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Carreata em apoio à Operação Lava Jato e ao presidente Jair Bolsonaro em Curitiba.
Carreata em apoio à Operação Lava Jato e ao presidente Jair Bolsonaro em Curitiba.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O assunto do momento é a liberdade de expressão. Nos programas jornalísticos nas rádios e na televisão ou nos jornais impressos e digitais, a matéria de capa trata desta liberdade. Nas redes sociais não se fala de outra coisa: a prisão do deputado federal Daniel Silveira, a postura do STF, o posicionamento da Câmara ao deliberar sobre o colega. Críticas de um lado e de outro, debates acalorados; entretanto, nossa reflexão de hoje será direcionada a uma constatação: a perceptível evolução na maturidade do povo brasileiro.

A maturidade do povo é um dos fatores primordiais para que tenhamos uma democracia pujante e que se afaste diariamente de seus vícios, quais sejam: a tirania da maioria, em que a minoria não pode expressar suas opiniões; e o egoísmo exacerbado, em que as pessoas não se preocupam com a sociedade e com os demais, vivendo sua vida de forma isolada, pouco se importando com o bem comum. Normalmente, é o produto de séculos de consolidação do conjunto de valores reiteradamente protegidos pelas gerações, e que se solidificam criando a rocha da cultura, de onde transborda também para a educação, e, por aí, toca diretamente a vida das pessoas no contexto do processo político.

Hoje o brasileiro, de maneira geral, lembra do voto que depositou nas urnas, recita de cor os ministros do STF, sabe até mesmo que em breve um deles vai se aposentar e será substituído. Coisa impensável há 15 anos

Alexis de Tocqueville constata, em sua grande obra A democracia na América, que os perigos da democracia são afastados quando a população se preocupa e participa ativamente da sociedade política em que está inserida. Tocqueville verifica nos EUA do século 19 que as pessoas se reuniam para discutir temas importantes para a cidade, ungidos de uma preocupação salutar com o bem comum. As discussões neste sentido eram encontradas das tabernas aos pátios das igrejas. Ou seja, os principais temas que ocupavam as mentes dos norte-americanos não eram futebol, novelas e carnaval. E isto em um país que não tivera o benefício do amadurecimento do tempo, mas uma consciência agudizada pelos valores que moveram famílias a saírem da conhecida Europa para o imponderável “Novo Mundo”: a busca pela liberdade de viver conforme o imperativo da consciência e expressão conforme. Seja no que tange ao transcendente, seja no cuidar das coisas da “cidade dos homens”, a maturidade está no senso de dever e responsabilidade de um para com o outro.

A partir disto a responsabilidade dos magistrados, parlamentares e governantes aumentava, porque o povo, o grande fiscal de suas atividades, participava de perto de suas ações e, de fato, o processo de recall funcionava. E, assim, também, a máxima fundacional da civilização ocidental – vinda diretamente do contexto cristão – tomava forma: já não mais se vive pela lógica do “não faça aos outros o que não querem que façam a você”, mas o proativo “faça aos outros o que gostariam que fizessem a você”. Isto pressupõe vigilância, altivez e solidariedade.

Será que podemos dizer que isto é o que está acontecendo no Brasil deste momento, no alvorecer da terceira década do século 21? Talvez não no nível constatado por Tocqueville, mas, cremos, estamos avançando a olhos vistos. Hoje o brasileiro, de maneira geral, lembra do voto que depositou nas urnas, recita de cor os ministros do STF, sabe até mesmo que em breve um deles vai se aposentar e será substituído. Naquela conversa depois do culto ou após uma partida de futebol com amigos é discutido qual o melhor nome para a vaga de Marco Aurélio Mello. Este é o Brasil de hoje, felizmente. Coisa impensável há pouco mais de 15 anos.

Dito isto, retornamos ao primeiro parágrafo de nosso texto: prisão de deputado e liberdade de expressão. Basta entrar no Facebook e ler comentários nas postagens sobre tal fato para verificarmos verdadeiras “teses” de doutorado sobre a imunidade parlamentar, liberdade de expressão e como funciona um flagrante.

Nos idos tempos de nossa faculdade (1998-2003), ríamos ao ler jornalistas confundindo estupro com atentado violento ao pudor e furto com roubo. Hoje, os jornalistas e os leitores são melhor preparados para tais assuntos que muitos bacharéis em Direito formados em faculdades deprimentes, verdadeiras caça-níqueis Brasil afora (aliás, para quem ainda não sabe, existem mais faculdades de Direito no Brasil do que na soma de todos os outros países do mundo...).

Um ministro alega que a liberdade de expressão não é absoluta e imediatamente alguém faz um vídeo no YouTube concordando, mas lembrando ao nobre jurista que a liberdade de expressão de um deputado federal representa a voz de uma maioria, ou de uma minoria; e, para que não vivamos sob o jugo de tiranos, não pode ser calada. Abusos devem ser enfrentados de acordo com o devido processo legal previamente estabelecido e por seus pares, na casa da democracia.

Quanto mais discutirmos temas como liberdade de expressão, imunidade parlamentar e atuação de magistrados, e menos discutirmos sobre o próximo capítulo da novela tal ou o destino dos emparedados no BBB, menos alienados seremos

Quando o brasileiro discute temas, mesmo de maneira superficial, tais como liberdade de expressão, imunidade parlamentar e atuação de um magistrado, percebemos que a nossa democracia está amadurecendo, fruto do amadurecimento de nosso próprio povo. Muitos podem discordar de nosso ponto de vista e nos criticar – e este ato é a prova do que estamos refletindo aqui.

Quanto mais discutirmos temas como estes e menos discutirmos sobre o próximo capítulo da novela tal ou o destino dos emparedados no BBB, menos alienados seremos; consequentemente, menos probabilidade de sermos manipulados por governantes e políticos desonestos. O processo de recall das urnas será efetivamente uma “nova escolha” e não uma troca de seis por meia dúzia, e teremos uma sociedade amadurecida. Com problemas, é claro, todavia com políticos e cidadãos tentando resolvê-los em vez de lucrar com eles, o que é típico de democracias de fachada.

Que amemos mais a busca da Ordem. Que, enfim, venha o Progresso.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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