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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Votações

Como Robert Prevost virou Leão XIV, segundo os relatos (extraoficiais) do conclave

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O papa Leão XIV (perto do altar) e os cardeais eleitores, ao fim do conclave, na Capela Sistina. (Foto: Vatican Media handout/EFE/EPA)

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Hoje faz uma semana que ouvimos, da sacada da Basílica de São Pedro, o cardeal protodiácono Dominique Mamberti anunciar ao mundo que o norte-americano Robert Francis Prevost havia sido eleito papa, com o nome de Leão XIV. Ao longo dos últimos sete dias, surgiram alguns relatos extraoficiais que mostrariam como o cardeal agostiniano foi subindo na preferência dos 133 eleitores, em um conclave que inicialmente parecia estar nas mãos do italiano Pietro Parolin, a ponto de alguns vaticanistas afirmaram que o então ex-secretário de Estado só perderia para si mesmo.

Mas, antes, um aviso: todo, absolutamente todo relato a esse respeito tem de ser lido cum grano salis, com um pé atrás. O papa João Paulo II, responsável pelas regras que regem os conclaves desde 1996, determinou sigilo nos seguintes termos:

“É proibido aos cardeais eleitores revelar, a qualquer outra pessoa, notícias que, direta ou indiretamente, digam respeito às votações, assim como aquilo que foi tratado ou decidido acerca da eleição do pontífice nas reuniões dos cardeais, quer antes quer durante o tempo da eleição. Esta obrigação do segredo estende-se também aos cardeais não eleitores que participem nas congregações gerais (...) Ordeno, ainda, que os cardeais eleitores, graviter onerata ipsorum conscientia, conservem segredo destas coisas, mesmo depois de ter sido efetuada a eleição do novo pontífice, recordando-se de que não é lícito violá-lo, seja de que modo for, se não lhes tiver sido concedida a tal propósito uma especial e explícita faculdade pelo próprio pontífice.” (Universi Dominici Gregis, 59 e 60)

Os relatos coincidem ao dizer que Pietro Parolin liderou a primeira votação, mas já no início do dia seguinte não mostrou capacidade de ampliar seu apoio

Embora esse trecho não contenha a pena de excomunhão prevista para os não cardeais que tenham algum tipo de acesso aos trabalhos do conclave, está claro que João Paulo II não desejava que os detalhes internos chegassem à imprensa, por diversos motivos bastante compreensíveis, como o de não expor os outros votados.

De tudo o que li e vi, identifiquei quatro relatos principais: o de Edward Pentin no National Catholic Register; o de Diane Montagna em entrevista a Raymond Arroyo, da EWTN, em seu canal no YouTube; uma longuíssima thread de Alex Salvi, correspondente da rede conservadora Newsmax, no X; e o montado por jornalistas do New York Times e traduzido no Brasil pelo Estadão. Aqui, eu apresentarei um resumo; você pode conferir todos eles na íntegra, se for do seu interesse.

Em todos os relatos, Parolin lidera de início, mas demonstra incapacidade de conquistar os 89 votos necessários, levando os cardeais a buscar um “plano B”. A esse respeito, recordo o que escrevi ao fim do primeiro dia de conclave: havia um cenário plausível, no qual Parolin e o filipino Luis Antonio Tagle sairiam na frente, mas com um “segundo escalão” de cardeais que cresceriam caso esses dois favoritos se estagnassem ao longo das votações, e que incluía o húngaro Péter Erdő, o sueco Anders Arborelius, o italiano Fernando Filoni, o protodiácono Mamberti, o holandês Willem Eijk, o italiano Pierbattista Pizzaballa... e Robert Prevost.

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Parolin teria começado bem, mas perdido força logo na manhã do dia 8

Os relatos coincidem ao dizer que Parolin de fato liderou a primeira votação com algumas dezenas de votos, mas já no início do dia seguinte não mostrou capacidade de ampliar seu apoio. Isso abriu caminho para Prevost, que já havia recebido votos suficientes no primeiro escrutínio para entrar no radar de todos os demais. Logo formou-se um consenso entre os cardeais da América do Norte e da América Latina em torno do norte-americano que já tinha sido bispo no Peru, e este consenso não passou despercebido pelos cardeais dos outros continentes.

