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Duas horas de atraso para que a fumaça preta encerrasse o primeiro dia de conclave querem dizer alguma coisa? Provavelmente não, e as possíveis explicações são as mais variadas possíveis: a Universi Dominici Gregis prevê algumas delas, que vão da necessidade de mais tempo para tirar dúvidas dos eleitores (a maioria dos quais nunca participou de um conclave) até a hipótese de haver na urna um número de cédulas diferente do número de eleitores, situação que forçaria toda a votação a ser refeita. Isso, no entanto, é o de menos no momento: o que importa são os possíveis cenários que se desenharão dentro do conclave a partir de quinta-feira.
O passado recente tem dois “modelos” de conclave, a julgar pelos relatos extraoficiais a respeito das últimas votações. No primeiro deles, os candidatos que recebem mais votos no início mantêm sua forma ao longo dos escrutínios, ganhando votos que estavam sendo dados a outros cardeais, até que um deles prevaleça e atinja a maioria de dois terços. Foi assim nas eleições de João Paulo I (agosto de 1978, em quatro escrutínios), Bento XVI (2005, em quatro escrutínios) e Francisco (2013, em cinco escrutínios).
No segundo cenário, os grupos formados em torno dos principais favoritos não são fortes o suficiente para conseguir eleger seu cardeal preferido, mas ao menos conseguem bloquear a eleição de um outro papabile rival que também tenha tido um bom começo de conclave. Com esses cardeais atingindo um teto de votos inferior ao necessário para a eleição, seus apoiadores são forçados a buscar um outro nome mais moderado ou consensual, que consiga aglutinar mais votos. Foi assim que João Paulo II foi eleito, após oito escrutínios em outubro de 1978, em um conclave que começou como uma disputa entre Giovanni Benelli, arcebispo de Florença, e Giuseppe Siri, arcebispo de Gênova. Com ambos bloqueados pelos seus adversários, os cardeais procuraram uma “terceira via” no polonês Karol Wojtyła – isso depois que o primeiro candidato de consenso, Giovanni Colombo, arcebispo de Milão, afirmou aos eleitores que não aceitaria o papado.
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Parolin e Tagle devem saltar na frente, preveem vaticanistas, mas ambos têm pontos fracos
O conclave de 2025 se parece mais com o de outubro de 1978, ou com os de 2013, 2005 e agosto de 1978? Essa resposta dará pistas inclusive sobre uma possível duração da escolha do novo papa. Boa parte dos vaticanistas sérios – ou seja, aqueles que não estão usando o posto para publicar torcida disfarçada de análise – acredita que Pietro Parolin e Luis Antonio Tagle têm mais condições de saltar na frente nas primeiras votações, ambos partindo já com algumas dezenas de votos desde o início. O ex-secretário de Estado contaria com o apoio de cardeais de posições consideradas mais “conservadoras” ou “ortodoxas”, enquanto o filipino seria o candidato dos cardeais mais interessados em manter a mesma direção iniciada por Francisco.
No entanto, ambos têm seus “esqueletos no armário” que podem impedi-los de chegar aos 89 votos. Cardeais que consideram ruim o acordo assinado entre a Santa Sé e a China podem torcer o nariz para o principal arquiteto do tratado – e a nomeação, pela ditadura comunista chinesa, de dois bispos enquanto a Igreja Católica está sem papa não ajuda em nada as perspectivas de Parolin. Tagle, por sua vez, tem contra si a gestão complicada da Caritas Internationalis – Francisco demitiu toda a cúpula do órgão em dezembro de 2022, incluindo Tagle. “Ele não sabe tomar decisões, o que me entristece, porque ele é um dos caras bons”, disse um ex-empregado da Caritas ao National Catholic Reporter em 2023. Isso pode afastar cardeais interessados em um papa que conserte problemas administrativos do Vaticano, especialmente os financeiros.
Grupos mais ou menos alinhados com Francisco já têm “substitutos” em caso de impasse
Se nem Parolin nem Tagle mostrarem que têm condições de chegar a 89 votos, há alguns nomes que poderiam se tornar viáveis. Ed Condon, editor do site The Pillar, desenha um cenário no qual Péter Erdő assume os votos de Parolin – embora visto como mais “conservador” que o ex-secretário de Estado, o húngaro foi escolhido por Francisco para ser relator do Sínodo para a Família, e cumpriu dois mandatos como presidente da conferência de bispos europeus, um sinal de prestígio entre seus confrades. Já o grupo mais empenhado em manter o legado de Francisco migraria para o norte-americano Robert Prevost, ex-prefeito do Dicastério para os Bispos (um cargo que lhe deu trânsito fácil entre seus colegas) e que tem experiência como missionário. Outros nomes vistos como mais moderados, e também citados por Condon, são os do sueco Anders Arborelius, do italiano Fernando Filoni e do francês Dominique Mamberti – este último estava fora do radar até bem pouco tempo atrás. Outro vaticanista, John Allen Jr., chama a atenção para o holandês Willem Eijk e o italiano Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém.
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Este cenário, no entanto, exigiria um conclave mais parecido com o de outubro de 1978, o que poderia jogar o anúncio do próximo papa para a sexta-feira, dia 9, ou, em um caso mais extremo, para o domingo, dia 11 (se não houver papa eleito até sexta-feira, haverá um dia de pausa, segundo as regras da UDG). Para que uma eleição assim terminasse em dois dias, com no máximo cinco escrutínios, seria preciso que os cardeais percebessem logo cedo que os líderes iniciais não teriam chance de vencer, e partissem logo para a busca por um nome de mais consenso.
Se os grupos mais antagônicos dentro do Colégio dos Cardeais estivessem apontando candidatos mais na ponta do espectro, como Raymond Burke, Gerhard Müller, Jean-Claude Hollerich ou Stephen Brislin, eu apostaria com certeza em um conclave de ao menos três dias, pois teríamos um cenário idêntico ao que opôs Benelli e Siri em outubro de 1978: nenhum deles conseguiria votos no campo oposto e forçaria o surgimento de um meio-termo. O fato de os dois possíveis líderes iniciais, Parolin e Tagle, não terem esse perfil torna mais provável uma definição já nesta quinta-feira, mas o cenário desenhado por Condon, do The Pillar, não pode ser desprezado – a diferença, neste caso, seria o fato de ambos serem derrubados menos pela oposição implacável de um grupo de cardeais e mais pelas próprias fraquezas. Mais um elemento de imprevisibilidade em um conclave que já é certamente o mais desafiador deste século para os analistas da política vaticana. Se eu tivesse de arriscar? Mais do que falar em dois ou três dias, eu diria que o resultado deve sair entre a quinta e a sétima votações.