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Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, durante o feriadão da Independência.
Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, durante o feriadão da Independência.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Ninguém aguenta mais.” As palavras da secretária de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, em entrevista concedida à Tribuna do Paraná e à Gazeta do Povo no fim de julho, servem praticamente para o país todo, a julgar por cenas como as desse feriado prolongado da Independência e do fim de semana anterior, com praias lotadas no Rio de Janeiro e no litoral paulista. Já se vão seis meses desde que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de Covid-19 – decisão que veio até com um certo atraso, dadas as informações que havia sobre a doença e o pedido de autoridades de saúde de vários países, inclusive o Brasil –, e esse cansaço era mais que esperado.

Assim que os primeiros países começaram a adotar quarentenas bastante restritivas, já se soava o alerta para as consequências que o confinamento teria sobre a saúde mental dos cidadãos, com base em diversos estudos realizados por ocasião de surtos anteriores, como os da Sars e da Mers. Hoje, já existem pesquisas medindo este impacto em populações afetadas pela Covid-19. Entre os efeitos das restrições estão confusão, raiva, ansiedade e até mesmo estresse pós-traumático; além dos medos mais esperados quando se trata desse tipo de doença, como o temor de ser infectado ou de ter perdas financeiras, outro dos fatores que mais gerava ansiedade nas populações estudadas era a falta de informação a respeito de quanto tempo duraria a quarentena.

O “fique em casa até haver vacina” é impraticável, tanto do ponto de vista da saúde mental da população quanto dos negócios e empregos perdidos

Não surpreende, portanto, que a adesão ao “fique em casa” comece a decrescer à medida que as restrições vão se prolongando, e cidades e estados vivem um “efeito sanfona” em que negócios abrem e fecham. Não nos referimos aqui, obviamente, a irresponsáveis que se comportam como se absolutamente nada houvesse acontecido e desprezam todas as medidas de prevenção como o distanciamento e a higiene, mas a cidadãos preocupados com a doença e que vivem a chamada “fadiga da quarentena”. Isso sem falar, é claro, naqueles brasileiros para quem sair de casa é pura questão de sobrevivência, pois está em jogo o sustento próprio e da família, algo que o auxílio emergencial de R$ 600 não é capaz de prover completamente.

Tudo isso nos força a rever os momentos iniciais da pandemia no Brasil. Quando ficou claro que a Covid-19 chegaria ao país, ganhou força o conceito de “achatar a curva”: dada a facilidade de contágio do coronavírus, as medidas de restrição teriam o objetivo de impedir que muitas pessoas ficassem doentes ao mesmo tempo e que os casos mais graves sobrecarregassem o sistema hospitalar, causando mortes que poderiam ser evitadas – tanto as provocadas pelo vírus quanto por outros motivos. Não se tratava exatamente de reduzir o número total de infectados, mas de “espalhá-los” por um período maior de tempo. Enquanto as restrições estavam em vigor, os gestores país afora deveriam testar massivamente a população e equipar seus serviços de saúde com mais leitos de UTI, respiradores, medicamentos e pessoal – os melhores gráficos de “achatamento da curva”, inclusive, previam uma queda inicial no número de profissionais de saúde, pois muitos deles estariam entre os primeiros infectados. Mas, uma vez passado o período inicial, as atividades deveriam ser lentamente retomadas, tomando-se os cuidados necessários, evitando aglomerações e continuando a investir em testes, sabendo-se que a estrutura hospitalar daria conta de atender todos os casos que necessitassem de internação ou cuidados mais intensos.

Nessa preparação, prefeitos e governadores ganharam licença para gastar (licença que, sabe-se hoje, alguns usaram sem lisura nenhuma) e poderes extraordinários. Em locais com pouquíssimos ou nenhum caso, em que medidas menos agressivas já teriam surtido efeito, gestores atropelaram de imediato várias liberdades básicas dos cidadãos, impondo fechamento total e até toques de recolher. Banhistas solitários em praias foram perseguidos por grupos de guardas. Reuniões familiares de oração foram interrompidas pela polícia. Ainda que se possa atribuir parte da reação ao impacto de cenas vindas do exterior, como na Itália, e a previsões catastrofistas que nunca chegaram nem perto de se realizar, a prudência foi artigo que esteve em falta em muitos locais.

“Achatar a curva”, portanto, nunca significou quarentena perpétua, mas silenciosamente o “fique em casa enquanto reforçamos os hospitais” está se transformando em um “fique em casa até haver vacina”, ao mesmo tempo em que, por exemplo, hospitais de campanha vão sendo desativados. São diretrizes que enviam sinais opostos: afinal, a situação é grave o suficiente para justificar a manutenção das restrições, ou já está se amenizando a ponto de ser possível reduzir a estrutura de atendimento?

O fato é que o “fique em casa até haver vacina” é impraticável, tanto do ponto de vista da saúde mental da população (afinal, ninguém sabe quando haverá vacina) quanto dos negócios e empregos perdidos. Juntos, gestores, setor produtivo e sociedade, guiados por aquela mesma prudência de que falamos antes, podem encontrar um meio termo entre o “fique em casa” e a “vida como era antes”: retomar o que for possível em termos de atividades econômicas e possibilidades de lazer, manter as regras de higiene e distanciamento, seguir equipando a rede hospitalar e testando a população. Mesmo com os governos gastando todo o seu arsenal mais forte de medidas restritivas logo no início, a população cooperou. A maioria dos brasileiros, aliás, mesmo cansada, continua disposta a fazer sua parte para evitar a difusão do coronavírus, mas não há como pedir dela o impossível.

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