteúdos “inverídicos” ou “descontextualizados”. Mas, como de costume, o órgão não oferece parâmetros para definir o que será considerado fake news.

TSE censurou conteúdos nas eleições de 2022 

Em outubro de 2022, pouco antes do segundo turno das eleições, uma resolução do TSE deu poder de polícia ao ministro Alexandre de Moraes, atual presidente do órgão, para ordenar a retirada da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, de conteúdo que fosse considerado “sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”. Posteriormente, um pedido de liminar do então procurador-geral da República, Augusto Aras, para suspender a validade da resolução foi negado pelo Supremo Tribunal Federal, permitindo que Moraes mandasse a remoção de postagens e notícias e a suspensão de perfis da internet, com a justificativa de combater “fake news”.

Um ano depois da decisão, o Tribunal negou-se a prestar informações sobre a aplicação da resolução, solicitadas pela Folha de S. Paulo. O órgão não quis informar a quantidade de posts, vídeos, perfis, contas e grupos bloqueados ou removidos com base na resolução.

Parlamentares como Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG), Cabo Junio Amaral (PL-MG), Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Major Vitor Hugo (PL-GO) tiveram seus perfis derrubados. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) teve contas derrubadas no YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, Telegram, TikTok e LinkedIn, por decisão do TSE.

Em 2022, o Tribunal também fez censura prévia ao proibir o lançamento do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?” da produtora Brasil Paralelo. O TSE ordenou ainda a remoção de 31 postagens que apontavam apoio de Lula à ditadura da Nicarágua, comandada por Daniel Ortega. Uma das publicações removidas era um tuíte da Gazeta do Povo que tratava sobre o bloqueio da transmissão da rede televisiva CNN no país de Ortega, com destaque de sua proximidade com Lula.

No último mês de dezembro, o Supremo formou maioria para manter a resolução durante o próximo período eleitoral. Dessa forma, o TSE continua com os superpoderes durante as eleições municipais de 2024. Uma parceria com a Anatel deve levar o Tribunal a acelerar o cumprimento das decisões judiciais. A cooperação entre os dois fará com que o canal entre TSE e Anatel seja direto, sem a necessidade de intervenção de oficiais de Justiça, como costuma ser feito.

Executivo e Legislativo também pressionam pela regulação das redes

O próprio ministro Alexandre de Moraes já deu diversas declarações a favor de um tipo particular de regulação das mídias, em que as plataformas devem retirar conteúdos que têm sido considerados fake news pelo Judiciário, sem nenhum pedido formal ou mediação judicial – medida que pode comprometer a liberdade de expressão, segundo especialistas. Em uma delas, afirmou que o Congresso Nacional ou a Justiça deve abraçar a pauta com a proposta de uma lei que obrigue as plataformas a fazerem isso. Além do Judiciário e do Legislativo, o governo Lula já anunciou que deve trabalhar na mesma direção.

O PL 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News, tramita na Câmara dos Deputados e recebe apoio de deputados da base do governo para avançar. A falta de critérios para estabelecer o que é fake news ou desinformação é o principal problema, pois abre espaço para a censura e deixa a responsabilidade para as plataformas decidirem o que deve ou não ser retirado.

O constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, André Marsiglia, analisa os perigos do texto em sua conta no X. “O PL não conceitua fake news, nem desinformação, nada. Apenas transfere para as big techs a obrigação de combater discursos ilícitos. Mas o que é discurso ilícito? O projeto não diz. Óbvio que em meio à subjetividade, por medo de multa e com receio de errar, as empresas vão tirar do ar muito mais conteúdo do que devem. Ou seja: censura. A chave da censura nas redes sai da mão do Estado para as plataformas. O PL privatiza a censura”, publicou.

Convidadas do comitê apoiam PL das Fake News

Nina Santos, uma das especialistas que compõem o comitê, participou de um seminário em Salvador (BA) sobre o PL das Fake News, em junho de 2023. Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei, e João Brant, secretário de Políticas Digitais de Lula, compuseram a mesa. A professora elogiou o trabalho do parlamentar e de Brant e apoiou a aprovação do PL das Fake News.

Nina Santos acrescentou que o texto tem problemas, mas não especificou quais seriam. Segundo ela, o PL 2630 é um primeiro passo na regulação das redes sociais. “Ele é, sim, um primeiro passo para que a gente possa dar o segundo, o terceiro e o quarto”, afirmou durante o evento.

Na mesma linha de Nina Santos, Beatriz Kira, outra componente do grupo do TSE, defendeu o PL das Fake News. Kira afirma que “o projeto de lei representa um passo importante na desafiadora e complexa construção da regulação da internet no Brasil” em um artigo publicado pelo Jota em abril.

Em outro texto, a especialista avaliou o caso do Telegram, no qual o STF ameaçou suspender a rede por ter veiculado uma campanha contra o projeto de lei. Na ocasião, Kira afirmou que Moraes teve uma reação exagerada e desproporcional com a decisão, visto que, caso ela de fato ocorresse, “restringiria o direito à comunicação e à liberdade de expressão de milhões de brasileiros que não estiveram envolvidos em qualquer atividade ilegal”.

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