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O subprocurador-geral da República Nívio de Freitas
O subprocurador-geral da República Nívio de Freitas hoje coordena a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF.| Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Subprocurador-geral da República, Nívio de Freitas é o atual coordenador da Câmara do Ministério Público Federal (MPF) que cuida de temas de meio ambiente e patrimônio cultural. Se escolhido para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), Freitas pretende estender a toda a instituição o tipo de inovação que as investigações contra crimes ambientais tiveram com a criação do sistema Amazônia Protege, que cruza dados de satélites com registros públicos.

“Queremos atuar com inteligência e de uma forma coordenada. Não precisamos ter 400 colegas atuando com indígenas”, compara. “Precisamos de um grupo menor de procuradores que entenda muito sobre a questão e atue quando necessário. Esse é o futuro do MPF”, diz. O Amazônia Protege, por exemplo, permite o acompanhamento em tempo quase real de desmatamentos de áreas maior que 50 hectares, e procuradores responsáveis pela área recebem prontas petições iniciais de ações contra aqueles que infringem as regras ambientais.

O caminho para essas mudanças, na visão do subprocurador-geral, é investir em uma tendência que já vem sendo reconhecida como inevitável no MPF. “Nós estamos mudando nossa forma de atuar, que era a tradicional da comarca, onde tem um juiz, um delegado e um promotor”, explica. “Queremos também mudar nossa forma de trabalho, com tecnologia, sistemas de informática, Big Data, softwares inteligentes, aprimorar nossos instrumentos de investigação”, diz ainda.

Freitas, no entanto, tem o cuidado de rebater acusações de que o Ministério Público teria um viés contrário ao agronegócio, um tema sensível na atuação ambiental de órgãos de controle. “Estão falando que o MP está se batendo contra o agronegócio, mas não é nada disso. O agronegócio é uma riqueza nacional, nós alimentamos o mundo. Nós não concordamos é com que o sujeito fique grilando terra pública e devastando floresta”, afirma.

Contrário à descriminalização do aborto pelo Poder Judiciário, Freitas prefere não opinar sobre a reforma trabalhista e considera inconstitucional qualquer iniciativa que limite a liberdade dos professores em sala de aula, quando perguntado sobre o movimento Escola Sem Partido. “Qualquer restrição nessa seara, para mim, é uma limitação intolerável e acaba por restringir as potencialidades dos alunos”, afirma.

A eleição para a lista tríplice ocorre no dia 18 de junho. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.

Concorrem à lista os procuradores regionais Blal Dalloul, José Robalinho Cavalcanti, Vladimir Aras e Lauro Cardoso, e os subprocuradores-gerais Luiza Frischeisen, José Bonifácio de Andrada, Paulo Eduardo Bueno, Antonio Carlos Fonseca Silva, Nívio de Freitas e Mário Bonsaglia.

O subprocurador Antonio Carlos Fonseca da Silva não respondeu aos pedidos de entrevista. O subprocurador Mário Bonsaglia afirmou que está "preferindo reduzir ao máximo as entrevistas".

O PGR chefia o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Militar (MPM), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Confira a íntegra da entrevista com Nívio de Freitas abaixo:

Gazeta do Povo: Considerando a percepção de que as ações penais avançam mais devagar no STF, o senhor tem propostas para dar mais celeridade e eficiência às investigações conduzidas pela PGR?

Freitas: o rito que essas ações seguem no Supremo não é o mais adequado. Até a parte de investigação é muito travada, porque tudo depende da iniciativa do ministro relator, o que não ocorre nos feitos ordinários, em que toda a parte de apuração é feita pelo MP e pela polícia. No Supremo, qualquer diligência, por mais simples que for, precisa do aval do ministro relator. Isso torna o procedimento extremamente moroso. Além de burocratizar desde a fase da investigação, [o STF] não é um tribunal vocacionado para isso. Não é da praxe dos ministros do Supremo participar de instrução processual e pré-processual.

A melhor solução seria que, pelo menos, a instrução do processo se desse nos moldes tradicionais, inclusive em observância do princípio acusatório, com os ministros do Supremo não se imiscuindo nessa fase. Acho que realmente tanto a lei quanto o regimento interno deveriam ser adequados ao que prescreve a Constituição, prestigiando o princípio acusatório.

Qual a posição do senhor sobre a legalização do aborto?

É uma dessas questões que devem ser resolvidas pelo Congresso Nacional. Não me sinto à vontade para falar sobre essa matéria, porque é uma situação tão tormentosa, principalmente para as mulheres que se veem na contingência de realizar um aborto. Imagino que mulher alguma se sinta feliz com isso. Essa questão toca diretamente em questões de foro íntimo, morais, religiosas, são questões muito complexas. O foro adequado para dirimir essa questão é a Congresso Nacional. O Supremo Tribunal não tem essa legitimidade, essa legitimidade é do povo. É muito nocivo que o Judiciário passe a legislar, precisamos respeitar a separação dos poderes, e isso para mim é uma matéria típica do Legislativo.