A estratégia dos cardeais mais críticos ao pontificado de Francisco aparece de formas diferentes em alguns relatos. Enquanto os jornalistas do NYT dizem que seus votos convergiram inicialmente para Erdő, Pentin afirmou que foi Malcolm Ranjith quem começou a aglutinar os votos dessa ala, que na primeira votação teria se dividido entre Ranjith, Erdő, Pizzaballa e Robert Sarah. Logo ficou claro que este grupo não era suficientemente numeroso para fazer um papa, mas podia ajudar a bloquear candidatos mais parecidos com Francisco e eleger alguém com perfil mais moderado. Os relatos também coincidem ao mencionar o papel de outro cardeal norte-americano, Timothy Dolan, arcebispo de Nova York, como responsável por trazer os ditos “conservadores” para o lado de Prevost; um deles, o alemão Gerhard Müller, ainda sondou os latino-americanos, de quem ouviu que Prevost “não era divisivo”.

Enquanto isso, os eleitores que mais defendiam o legado de Francisco não conseguiam encontrar um candidato de consenso. Entre os cardeais que receberam votos dessa ala, segundo os relatos, estavam Tagle – que, aparentemente, jamais teve a votação robusta que se previa para ele no início –, Matteo Zuppi, Mario Grech, Pablo Virgilio David e Jean-Marc Aveline. Essa pulverização dos votos dos ditos “progressistas” teria permanecido praticamente até o fim do conclave.

Os relatos confirmariam que o fato de Francisco ter nomeado quase 80% dos eleitores não era garantia da eleição de um sucessor à sua imagem e semelhança

Resultado estaria consolidado já na terceira votação

Prevost tinha, portanto, o apoio inicial de norte-americanos e latino-americanos; ao conquistar também o voto de cardeais mais críticos ao pontificado de Francisco, de africanos ressabiados com documentos como Fiducia supplicans, e de asiáticos preocupados com o acordo entre Santa Sé e China, assinado por Parolin, sua votação teria subido drasticamente na terceira votação, a última da manhã do dia 8, quando ele chegou perto dos 89 votos necessários. A multidão na Praça de São Pedro viu a fumaça preta sair pela chaminé da Capela Sistina, indicando que as votações continuariam à tarde.

Enquanto isso, os cardeais almoçavam e davam como certo que a votação seguinte já sacramentaria o resultado final, a ponto de Parolin e seus apoiadores decidirem se voltar para Prevost com o objetivo de não prolongar demais o conclave; foi assim que, segundo informações que vieram a público já nos dias seguintes à eleição de Leão XIV, o norte-americano teria superado os 100 votos, de um total de 133 possíveis.

Algumas conclusões, e as peças ainda por encaixar

Caso o grosso desses relatos seja de fato verdadeiro, descontadas as divergências menores, fica evidente que nem Parolin, nem Tagle tinham a força que muitos vaticanistas lhes atribuíam. Na noite do dia 8, quando eu escrevia sobre o quão surpreendente havia sido a eleição de Prevost, afirmei que eu estava mais surpreso com a velocidade do conclave que com o nome escolhido, pois o norte-americano me parecia alguém para quem os eleitores olhariam no caso de um impasse mais longo – a não ser que Parolin e Tagle demonstrassem fraqueza logo no início, ou que Prevost já tivesse sido bem votado no início; aparentemente, ambas as coisas ocorreram.

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Por outro lado, ficaria confirmado que o fato de Francisco ter nomeado quase 80% dos eleitores não era garantia da eleição de um sucessor à sua imagem e semelhança, já que os perfis dos cardeais eram bastante diversos. E também estaria evidenciado o lado mais moderado de Prevost, porque não imagino cardeais tão diferentes quanto Blase Cupich e Raymond Burke votando no mesmo candidato apenas por ele ser um compatriota.

Algo que me chama a atenção é a ausência completa do nome do cardeal hondurenho Óscar Maradiaga nos relatos que citei. Todos eles destacam o papel de Timothy Dolan como o grande articulador da eleição de Leão XIV, mas antes do conclave era o nome de Maradiaga que circulava entre vaticanistas como o principal promotor da candidatura de Prevost – o hondurenho já tinha sido apontado como responsável por costurar apoio a Jorge Bergoglio em 2013 e, apesar de não votar no conclave de 2025 por ter mais de 80 anos, ainda era visto como um kingmaker respeitável. Chegou a haver um boato segundo o qual Maradiaga teria deixado Roma antes do conclave, furioso com “vira-casacas” que não estariam dispostos a levar adiante o programa de Francisco. O rumor jamais foi confirmado, e seria ainda mais inverossímil caso Prevost fosse mesmo o candidato do hondurenho.

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