Agora, eu acho mito difícil um juiz condenar uma mulher em uma situação limite dessas. As penas dos crimes são a maior sanção que a sanção impõe a um desvio de conduta. O sancionamento da conduta requer que se tenha uma visão de quase total necessidade [da pena] por parte da sociedade. Em determinados temas que são muito controversos, acho complicado impor sanção penal.

O senhor enxerga algum ponto inconstitucional na reforma trabalhista?

Vou ser franco: não é a minha área. Nós temos o Ministério Público do Trabalho. Se vier a ser PGR, sobre esses temas trabalhistas, que não é minha área de formação, sempre ouvirei os colegas do MPT. Eles é que realmente têm o conhecimento e a expertise para se pronunciarem sobre isso. Como nós [do MPF], não atuamos nesse tema, seria uma opinião muito perfunctória.

O senhor entende cabível alguma medida jurídica para combater o que tem sido chamado de “fake news”?

Sempre houve notícias falsas e caluniosas. Nosso sistema jurídico já contempla a apuração e o sancionamento adequado. Surgem instrumentos novos, novas tecnologias de comunicação que propiciaram que a comunicação fosse mais rápida e que muitos participassem da disseminação de ideias, mas também propiciou uma queda da qualidade. Mas o processo normal é que a sociedade vá se acostumando e ela mesma vá traçando freios e filtros. O grande remédio para as “fake news” é a imprensa livre que informa. O remédio da censura é que é simplesmente intolerável. Mas, mesmo na internet, há meios de se descobrir de onde parte a informação, e as pessoas podem ser sancionadas na esfera cível e criminal. O tema está muito em voga, mas não vejo necessidade de que haja uma alteração normativa para combater [as “fake news”]. Estamos todos aprendendo a utilizar esses novos instrumentos de comunicação.

Qual a posição do senhor sobre o tema da doutrinação em sala de aula, na Educação Básica, e sobre o Escola Sem Partido?

Sou totalmente contra a partidarização e a politização do ensino, que deve ser livre. Você tem liberdade de cátedra, de ensino, o direito de ser ensinado e aprender. A verdade é que, cada vez mais, os pais não têm a possibilidade de estar o dia inteiro com os filhos, depende-se cada vez mais da escola para passar determinados valores e conhecimentos. Toda restrição da liberdade do professor, para mim, é inconstitucional. É claro que não há direitos absolutos, e que há obrigações, e a finalidade do ensino é formar indivíduos críticos. Para isso, você precisa conhecer as coisas e ter instrumental. Qualquer restrição nessa seara, para mim, é uma limitação intolerável e acaba por restringir as potencialidades dos alunos. A comunidade escolar deve lidar com eventuais excessos. Todo excesso, nas democracias, deve responsabilizado pelas vias normais – o que não se pode é partir da premissa, ainda que existam casos isolados de desvios, que isso seja a regra e você tenha de mudar todo um sistema.

O senhor entende cabível a restrição, em algum grau, das imunidades parlamentares previstas pela Constituição Federal?

Entendo que não. A grande prerrogativa do Legislativo é externar opiniões livremente nos votos. Isso é fundamental para a democracia.

O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade na atual proposta de reforma da Previdência?

Esse é um tema que se discute há anos, em razão principalmente da evidente impossibilidade de manter o sistema operando por muito mais tempo. É preciso fazer. Mas essa questão é delicada, porque há dois valores: a necessidade de adequar o sistema previdenciário à possibilidade de se manter e de não transferir as obrigações para os mais jovens, mas há também os princípios que estão na Constituição, o da solidariedade e o da justiça social. Dentro desse quadro, cabe ao Legislativo plasmar em normas que sejam razoáveis e não violem as cláusulas pétreas da Constituição.

Mas, para o senhor, o princípio da solidariedade e da justiça social são cláusulas pétreas?

Tudo depende de como você vai plasmar as normas. Por ora, é prematuro começar a enxergar inconstitucionalidades. Tudo vai depender do que sair do Legislativo. Há uma dificuldade, que não sei como vai ser resolvida, que é o problema da alíquota progressiva, porque essa já é a base do imposto de renda, então você acaba até mudando a natureza da contribuição previdenciária, se você assim o fizer. De fato, ainda que se chame de contribuição previdenciária, mas você cria uma hipótese muito similar a de imposto, você está criando um imposto. Isso é um problema que os legisladores terão de enfrentar e que certamente pode chegar ao Supremo.

A alíquota chegar a 22% parece confiscatório para o senhor?

Pode chegar ao confisco, mas precisamos esperar qual será o produto final das casas legislativas. Já pagamos 33% de imposto, e aí se coloca uma alíquota de vinte e tantos por cento, fica complicado.

O senhor defende alguma reforma estrutural ou mudança de gestão no Ministério Público?

Imodestamente, nós temos um MPF com um nível muito alto no cumprimento da nossa missão, fazemos muito com pouco. Comparativamente com outros MPs, nós somos pequenos. Alguns MPs estaduais têm um efetivo maior que o nosso, e nós atuamos no Brasil inteiro nas matérias mais diversas. Esse processo [eleitoral] está sendo muito bacana, porque estamos o tempo todo discutindo a instituição, sua missão, nosso trabalho, como podemos melhorar. Necessariamente, precisamos sempre melhorar, e nós estamos caminhando para isso.

Por exemplo: eu sou coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural [4ª Câmara de Coordenação e Revisão], e nós criamos um sistema, o Amazônia Protege, que cruza as informações de satélites de desmatamento, do INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e de outros, com os cadastros oficiais, principalmente o Cadastro Ambiental Rural (CAR), os cadastros do Ministério da Integração Nacional, etc. Estamos monitorando hoje a Amazônia com base nisso. Todo desmatamento acima de 50 hectares nós verificamos a área. Há mais de 23 mil casos de desmatamento ilegal por ano no Brasil.

Nós mudamos toda a lógica: em vez de ficar correndo atrás da pessoa desmatando, nós vamos atrás do “DNA da Área”, cruzando esses dados todos, e mandamos para os procuradores uma [petição] inicial pronta, com informações muito precisas, com laudo e valor do dano moral coletivo, inclusive. Nós estamos mudando nossa forma de atuar, que era a tradicional da comarca, onde tem um juiz, um delegado e um promotor. Em algumas áreas, como a minha e a da 6ª Câmara [Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais], nós não precisamos que todos os procuradores atuem na mesma coisa. Queremos mudar a forma como estruturamos e nos dividimos, porque, com isso, conseguimos enxugar algumas Procuradorias – e isso hoje se torna um imperativo, por causa dos contingenciamentos orçamentários e financeiros.

Queremos também mudar nossa forma de trabalho, com tecnologia, sistemas de informática, Big Data, softwares inteligentes, aprimorar nossos instrumentos de investigação. Enfim, aprimorar sempre, fazer mais com menos recursos, porque sabemos, inclusive, que não dá mais para a instituição continuar crescendo. Mas para isso funcionar no MPF, precisa ser feito de forma dialógica, com base na conversa. Na nossa casa [MPF], nada funciona sem conversa e participação das pessoas, que gera a unidade e produtos fantásticos, como o Amazônia Protege, que nós queremos até estender para outros biomas. Estão falando que o MP está se batendo contra o agronegócio, mas não é nada disso. O agronegócio é uma riqueza nacional, nós alimentamos o mundo. Nós não concordamos é com que o sujeito fique grilando terra pública e devastando floresta.

Nós também temos a proposta de fazer as coordenadorias regionais para cada um dos biomas e outra para atuar na defesa do patrimônio histórico-cultural. Não seriam como as Câmaras, mas órgãos de apoio à atuação finalística dos procuradores. Nós não queremos ficar reagindo apenas, queremos atuar de forma proativa, acompanhando os projetos, tendo a visão do todo – na atuação tradicional, cada procurador acaba vendo só o território dele, se está havendo ou não desmatamento. Queremos atuar com inteligência e de uma forma coordenada. Não precisamos ter 400 colegas atuando com indígenas, precisamos de um grupo menor de procuradores que entenda muito sobre a questão e atue quando necessário. Esse é o futuro do MPF.

Quais são os perfis que o senhor buscará para os ocupantes dos seguintes cargos: vice-procurador-geral da República, vice-procurador-geral eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), secretário-geral, e coordenadores de Câmaras de Coordenação e Revisão?

Eu gosto muito de dialogar e conversar com quem trabalha comigo. Precisamos simplificar nossa atuação. Hoje, há um número excessivo de regras criadas pelo CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] e pela nossa Corregedoria. Precisamos destravar esse esforço burocrático que não representa nada. O perfil é este: pessoas que sejam de diálogo, de construção. No MPF, não adianta você achar que vai liderar mandando; você lidera construindo um consenso. É lógico que vou procurar colocar colegas com quem tenha essa afinidade. No caso do vice-procurador-geral e do vice eleitoral, precisamos ter total empatia e a mesma forma de ver as coisas, senão não funciona. Nas Câmaras, sou muito centrado em resultados. As Câmaras tinham uma atuação tradicional de ficar revendo arquivamento [de inquéritos] por colegas, mas nosso papel é de promoção, principalmente na esfera penal, da cidadania, dos direitos humanos e dos direitos coletivos. Esse é meu perfil e quero trabalhar com pessoas com esse perfil.

A PFDC, em geral, é mais polêmica, talvez porque tenha posições muito marcadas em alguns temas, e também ouço muito sobre a velocidade em emitir notas técnicas e recomendações também marcadas por determinado viés. O senhor tem alguma avaliação sobre isso?

Na minha atuação, coordeno a área de Meio Ambiente, eu converso com meus colegas para estabelecer as prioridades. Não pode haver uma pauta com a minha cara, a pauta precisa ter a cara da instituição. Precisa haver construções coletivas. Na pauta da PFDC há vários colegas atuando, então se deve reunir essas pessoas e construir a espinha-dorsal, as metas, os objetivos. Gosto muito dos temas relativos a [pessoas] hipossuficientes, mas o que me preocupa, por vezes, é que a pauta está ficando política, e esse embate que está havendo parece político. Esse é o tipo de coisa que não podemos ter. A única política que o MP pode ter é a política de Estado centrada na Constituição Federal.

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